O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central decidiu de forma unânime nesta quarta-feira (1º) reduzir a taxa básica de juros (a Selic) em 0,5 ponto percentual, de 12,75% para 12,25% ao ano, e sinalizar novos cortes da mesma intensidade nas próximas reuniões.
Em meio à discussão do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre revisão da meta fiscal de 2024, o Copom voltou a afirmar a importância de perseguir os alvos já estabelecidos para que as expectativas de inflação dos economistas caminhem em direção aos objetivos traçados.
"Tendo em conta a importância da execução das metas fiscais já estabelecidas para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária, o comitê reafirma a importância da firme persecução dessas metas", escreveu o Copom.
O debate sobre o risco fiscal voltou a ganhar força depois de Lula afirmar, na sexta (27), que "dificilmente" o país vai atingir o objetivo de zerar o déficit no próximo ano, conforme prometido pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Apesar dos ruídos após a declaração do chefe do Executivo, o Copom manteve a sua estratégia sinalizada no encontro anterior, em setembro, e promoveu o terceiro corte de juros consecutivo na mesma magnitude.
A nova redução levou a Selic ao menor nível desde maio de 2022, quando a taxa básica estava fixada em 11,75% ao ano.
Os membros foram unânimes na avaliação de que o atual ritmo de queda da Selic é apropriado para manter a política monetária em um patamar contracionista [que provoca contração da economia] necessário para o processo de desinflação.
A decisão do Copom veio em linha com a expectativa unânime dos economistas pelo corte de 0,5 ponto percentual na taxa básica. Levantamento feito pela Bloomberg mostrou que essa era a projeção consensual do mercado financeiro, com base na comunicação feita pela própria autoridade monetária.
A flexibilização de juros teve início em agosto, em uma decisão com placar dividido (5 a 4) pela redução de 0,5 ponto. No último encontro, houve unanimidade nos votos dos nove membros do colegiado do BC por nova queda da Selic no mesmo ritmo.
A autoridade monetária condicionou a magnitude total do ciclo de flexibilização a alguns fatores. Disse que dependerá da evolução da dinâmica inflacionária; das expectativas de inflação, em particular das de maior prazo; de suas próprias projeções de inflação; do hiato do produto [margem que a atividade tem para crescer até atingir sua capacidade máxima]; e do balanço de riscos.
O colegiado manteve seu plano de voo considerando que, desde o Copom de setembro, houve melhora no ambiente doméstico com a desaceleração da inflação corrente.
O índice oficial de inflação —IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo)— subiu menos do que o esperado e, no acumulado em 12 meses, ficou em 5,19% em setembro. A tendência de desinflação foi reforçada pelos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de outubro.
No cenário de referência do Copom, a projeção de inflação para este ano caiu de 5% para 4,7% —dentro do intervalo de tolerância (4,75%). Para 2024, a estimativa subiu de 3,5% para 3,6%. Houve alta também para 2025, a 3,2%, ante 3,1% no encontro anterior.
Em seu balanço de riscos para a inflação, o colegiado do BC continuou com a avaliação de que permanecem fatores em ambas as direções.
Entre os motivos que puxariam os preços para cima, mencionou maior persistência das pressões inflacionárias globais e maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada.
Na direção contrária, entre os riscos de baixa, o comitê citou desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a estimada e impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global (caso se mostrem mais fortes do que o esperado).
"O comitê avalia que a conjuntura, em particular devido ao cenário internacional, é mais incerta do que o usual e exige cautela na condução da política monetária", disse.
A piora do cenário externo e os ruídos em torno da meta fiscal adicionaram incertezas ao BC na condução da política monetária.
Como mostrou a Folha, o governo Lula debate um novo alvo para 2024 correspondente a um déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto). O percentual continua em discussão.
Somado a isso, no ambiente internacional, a rentabilidade dos treasuries —títulos do Tesouro dos Estados Unidos— disparou, os juros nas economias avançadas continuam restritivos e eclodiu o conflito entre Israel e Hamas, o que pode encarecer o preço do petróleo e impulsionar a inflação global.
Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e sócio-fundador da Oriz Partners, ressaltou que o colegiado do BC aumentou o tom com relação ao cenário internacional, transparecendo no comunicado a sua preocupação com o tema.
"O ambiente externo mostra-se adverso, em função da elevação das taxas de juros de prazos mais longos nos Estados Unidos, da resiliência dos núcleos de inflação em níveis ainda elevados em diversos países e de novas tensões geopolíticas", disse o Copom no texto.
Para o economista, o comitê manteve inalterado o seu discurso quanto à questão fiscal pelo seu "modus operandi" de se ater apenas a decisões oficiais, não a especulações. Há expectativa de que essa discussão seja aprofundada na ata, que será divulgada na próxima terça-feira (7).
Kawall considera que a manutenção de cortes da taxa Selic em meio a um cenário internacional adverso é um indicativo de que o Brasil está mais sólido hoje do que no passado.
"É uma pena que nesse momento o governo esteja nessa discussão interna de uma revisão de meta. Isso não ajuda do ponto de vista do próprio processo de recuperação da economia, que deve ter um PIB [Produto Interno Bruto] negativo no terceiro trimestre, encarece a rolagem da dívida pública, aumenta a incerteza econômica e atrapalha o trabalho do Copom de redução da taxa de juros", disse.
"Não nas próximas reuniões, mas provavelmente com relação ao juro terminal ao fim de ciclo, se vai poder chegar em um ou dois dígitos", continuou.
Tony Volpon, ex-diretor do BC, destacou que o Copom teria espaço para discutir uma aceleração do ritmo de cortes de juros se não fosse a deterioração do cenário global —o que exige uma condução da política monetária mais cuidadosa.
"A inflação tem vindo bastante bem comportada, de uma maneira sequencial abaixo das expectativas do mercado, mas com esse ambiente externo não dá para tomar esse risco", disse.
Na avaliação dele, uma discussão nesse sentido seria inócua e teria um efeito muito grave nas expectativas dos agentes do mercado financeiro sobre a inflação e também na taxa de câmbio.
Quanto à questão fiscal, também espera ver na ata mais detalhes sobre a discussão dos membros do colegiado.
"Seria estranho [o Copom] não comentar sobre o que ocorreu nesses últimos dias, apesar de estar muito incerto ainda, nada foi oficialmente mudado, nenhuma decisão foi tomada, o que deixa o Copom no escuro sobre o que deve acontecer em relação a isso."
O BC mira hoje o objetivo fixado para 2024 e já olha também para 2025, quando terá início o modelo de alvo contínuo após mudança no sistema de metas de inflação.
No próximo ano, a meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo será considerado cumprido se oscilar de 1,5% (piso) a 4,5% (teto).
O Copom volta a se reunir nos dias 12 e 13 de dezembro para recalibrar o patamar da Selic.
Será o último encontro do ano, que marcará a despedida de Fernanda Guardado (Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos Corporativos) e de Mauricio Moura (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta) da cúpula do BC.
Eles devem ser substituídos pelo professor de economia Paulo Picchetti e pelo servidor Rodrigo Alves Teixeira, indicados por Lula. Os escolhidos ainda passarão por sabatina na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado Federal e levados ao plenário para aprovação.
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