Bernard Arnault construiu um império de luxo baseado na 'desejabilidade'; quem irá herdá-lo?

Bilionário reuniu Tiffany, Dom Pérignon e Louis Vuitton em único conglomerado, mas terá de se decidir entre cinco filhos

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Liz Alderman Vanessa Friedman
Paris | The New York Times

Numa tarde de julho, pouco depois de ter sido nomeado o homem mais rico do planeta pela revista Forbes, Bernard Arnault, 74, chefe do império de bens de luxo LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton, subiu ao palco diante de uma multidão de autoridades e repórteres franceses.

Na primeira fila estavam quatro de seus cinco filhos adultos —o quinto estava assistindo em Nova York, onde é executivo da Tiffany & Co. O pai deles criou a todos para um dia dirigirem o conglomerado LVMH.

A ocasião foi o anúncio de Arnault de que a LVMH forneceria 150 milhões de euros (cerca de US$ 161 milhões, R$ 779 milhões) para patrocinar os Jogos Olímpicos de Paris em 2024. As empresas LVMH desempenharão um papel de destaque. O joalheiro parisiense Chaumet desenhará as medalhas olímpicas, e os vinhos Moët Hennessy fluirão nas suítes dos hotéis.

Bernard Arnault, presidente do conglomerado LVMH (Louis Vouitton & Moeth Hennessy), em conferência realizada em Paris, França. Arnault é um homem de paletó preto, camisa branca e gravata marinho
Bernard Arnault, presidente do conglomerado LVMH (Louis Vouitton & Moeth Hennessy), em conferência realizada em Paris, França - Gonzalo Fuentes/Reuters

"A parceria ajudará a promover a França em todo o mundo", declarou Arnault. À medida que as câmeras de televisão se aproximavam, seu filho mais velho, Antoine, chefe de comunicações e imagem da LVMH, pronunciou o que poderia ser um slogan para a enorme empresa que seu pai construiu: "Para um sonho, não há preço".

Foi um momento de triunfo público para Arnault, um sinal de quão enraizada na estrutura francesa a LVMH se tornou. Ao longo de mais de 30 anos, ele a transformou no maior grupo de luxo do mundo e na empresa mais valiosa da França, com presença em 81 países. Suas marcas —75 delas— são as estrelas do mundo do luxo, incluindo Louis Vuitton, Christian Dior, Tiffany e Dom Pérignon Champagne.

Mas seu sucesso trouxe desafios. Na França, Arnault tornou-se um para-raios da raiva diante da crescente desigualdade econômica. Em abril, dez dias depois que a Forbes o colocou no topo de sua lista anual das pessoas mais ricas, manifestantes invadiram seu escritório em Paris durante greves nacionais pelo aumento da idade da aposentadoria.

E nos últimos meses as ações da LVMH sofreram mais uma queda, que chegou a 19% desde que atingiram o pico em abril. A empresa relatou uma redução nas vendas nos Estados Unidos no segundo trimestre, e a economia chinesa, uma grande fonte de receitas da LVMH, está vacilante.

Aos 74 anos, Arnault tem trabalhado para garantir que sua empresa —criada a partir da devoração de muitas casas de luxo europeias que foram enfraquecidas pelas disputas entre proprietários familiares— permanecerá firmemente nas mãos da família.

No ano passado, ele convenceu o conselho a aumentar a idade de aposentadoria compulsória do CEO e do presidente de 75 para 80 anos, e criou uma estrutura corporativa que garante o controle da família sobre a LVMH, prendendo seus filhos —todos nomeados para cargos de alta visibilidade na empresa— como principais tomadores de decisão.

As mudanças de Arnault significam que ele não terá que se aposentar no próximo ano, como inicialmente esperado. Isso não impediu as especulações sobre se ele conseguirá garantir que seus herdeiros evitem um drama do tipo "Succession" —a mídia francesa está cheia de manchetes comparando os Arnault com os Roy, a família fictícia da série da HBO, e a família odeia esse tipo de conversa e se esforça para minimizar os paralelos com o programa.

A irmã mais velha é Delphine, 48, presidente e CEO da Christian Dior Couture e membro do comitê executivo da LVMH e de seu conselho. Antoine, 46, não é apenas responsável pela imagem e pelos esforços de sustentabilidade do grupo, como também é CEO da sua marca de moda masculina Berluti, presidente da casa de luxo italiana Loro Piana, CEO da Christian Dior SE e membro do conselho de administração da LVMH.

Ambos são do primeiro casamento de Arnault, com Anne Dewavrin. Os três mais novos são do segundo casamento dele, com a pianista canadense Hélène Mercier: Alexandre, 31, é vice-presidente executivo de produto e comunicações da Tiffany; Frédéric, 28, é CEO da Tag Heuer; e Jean, 24, diretor de relógios da Louis Vuitton.

Numa rara entrevista na sede da LVMH em Paris, Arnault descartou qualquer comparação com os Roy, da televisão.

"Não é uma obrigação, nem inevitável, que um filho seja meu sucessor", disse ele. "A melhor pessoa dentro ou fora da família deverá me suceder um dia. Mas não é algo que espero que seja um duelo para um futuro próximo."

Todos os meses, os cinco irmãos reúnem-se com o pai para almoçar no último andar da sede da LVMH.

Durante uma hora e meia, eles discutem negócios, incluindo finanças, lançamentos de produtos futuros e a recompensa de grandes eventos nas redes sociais. Por exemplo, um desfile de moda masculina da Vuitton do novo designer da marca, Pharrell Williams, atraiu nomes como Kim Kardashian e LeBron James, resultando em mais de 16 milhões de acessos no YouTube.

"Não se engane", disse Jean. "Discutimos as coisas, mas no final é ele quem decide."

Em meio à bonomia, dizem os irmãos, Arnault avalia o desempenho de cada um dos filhos.

Formado pela École Polytechnique, da elite francesa, Arnault aprimorava as habilidades matemáticas de seus filhos quase todas as noites antes do jantar. Antoine lembrou que tirar notas abaixo da máxima em exames importantes "não era aceitável".

Ian Rogers, ex-diretor digital da LVMH, disse que Alexandre lhe disse: "Minha educação empresarial começou quando eu tinha 9 anos, na mesa do café da manhã".

Aos 10, Delphine acompanhava o pai às lojas Dior. Ele fez das inspeções de fim de semana com os filhos nas propriedades da LVMH em Paris uma rotina durante mais de três décadas.

O pai juntou cada um dos filhos a um mentor quando eles entraram no negócio, para ensinar-lhes as marcas e monitorar seu desempenho. Delphine e Antoine começaram em posições de estagiários antes de ascenderem ao nível executivo. Os três mais jovens passaram mais rapidamente para cargos elevados, "provavelmente porque ele sente que o tempo está se esgotando e precisa acelerar o processo de aprendizagem", disse Pierre-Yves Roussel, antigo chefe do grupo de moda LVMH e atual CEO da Tory Burch.

Todos entendem que a própria família é hoje uma marca tanto quanto as marcas que possui, e não perderam tempo em marcar sua presença.

Em menos de dois anos na Tiffany, Alexandre ajudou a fechar um acordo com Beyoncé e Jay-Z, criando uma sensação nas redes sociais. (Em 2016, Alexandre convenceu o pai a adquirir a Rimowa, fabricante alemã de malas de alumínio, fundada em 1898. Ele imediatamente começou a tornar "cool" a empresa de malas utilitárias.) Delphine criou o Prêmio LVMH para Jovens Designers de Moda, uma competição de talentos de alto nível. E Antoine escancarou as portas antes fechadas de muitas empresas LVMH com uma série de "dias abertos" que convidam o público a entrar em fábricas e oficinas.

Arnault insistiu repetidamente durante a entrevista que seu principal objetivo não é o lucro. "É a desejabilidade", disse ele, "e devemos garantir que daqui a 50 anos ainda estaremos no topo."

"Desejabilidade", disse Roussel, é a palavra mais popular na empresa. Mas destaca um problema potencial, disse ele: "Um consumidor acordando e dizendo: 'Sabe, estou comprando este produto, mas há alguém ganhando muito dinheiro com isso'.

"É desejável que você compre um produto de alguém que é o homem mais rico do mundo?"

Na França, Arnault é uma figura que causa divisão: aclamado pelos mundos empresarial e político por ter construído o maior titã empresarial do país, e insultado por outros pela sua riqueza quase inimaginável.

Em abril, enquanto os protestos em nível nacional na França ganhavam força devido à tentativa do presidente Emmanuel Macron de aumentar a idade da aposentadoria em dois anos, para 64, manifestantes invadiram a sede da LVMH, denunciando Arnault como a personificação dos ultrarricos. "Ele é um símbolo do que está errado nesta sociedade!", gritou um deles.

A questão agora é quem conseguirá manter a desejabilidade no coração da LVMH numa era de protestos e de incerteza econômica global.

No ano passado, Arnault mexeu na estrutura corporativa do seu império, concentrando a tomada de decisões nos seus cinco filhos. Cada um tem uma participação de 20% e não pode vender suas ações por 30 anos sem a aprovação unânime do conselho.

Os herdeiros "foram educados pelo melhor jogador do mundo: todos conhecem o negócio", disse Sidney Toledano, presidente do grupo de moda LVMH e um dos executivos mais antigos de Arnault. "Eles serão os pilotos? Talvez."

Se o próximo CEO não se chamar Arnault, os filhos dizem que concordarão. Afinal, disse Alexandre, "existe o risco de nenhum de nós conseguir gerir a empresa tão bem quanto ele".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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