Mulheres avançam em cargos técnicos na aviação, mas ainda são ampla minoria

Elas representam menos de 5% do total de profissionais em áreas como pilotagem, manutenção e controle aéreo

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São Paulo

Quando chegava ao aeroclube para fazer aulas de pilotagem, Natália Levandowski, 34, costumava estacionar o carro e esperar alguns minutos antes de sair. "Ficava criando coragem para entrar no hangar e fazer meus voos, porque eu me sentia muito sozinha ali. Era só homem e todo mundo te olhava como se fosse um alien", diz.

Em 2009 era raro ver mulheres estudando para cargos técnicos da aviação, como de piloto, controle aéreo e manutenção. Na turma de Levandowski no aeroclube, havia mais de cem homens e só três mulheres. Ela levaria ainda mais cinco anos para concluir a formação, e enfrentou percalços.

"Encontrei uma vaga em táxi aéreo que tinha base em Porto Alegre, que não exigia muita experiência. Era bem o que eu queria e cheguei super empolgada. Cheguei lá e ouvi 'a gente não contrata mulher'", lembra. "Perdi umas três oportunidades por ser mulher."

Beatriz Barbi (à esq.), gerente de malha aérea, e Adriana Lacerda, gerente de manutenção, na sede da Azul - Eduardo Knapp/Folhapress

Para acumular mais horas de voo, algo fundamental para avançar na carreira, ela foi trabalhar como instrutora de voo. Depois de cerca de cinco anos, conseguiu emprego em uma companhia aérea do Panamá, onde está até hoje. Muitas vezes, comanda voos ao lado de outra mulher.

"Hoje em dia é tudo mais normal. A gente tem até uma certa irmandade. Temos um grupo de WhatsApp só com pilotos mulheres, porque tem questões que não interessam aos homens e que temos que começar a falar. Várias são mães", diz Levandowski.

Ela avalia que o avanço das mulheres na aviação tem a ver também com a maior facilidade para encontrar informações. "Hoje em dia tem muita gente que faz vídeos no YouTube, Instagram, Tiktok, contando como é ser piloto. Na época que comecei não tinha isso. Era raro encontrar uma mulher piloto. Às vezes encontrava alguma e mandava uma mensagem no Orkut, perguntando como era", afirma.

Apesar da abertura de espaços, no entanto, o setor aéreo segue com forte concentração masculina. Dados da Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional, ligada à ONU) mostram que entre pilotos, controle de tráfego aéreo e equipes de manutenção, elas representam só 4,94% da força de trabalho global no setor: são cerca de 46 mil em meio a pouco mais de 900 mil homens.

Na América Latina e no Caribe, as mulheres têm um pouco mais de espaço: representam 7,59% do total de funcionários destas três áreas. Já as maiores disparidades são registradas no Oriente Médio (elas ocupam 2,87% desses postos) e na América do Norte (3,78%).

Para Ana Persiani, diretora de treinamento da Alta (Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo), o avanço da presença feminina na região ganhou tração na década passada, conforme governos e empresas criaram metas e programas para estimular que as mulheres ocupem mais espaço nessas funções.

Ela avalia, no entanto, que um avanço mais forte das mulheres só virá após mudanças na educação das meninas, para estimulá-las a estudar ciências exatas e a investir em áreas técnicas. "Se seguimos colocando estereótipos de princesa nas meninas, elas pensarão que não poderão ter estes cargos por achar que são apenas para homens", diz Persiani.

"Simplesmente não é sustentável para nossa indústria seguir crescendo sem ter participação feminina. Precisamos de mais mulheres em carreiras de exatas para termos uma aviação mais segura e eficiente."

Persiani lamenta que muitas mulheres que entram na aviação acabem saindo, por não verem perspectivas de crescimento. Uma das formas de contornar isso são ações de mentoria: profissionais experientes orientam as mulheres sobre como crescer na carreira, tanto como exemplo prático quanto com dicas para questões de rotina.

"A gente vê outras mulheres com diferentes exemplos de liderança e isso foi importante para eu me posicionar utilizando a minha cara, sem precisar copiar o estilo de alguém. Eu tenho um perfil mais tranquilo, não aquilo de falar grosso", afirma Beatriz Barbi, 34, gerente de malha da Azul, e primeira mulher a ocupar o posto.

Barbi tem responsabilidade de chefiar o planejamento de voos da empresa. Formada em geografia, entrou na companhia há dez anos e foi subindo posições até chegar na chefia. Ela seguiu uma dica comum em mentorias: estudar mais e se especializar nos temas em que pretende atuar.

Adriana Lacerda, 44, gerente-geral de manutenção da Azul, também é pioneira na função na empresa e tampouco pensava em trabalhar com aviões quando jovem. Estudou engenharia, passou pelo setor de óleo e gás e chegou à aviação por ser especialista em redução de custos.

"Um dia alguém falou para mim 'vem comigo em uma reunião da área técnica. É uma área bem rígida, com regras muito bem definidas, e ninguém nunca mexeu muito ali", diz.

Para entender as oportunidades de melhoria, Adriana passou a fazer pernoites com as equipes de manutenção: como os aviões voam mais durante o dia, é comum que as vistorias e os reparos sejam feitos de noite.

Com o tempo, Adriana foi crescendo na área, até chegar a gerente. "Entrei substituindo um profissional de 70 anos, que tinha 50 anos de experiência na manutenção. De repente, as pessoas são avisadas que vai entrar uma mulher, relativamente jovem, sem formação de mecânica. Vieram olhares curiosos", diz.

Dois meses após assumir a gerência, Adriana descobriu que estava grávida, e isso a aproximou de suas equipes. "Quando eu chegava nas bases, os mecânicos viam que eu estava grávida e vinham conversar, falar 'olha, eu também tenho filho'. Mostravam as fotos no celular. Isso só me aproximou mais deles."

Levandowski diz que, no dia a dia de piloto, já são raras as situações de preconceito ou olhares desconfiados. "As pessoas começaram a se dar conta de que você não precisa ser um ogro para pilotar um avião. Pode ser uma mulher normal, ter as unhas feitas, e voar tão bem quanto um homem."

Ela fica feliz ao ver que pode servir de exemplo. "Quando as guriazinhas me veem no aeroporto ou na cabine, como piloto, elas pensam 'ah, eu posso ser que nem ela'. Essa referência antes não tinha", afirma.

Natália Lewandowski, 34, piloto de empresa aérea
Natália Levandowski, 34, piloto de empresa aérea - Arquivo pessoal
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