Durante os últimos dois anos, o gesto esteve em desuso no Fórum Internacional de Transporte (ITF, na sigla em inglês). Até ano passado, o "soquinho"—o encontro de duas mãos fechadas em punho— era o cumprimento social mais comum. Mas, no evento deste ano, realizado em Leipzig, na Alemanha, o tradicional aperto de mãos voltou com força.
"Eu amo esse tipo de conexão", diz Jan Schleifer, cofundandor da WNJSC, empresa de comunicação responsável pelo ITF. "É possível sentir a outra pessoa", diz ele, feliz em adotar o gesto após o fim da emergência global para a pandemia ser decretado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em maio.
O aperto de mãos entre duas pessoas, gesto de origem milenar que indica uma saudação amistosa e que foi comemorado internacionalmente no último dia 21 de junho, esteve abolido de reuniões sociais e de negócios durante a fase mais aguda da pandemia.
No seu lugar, foram adotados cumprimentos pouco convencionais, como a ligeira inclinação do tronco, o toque de cotovelos e até de calcanhares. O "soquinho" se tornou mais popular, ainda presente em parte das ocasiões.
Mas nos eventos corporativos —que tentaram uma versão online em 2020 e vêm retornando ao presencial— o aperto de mãos já voltou a ser protagonista.
Em Istambul, na Turquia, centenas de executivos de empresas aéreas se cumprimentavam nos corredores da assembleia geral anual da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), realizada no início de junho. A saudação envolvia apertos de mãos firmes, que em parte das vezes eram seguidos por abraços breves.
"Em 2021, em Boston [EUA], ainda estávamos dando 'soquinhos' para nos cumprimentarmos. No ano passado, em Doha [Catar], começamos a apertar as mãos. E agora estamos apertando as mãos em todo lugar", diz Markus Ruediger, diretor-assistente de comunicações da Iata.
Em São Paulo, o gesto foi visto milhares de vezes durante a Exposec, feira internacional de segurança, realizada entre 13 e 15 de junho. "Tivemos um recorde de público neste ano, de 50 mil pessoas, mais do que as 48 mil do ano passado. Foi bom ver todo o mundo apertando as mãos", diz Maurício Duval Macedo, presidente da Fiera Milano Brasil, responsável pela organização do evento. "Evento presencial é insubstituível", diz o executivo, feliz por ter deixado a "febre de lives" no passado.
Gesto nasceu para demonstrar ausência de armas
Segundo o sociólogo Gabriel Rossi, pesquisador e professor de comunicação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), o aperto de mãos é considerado um gesto universal, existente desde a Antiguidade. "Há relatos de apertos de mão entre personagens da Ilíada de Homero, e também entre egípcios e romanos", afirma.
No caso dos egípcios, hieróglifos registram o aperto de mão como a forma com que um deus transmitia seu poder a um faraó, seu representante na Terra. No Império Romano, por sua vez, era comum esconder um punhal na manga. O fato de estender a mão direita para outra pessoa, e uma apertar o pulso da outra, era uma prova de que se estava desarmado e um sinal de paz.
Já na Grécia antiga, um emissário percorria as cidades anunciando a "ekecheiria", expressão que significa "dar as mãos" e representa a trégua que antecedia as Olimpíadas. Isso porque nenhuma luta ou guerra era permitida entre os soldados durante os jogos, considerado um período de respeito aos deuses e um tempo de paz entre os homens.
"No mundo contemporâneo, os quakers difundiram o aperto de mão na Europa e nos EUA", diz Rossi, referindo-se ao movimento britânico religioso criado em 1652, que adotou o cumprimento como sinal de igualdade entre seus membros.
No século 19, o aperto de mãos passou a figurar como o cumprimento mais apropriado nos manuais de etiqueta. "Ao mesmo tempo, a indústria cultural, com seus filmes, peças e novelas, ajudou a expandir o código pelo mundo", afirma o sociólogo.
Do aperto de mãos ao ‘codo a codo’
O argentino Mercado Livre, o maior site de comércio eletrônico da América Latina, adotou o cumprimento como logomarca desde 2000, um ano depois da sua fundação. "O aperto de mãos é a essência do Mercado Livre, a maneira que a marca encontrou para dizer que é possível fazer bons negócios no meio digital –tanto para os consumidores, quanto para os players", diz Thais Nicolau, diretora de branding do Mercado Livre no Brasil, referindo-se aos lojistas que vendem pela plataforma.
Ao longo do tempo, a logomarca da empresa foi sendo remodelada até que, com a pandemia, adotou o "cotovelos unidos". "Não foi uma campanha realizada pontualmente", diz Thais. "Mudamos toda a comunicação visual do grupo, desde o site, aplicativo e redes sociais até os caminhões de entrega, passando pelas embalagens", afirma. "Foi uma maneira que encontramos de contribuir para a conscientização do público, de que era preciso um distanciamento como forma de evitar o contágio."
Assim que o lockdown começou a ser decretado nas principais cidades da América Latina, o Mercado Livre mudou o logo, em 17 de março. "Foi uma das primeiras grandes marcas do mundo a reagir, antes mesmo de McDonald’s e Mastercard", afirma Bruno Brux, diretor de comunicação da agência Gut, que atende o Mercado Livre.
A mudança, diz Brux, aconteceu em 48 horas, a partir do monitoramento das redes sociais. Os escritórios da Gut, no Brasil e em outros países da América Latina, estavam em uma reunião de brainstorming –a técnica de "tempestade de ideias" usada na publicidade, que consiste falar o que vem à mente para identificar boas sacadas. "A expressão ‘codo a codo’, cotovelo a cotovelo, em espanhol, estava em alta. Achamos que seria ideal", diz.
Os criativos também chegaram a pensar no logo do Mercado Livre sem as mãos, como sinal para evitar o contato. "Mas os cotovelos unidos venceram, justamente pela ideia de continuarmos em contato, mas de um jeito seguro", afirma Brux. A mensagem que acompanhou os cotovelos unidos foi "Juntos. De mãos dadas ou não."
Foi só na campanha de Natal de 2021, com as famílias voltando a se reunir, que o Mercado Livre retomou o aperto de mãos como seu logo oficial –21 meses depois da mudança. Apesar da variante ômicron ter se disseminado logo no começo de 2022, a empresa avaliou que era hora de retornar, por conta do avanço da vacinação, diz Thais. "Todos nós esperamos que as mãos unidas nunca mais precisem ser substituídas."
O que significa o aperto de mãos para você?
A Folha ouviu alguns altos executivos para saber qual o cumprimento adotado durante a pandemia e quando se sentiram seguros para voltar a apertar as mãos. Confira:
Fábio Barbosa, 68, presidente do grupo Natura & Co. e da Fundação Itaú
Durante a pandemia, passei por algumas situações constrangedoras, como dar a mão e receber uma negativa de cumprimento do outro lado. É claro que existiu muito receio de contágio, período em que eu passei a adotar o soquinho para cumprimentar, mas felizmente essa fase já parece superada. Estou com todas as vacinas em dia, dou a mão direto na hora de cumprimentar e, dependendo do interlocutor, também abraços e beijos. Se eu posso estar em uma reunião de trabalho presencialmente, eu prefiro. Você consegue sempre uma leitura melhor de qualquer situação no presencial. Além disso, preciso sair de casa para trabalhar, vir para o escritório, é como virar uma chave entre a vida pessoal e a profissional.
Helio Rotenberg, 61, fundador e presidente da Positivo Tecnologia
Durante a fase mais aguda da pandemia, adotei o home office de maneira integral, vim pouquíssimas vezes à empresa. Quando havia um evento presencial, eu fazia uma leve reverência com a cabeça, como os orientais. Hoje estou três dias e meio por semana no presencial, tem coisas que só olho no olho se resolvem, seja com uma boa conversa, um sorriso, um carinho no trato, o que envolve um aperto de mãos firme. Curioso que eu estive em reuniões de negócios este ano na Taiwan e no Japão: lá eles não acham o home office produtivo. Eu prefiro o modelo híbrido. Neste mês, por exemplo, anunciamos a entrada da Positivo no mercado de segurança eletrônica, durante a Exposec. Encontrei muita gente e distribuí uns 100 apertos de mão em um único dia de feira. Nada melhor para apresentar um negócio.
Marina Cury, 50, presidente da consultoria imobiliária Newmark
Fizemos centenas de reuniões virtuais desde o início da pandemia, criamos até um cartão de visitas virtual. Mas falar pela câmera não é a mesma coisa! Nada substitui estar em uma sala de reuniões, tomando um café e tendo uma boa conversa, que vai muito além do oral. Tem a ver com o olhar, o sorriso, o toque —que inclui um bom aperto de mãos. Depois da vacinação, me senti segura em voltar a apertar as mãos. Antes, parecia até inimiga da pessoa, não chegava perto (risos). Estive em um evento de negócios em Nova York mês passado, onde percebi algumas pessoas ainda reticentes em cumprimentar: são uns cinco segundos iniciais em que cada lado calcula o quanto o outro aceita ser tocado. Estamos reaprendendo a nos conectar no presencial, o que é muito bom.
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