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Peso derretendo é risco para acordo Brasil-Argentina

Vendas para o país vizinho já são menores do que as destinadas ao Oriente Médio

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São Paulo

A tentativa do governo Lula de financiar exportadores brasileiros e importadores argentinos para que comprem produtos do Brasil, pagando o empréstimo com a venda dos importados no país vizinho, esbarra na crescente desvalorização do peso frente o real, sobretudo nas últimas semanas —marcadas pela piora na crise Argentina.

Como o real (e o dólar e o euro) valoriza-se quase diariamente em relação ao peso, será um obstáculo às empresas argentinas levantar os recursos depois para pagar na íntegra os financiamentos. Há três meses, R$ 1 equivalia a 74 pesos. Hoje, passa de 93 no mercado paralelo.

A Argentina anunciou que fará "o dever de casa", apresentando garantias fiduciárias para que o Brasil não leve calote. Lula, por sua vez, se comprometeu a colocar até o banco dos Brics, o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), no negócio. Fato é que Venezuela, Cuba e Moçambique, no passado, já deixaram o Brasil a ver navios.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o argentino, Alberto Fernández, durante encontro no Palácio da Alvorada, em Brasília, nesta terça (2) - Sergio Lima/AFP

Segundo o Ministério da Fazenda, com a falta de mecanismos do Brasil para financiar as exportações nacionais e as importações argentinas, o país perdeu cerca de US$ 6 bilhões na balança comercial com a Argentina para a China —hoje o maior parceiro comercial dos argentinos.

Assim como o Brasil quer agora, os chineses vêm fornecendo mecanismos de financiamento e meios alternativos de pagamento, como operações em yuans ou via concessão de créditos a exportadores.

Lula fez questão de demonstrar apoio político ao esquerdista Alberto Fernández, que o visitou na prisão em 2019. Disse que o FMI deveria "tirar a faca no pescoço" do país, embora o Fundo venha sendo bastante condescendente, relaxando metas, em acordo com a devedora Argentina.

Mas um interesse em jogo para Lula nessas tratativas de risco é reforçar a venda de produtos industrializados ao país vizinho, amparando a indústria nacional. A Argentina é o principal destino de bens manufaturados do Brasil, sobretudo do setor automotivo (autopeças e veículos).

Sinal tanto do encolhimento da indústria brasileira como da cada vez maior dependência de produtos agropecuários na pauta de exportações, o Brasil vende hoje mais para o Oriente Médio do que para a Argentina. Os árabes compram carnes, milho, minério de ferro, soja e açúcar.

Em 2022, a Argentina absorveu 4,6% das vendas externas do Brasil, que teve superávit de US$ 2,2 bilhões com o país vizinho —US$ 15,3 bilhões em exportações e US$ 13,1 bilhões em importações. As vendas para o Oriente Médio chegaram a 5,1% do total (US$ 17,2 bilhões).

Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil, há duas décadas quase 60% do que o Brasil vendia no mundo eram manufaturados. Hoje, essa participação caiu a menos da metade. De meados dos anos 1980 para cá, a fatia da indústria de transformação no PIB cedeu de 36% para cerca de 11%, segundo estudo da FGV.

Além de ser um importante destino para a indústria brasileira, a Argentina compete diretamente com o Brasil no mercado internacional de produtos agropecuários.

Mas, por causa da taxação das exportações pelo governo com o objetivo de reforçar o caixa em dólares, o país vizinho vem perdendo mercados para o Brasil.

Segundo a Sociedade Rural Argentina, taxações sobre as exportações de óleo e farinha de soja (alíquota de 33%) e trigo e milho (12%), entre outras, reduziram a disponibilidade de recursos para o aumento da produção e renderam, nas últimas duas décadas, cerca de US$ 175 bilhões em impostos ao governo argentino.

Na safra de 2022/23, no entanto, a forte seca que assolou o país leva a Argentina a perder cerca de US$ 20 bilhões. Praticamente sem dólares nas reservas, Fernández tenta, com a ajuda de Lula, evitar o pior até outubro, quando haverá eleição na qual anunciou que não deve participar.

O maior risco até lá é uma maxidesvalorização cambial, que poderia catapultar a inflação argentina para muito além dos 104% anuais registrados nos últimos 12 meses —implodindo de vez qualquer acordo com o Brasil ou aumentando as chances de calote.

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