Descrição de chapéu carro elétrico

Na Noruega, o futuro do carro elétrico já chegou

Cerca de 80% dos carros novos vendidos no país são elétricos

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Jack Ewing
Bamble (Noruega)

Cerca de 180 quilômetros ao sul de Oslo, ao longo de uma rodovia ladeada por pinheiros e bétulas, um reluzente posto de combustível oferece uma visão de um futuro onde os veículos elétricos reinam.

O número de carregadores de bateria supera em muito o de bombas de gasolina na área de serviço operada pela Circle K, rede de varejo que começou no Texas. Durante os fins de semana de verão, quando os residentes de Oslo fogem para suas casas de campo, a fila para recarregar às vezes vai até a rampa de saída da estrada.

Marit Bergsland, que trabalha na loja, teve que aprender a ajudar clientes frustrados a se conectarem aos carregadores, além de suas tarefas regulares de virar hambúrgueres e registrar compras de alcaçuz salgado, uma iguaria popular.

"Às vezes temos que dar um café para eles se acalmarem", disse ela.

Cerca de 80% das vendas de carros novos na Noruega no ano passado foram de elétricos - David B. Torch/The New York Times

No ano passado, 80% das vendas de carros novos na Noruega foram de elétricos, colocando o país na vanguarda da mudança para o transporte movido a bateria. Isso também transformou a Noruega em um observatório do que a revolução dos veículos elétricos pode significar para o meio ambiente, os trabalhadores e a vida em geral. O país encerrará as vendas de carros com motor de combustão interna em 2025.

A experiência da Noruega sugere que os veículos elétricos trazem benefícios sem as terríveis consequências previstas por alguns críticos. Existem problemas, é claro, incluindo carregadores inconfiáveis e longas esperas durante períodos de alta demanda. Concessionárias e varejistas de automóveis tiveram que se adaptar. A mudança reorganizou a indústria automobilística, tornando a Tesla a marca mais vendida e marginalizando montadoras estabelecidas como Renault e Fiat.

Mas o ar em Oslo, a capital da Noruega, está claramente mais limpo. A cidade também está mais silenciosa, pois os veículos a gasolina e a diesel, mais barulhentos, são descartados. As emissões de gases de efeito estufa em Oslo caíram 30% desde 2009, mas não houve desemprego em massa entre os trabalhadores dos postos de gasolina e a rede elétrica não entrou em colapso.

Alguns legisladores e executivos de empresas pintam a luta contra a mudança climática como algo que exige um duro sacrifício. "Com os VEs (veículos elétricos), não é assim", disse Christina Bu, secretária-geral da Associação Norueguesa de VEs, que representa os proprietários. "Na verdade, é algo que as pessoas apreciam."

A Noruega começou a promover os veículos elétricos na década de 1990 para apoiar a Think, uma startup local de VEs que pertenceu à Ford Motor durante alguns anos. Os veículos movidos a bateria foram isentados de impostos de valor agregado e de importação e de pedágio nas rodovias.

O governo também subsidiou a construção de estações de carregamento rápido, cruciais em um país quase do tamanho da Califórnia, com apenas 5,5 milhões de habitantes. A combinação de incentivos com facilidade de carregamento "eliminou todos os fatores de atrito", disse Jim Rowan, CEO da Volvo Cars, com sede na vizinha Suécia.

As políticas colocam a Noruega mais de uma década à frente dos Estados Unidos. O governo Biden pretende que 50% das vendas de veículos novos sejam de elétricos até 2030, marco que a Noruega ultrapassou em 2019.

Oficina de Sindre Dranberg, que aprendeu a consertar baterias de carros elétricos - David B. Torch/The New York Times

A poucos metros de uma rodovia de seis pistas que circunda Oslo, canos de metal se projetam do telhado de um galpão pré-fabricado. O edifício mede a poluição do tráfego que passa bem perto de uma ciclovia e de uma marina.

Os níveis de óxidos de nitrogênio, subprodutos da queima de gasolina e diesel que causam poluição, asma e outras doenças, caíram drasticamente com o aumento da propriedade de veículos elétricos. "Estamos prestes a resolver o problema do NOx", disse Tobias Wolf, engenheiro-chefe de qualidade do ar de Oslo, referindo-se aos óxidos de nitrogênio.

Mas ainda há um problema onde a borracha encontra a estrada. O ar de Oslo tem níveis insalubres de partículas microscópicas, geradas em parte pela abrasão de pneus e asfalto. Os veículos elétricos, que representam cerca de um terço dos veículos matriculados na cidade, mas uma proporção maior do tráfego, podem até agravar esse problema.

"Eles são realmente muito mais pesados do que os carros com motor de combustão interna, e isso significa que estão causando mais abrasão", disse Wolf, que, como muitos moradores de Oslo, prefere se locomover de bicicleta.

Outro problema persistente: os moradores de apartamentos dizem que encontrar um lugar para conectar seus carros continua sendo um desafio. Recentemente, no porão de um restaurante em Oslo, legisladores e moradores locais se reuniram para discutir o assunto.

Sirin Hellvin Stav, vice-prefeita de Oslo para meio ambiente e transporte, disse no evento que a cidade quer instalar mais carregadores públicos, mas também reduzir o número de carros em um terço para tornar as ruas mais seguras e liberar espaço para caminhadas e ciclismo.

"O objetivo é reduzir as emissões, e por isso os veículos elétricos são tão importantes, mas também tornar a cidade melhor para se viver", disse Stav, que é membro do Partido Verde, em entrevista mais tarde.

Os veículos elétricos fazem parte de um plano mais amplo de Oslo para reduzir suas emissões de dióxido de carbono a quase zero até 2030. Todos os ônibus urbanos serão elétricos até o final do ano.

Oslo também tem como alvo a construção, fonte de mais de um quarto de suas emissões de gases de efeito estufa. Os empreiteiros que licitam em projetos públicos têm mais chances de ganhar se usarem equipamentos que funcionem com eletricidade ou biocombustíveis.

Em um parque num bairro de trabalhadores em Oslo no mês passado, uma escavadeira retirava terra para fazer um lago decorativo. Um cabo grosso conectava a escavadeira a uma fonte de energia, acionando seu motor elétrico. Mais tarde, um caminhão basculante elétrico removeu o solo.

An electric vehicle charging station at a Circle K in ¯kern, Norway, on April 28, 2023. Electric vehicle owners tend to spend more time at Circle K because charging takes longer than filling a gas tank.  (David B. Torch/The New York Times)
Donos de VEs tendem a passar mais tempo no Circle K, porque o carregamento leva mais tempo do que encher um tanque de gasolina - David B. Torch/The New York Times

Normalmente, a equipe deveria parar de trabalhar quando as crianças de um jardim de infância próximo cochilavam. Mas o equipamento elétrico era silencioso o suficiente para que o trabalho pudesse continuar. (As crianças na Noruega tiram uma soneca ao ar livre quando o clima permite.)

Espen Hauge, que gerencia projetos de construção na cidade, disse que ficou surpreso com a rapidez com que os empreiteiros substituíram máquinas a diesel por equipamentos elétricos difíceis de encontrar. "Alguns projetos que pensávamos ser impossíveis ou muito difíceis de ter emissão zero, ainda ganhamos a licitação para emissão zero", disse ele.

Stav reconheceu o que chamou de hipocrisia da iniciativa da Noruega de reduzir os gases do efeito estufa enquanto produz muito petróleo e gás. As exportações de combustíveis fósseis geraram receita de US$ 180 bilhões no ano passado. "Estamos exportando essa poluição", disse Stav, observando que seu partido pediu que a produção de petróleo e gás fosse eliminada até 2035.

Mas o governo da Noruega não recuou na produção de petróleo e gás. "Temos vários campos em produção ou em desenvolvimento, fornecendo segurança energética para a Europa", disse Amund Vik, secretário de Estado do Ministério de Petróleo e Energia da Noruega, em comunicado.

Em outros lugares, a rede elétrica da Noruega resistiu bem, mesmo com a maior demanda por eletricidade. O fato de o país ter energia hidrelétrica abundante ajuda. Mesmo assim, os veículos elétricos aumentaram modestamente a demanda por eletricidade, segundo cálculos da associação de EVs, e a maioria dos proprietários está carregando os carros à noite, quando a demanda é menor e a energia mais barata.

A Elvia, que fornece eletricidade para Oslo e arredores, teve que instalar novas subestações e transformadores em alguns lugares, disse Anne Nysæther, diretora administrativa da empresa. Mas "não vimos nenhum problema de colapso da grade", acrescentou.

Tampouco houve aumento do desemprego entre os mecânicos de automóveis. Os veículos elétricos não precisam de troca de óleo e exigem menos manutenção do que os carros a gasolina, mas ainda quebram. E há muitos carros a gasolina que precisarão de manutenção durante anos.

Se alguém tem que se preocupar com seus empregos, são os revendedores de carros. O desaparecimento quase total dos veículos a gasolina e diesel dos showrooms reorganizou a indústria.

O Moller Mobility Group há muito é o maior varejista de automóveis da Noruega, com vendas no ano passado de US$ 3,7 bilhões e concessionárias na Suécia e nos países bálticos. A loja Moller em Oslo está cheia de Volkswagens elétricos como o ID.4 e o ID.Buzz. Existem apenas alguns carros de combustão interna.

No entanto, a Tesla está superando em muito a Volkswagen na Noruega, conquistando 30% do mercado em comparação com 19% da Volkswagen e suas marcas Skoda e Audi, de acordo com o Conselho de Informação Rodoviária.

As vendas de carros elétricos de empresas chinesas como BYD e Xpeng também estão crescendo. Se esse padrão se repetir em outras partes da Europa e nos Estados Unidos, algumas montadoras estabelecidas talvez não sobrevivam.

Petter Hellman, CEO da Moller Mobility, previu que as marcas tradicionais recuperariam terreno porque os clientes confiam nelas, e possuem extensas redes de serviços. "Mas claramente a Tesla abalou a indústria", acrescentou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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