Airbus aposta em mix para zerar emissões, mas teme falta de combustível verde

Plano para descarbonização inclui hidrogênio verde e SAF, cujas produções ainda são mínimas

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Toulouse (França)

Não colocar todos os ovos numa mesma cesta. O ditado ilustra como a Airbus tem administrado suas estratégias de descarbonização. Na ausência de uma tecnologia de propulsão verde estabelecida no mercado, a maior fabricante de aviões do mundo vem investindo em quase todas as potenciais alternativas, na tentativa de sair na frente quando a virada sustentável chegar.

A aviação responde hoje por cerca de 3% das emissões globais, oriundas principalmente dos motores a querosene. Pressionado pela agenda climática, o setor tem algumas apostas na manga, como o SAF (combustível de aviação sustentável, na sigla em inglês), o hidrogênio verde e a eletrificação.

Caminhão da Neste, maior produtora de SAF do mundo, ao lado de turbina de avião - Airbus/Divulgação

No entanto, essas são opções que ainda estão em desenvolvimento, e o caminho até que todos os desafios tecnológicos, regulatórios e de preço sejam superados pode ser longo.

A Airbus tem a meta de ser net zero (neutralizar todas as suas emissões de poluentes) até 2050, mas pretende colocar uma aeronave zero em emissões no mercado antes disso, em 2035. Para cumprir os compromissos, a fabricante francesa tem distribuído suas fichas.

No começo de dezembro, a companhia reuniu dezenas de jornalistas para mostrar como está trabalhando na agenda sustentável. Na abertura do encontro, que aconteceu em Toulouse, sul da França, o CEO da Airbus, Guillaume Faury, destacou três estratégias: fabricar aviões mais eficientes para reduzir o consumo de combustível, operar com 100% de SAF até 2030 e permitir voos comerciais com hidrogênio até 2035.

Eletrificação da frota e utilização de aeronaves híbridas também estão no plano de voo, formando um mix verde que a diretora de tecnologia da Airbus, Sabine Klauke, diz ser indispensável para a companhia cumprir com suas metas climáticas. Segundo ela, uma única alternativa não vai ser suficiente para zerar as emissões. "Precisamos de tudo."

Atualmente, todos os aviões que a Airbus entrega já estão certificados a operar com 50% de SAF. O combustível leva esse nome por ser feito a base de materiais sustentáveis, como plantas, resíduos florestais, restos de roupas e até óleo usado para fritar frangos e batatas.

O SAF tem potencial para reduzir as emissões de carbono em até 80%, mas hoje seu uso representa apenas 1% de todo o combustível usado na aviação. A baixa disponibilidade é uma das principais causas.

Em 2021, por exemplo, apenas 100 milhões de litros do produto foram fabricados, o que é uma fração mínima perto da demanda global do setor, de bilhões de litros.

Outro problema são os custos. O SAF mais barato custa três vezes mais caro que o querosene tradicional. Dependendo do material, a proporção pode chegar a oito vezes.

A finlandesa Neste é a maior produtora do combustível sustentável no mundo. Durante o evento da Airbus, a companhia falou sobre os desafios de produção e disse que o setor precisa de ajuda para conseguir suprir a demanda da aviação.

Thorsten Lange, vice-presidente da Neste, fez um apelo para que o mundo avance com a regulação e subsídios para a indústria. Segundo ele, é necessário investir mais de US$ 1 bilhão por ano para aumentar a capacidade produtiva do SAF.

Hidrogênio verde está no radar, mas disponibilidade preocupa

Além do SAF, a Airbus está trabalhando para produzir aviões com propulsão a hidrogênio verde. Em fevereiro, por exemplo, a fabricante francesa anunciou seu plano de testar um motor movido a hidrogênio no superjumbo A380, o maior avião de passageiros do mundo.

Esse é um ponto que distancia a Airbus de sua principal concorrente, a Boeing. A americana aposta mais no SAF e, recentemente, declarou ceticismo em relação à viabilidade do hidrogênio como combustível da aviação comercial.

Existem duas maneiras pelas quais o hidrogênio pode ser usado como fonte de energia para propulsão de aeronaves. A primeira, e mais convencional, é através da combustão de hidrogênio em uma turbina a gás, o que exige mais capacidade de resfriamento e tanques de combustível maiores.

Pode haver a necessidade de colocar os reservatórios extras dentro dos aviões, o que tiraria espaço da cabine de passageiros. Atualmente, o combustível das aeronaves é levado nas asas.

A segunda opção é a utilização de células de combustível para converter o gás em eletricidade para alimentar um motor de hélice.

A Airbus aposta nas duas alternativas. Recentemente, a companhia começou a desenvolver um motor com células de bateria, que deve ser testado em voo até o fim desta década.

A cápsula, cujo protótipo foi apresentado durante o evento, usa hidrogênio líquido e oxigênio da atmosfera para gerar energia elétrica usada nos motores. Quatro cápsulas seriam necessárias para alimentar um avião com capacidade para até cem pessoas.

No momento, a companhia diz estar avaliando qual tecnologia faz mais sentido —se é a combustão direta ou as células de combustível. A opção que será usada nas aeronaves é algo a ser decidido depois.

Por enquanto, a Airbus tem procurado formas de ajudar a amadurecer a indústria de hidrogênio verde. A fabricante estuda a construção de fábricas do material para facilitar o transporte e armazenamento do combustível nos aeroportos.

Assim como acontece com o SAF, a disponibilidade pode ser um problema. O CEO da Airbus demonstrou preocupação com a oferta e disse que o cenário pode inclusive atrasar a entrega de uma aeronave movida a hidrogênio prevista para o fim desta década.

No começo de dezembro, governos de Espanha, França e Portugal anunciaram a criação de um sistema de dutos submarinos para levar hidrogênio verde da Península Ibérica ao resto da Europa.

SAF e hidrogênio verde também acendem alertas ambientais

Em fevereiro, o setor de aviação europeu se uniu para estabelecer metas climáticas, com o objetivo principal de chegar ao net zero em 2050. As estimativas são de que entre 50% e 60% da redução das emissões virão do uso de combustíveis alternativos. No entanto, apesar dos esforços, o setor precisa avançar mais.

Fred Krupp, presidente do Fundo de Defesa Ambiental, ONG baseada nos EUA, elogiou os esforços das companhias de aviação durante o evento, mas alertou que a mudança não está acontecendo rápido o suficiente e que é necessário ficar atento a algumas questões da agenda climática.

É importante, por exemplo, garantir que a produção de SAF não ocupe áreas que seriam destinadas à produção de alimentos, ou provoque desmatamento.

O ambientalista também disse ser cético sobre existir biomassa suficiente para produzir todo o SAF que a aviação precisa. Seriam necessários bilhões de toneladas por ano, sendo que hoje não atingimos sequer a marca dos milhões.

Sobre o hidrogênio, Krupp menciona a preocupação sobre o vazamento do gás —durante o transporte ou armazenamento, por exemplo. Segundo ele, estudos indicam que o hidrogênio pode ter um forte impacto no efeito estufa, algo ainda pouco estudado, visto que a indústria é relativamente nova.

Krupp defende a criação de um sistema que limite as emissões da aviação, além de investimentos em aeronaves mais eficientes e nos combustíveis sustentáveis —desde que com padrões rigorosos. Na visão dele, o setor precisa ser ainda mais esforçado nessa direção caso as empresas queiram manter suas licenças para operar. "As emissões da aviação estão crescendo 3,6% ao ano, o que significa que vão dobrar em 20 anos", destacou.

O jornalista viajou a convite da Airbus.

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