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Jamais existiu uma ordem mundial global, diz Kissinger em livro

Ex-secretário de Estado dos EUA analisa mundo de perspectivas históricas divergentes, conflitos violentos e avanços tecnológicos

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Heloísa Mendonça
Belo Horizonte

No livro Ordem Mundial, Henry Kissinger, o decano da diplomacia americana, faz uma análise das origens da harmonia e da desordem internacional. Ele afirma que jamais existiu uma ordem mundial que fosse verdadeiramente global. E que, durante grande parte da história da humanidade, cada civilização se via como o centro do mundo.

Kissinger, que hoje tem 99 anos, foi assessor de Segurança Nacional e secretário de Estado dos presidentes Richard Nixon (1969-1974) e Gerald Ford (1974-1977). Ele conta que a ideia do livro surgiu de uma conversa durante um jantar com um amigo. Ambos concluíram que a crise da definição de ordem mundial era, em última análise, o problema internacional da atualidade.

Henry Kissinger em visita à China em novembro de 2018
Henry Kissinger em visita à China em novembro de 2018 - AFP

Ao longo dos nove capítulos, o decano desenha um panorama histórico de como o conceito evoluiu antes de abordar o atual desafio de construir uma ordem internacional em um mundo de perspectivas históricas divergentes, conflitos violentos e avanços tecnológicos.

A ordem que conhecemos hoje, segundo o autor, foi concebida na Europa Ocidental há quase quatro séculos numa conferência de paz realizada na região alemã de Vestfália, sem o envolvimento ou sequer conhecimento da maioria dos outros continentes.

Ela se baseava num sistema de Estados independentes que renunciavam à interferência nos assuntos internos uns dos outros e limitavam as respectivas ambições por meio de um equilíbrio geral de poder. Essa ordem surgiu da necessidade de paz, já que os europeus viram um quarto de sua população dizimada durante a Guerra dos 30 Anos (1618-1648).

O conceito vestfaliano deixou de existir em 1914 com a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Nos anos seguintes, houve uma tentativa de retorno ao equilíbrio de poder por meio da Liga das Nações, mas que não foi capaz de impedir a Segunda Guerra Mundial. Só após 1945 outra vez se estabeleceu um equilíbrio de poder com a criação da ONU (Organização das Nações Unidas).

O autor ressalta, no entanto, que as diferenças entre os enfoques ocidentais e não ocidentais sobre a ordem mundial se intensificaram ao longo da história. Em algumas civilizações contemporâneas, os princípios são definidos por convicções religiosas, psicológicas ou filosóficas.

Toda ordem internacional cedo ou tarde deve enfrentar o impacto de duas tendências que desafiam sua coesão: uma redefinição do que se entende por legitimidade ou uma mudança significativa na balança de poder

Henry Kissinger

no livro Ordem Mundial

Ordem e liberdade, às vezes descritas como polos opostos no espectro da experiência, deveriam, ao contrário, ser compreendidas como interdependentes. Os líderes de hoje terão capacidade de se colocar acima da urgência dos acontecimentos do dia a dia para alcançar este equilíbrio?

Henry Kissinger

no livro Ordem Mundial

Momento crítico

Kissinger alerta que a ordem mundial proclamada como universal pelos países ocidentais se encontra hoje novamente em um momento crítico. Segundo o autor, conceitos como democracia, direitos humanos e internacional recebem interpretações tão divergentes que as partes em guerra regularmente "os invocam uns contra os outros como seus gritos de batalha".

O autor pontua que nenhum país desempenhou papel tão decisivo na formação da ordem mundial contemporânea como os EUA, nem manifestou tamanha ambivalência a respeito de sua participação no processo. O país exerceu influência fundamental em importantes episódios da história, ao mesmo tempo em que negava qualquer motivação associada ao interesse nacional.

Kissinger estaca que enquanto a economia se globaliza, a política segue aprisionada pelas fronteiras nacionais e que esta seria a causa das crises vividas na América Latina (anos 80); Ásia (1997); Rússia (1998); EUA (2001 e 2007); Europa (desde 2010).

Para o autor, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em 1973, por firmar os acordos que resultaram no término da Guerra do Vietnã (1959-1975), cada era tem seu tema central recorrente. No período medieval, era a religião; no Iluminismo, era a razão, no século 19 e 20, foi o nacionalismo.

Henry Kissinger ao lado do presidente da China, Xi Jinping, em 2018 - Thomas Peter - 8.nov.2018/AFP

Ciência e tecnologia guiam nossa era

Hoje, a ciência e a tecnologia são os conceitos que servem de guia para a nossa era, já que proporcionaram avanços sem precedentes para o bem-estar humano. No entanto, ele destaca que elas produziram, por outro lado, armas capazes de destruir a humanidade.

Na visão de Kissinger, o que há de novo é o ritmo da mudança proporcionado pelo poder dos computadores e a expansão da tecnologia da informação para todas as esferas da existência.

Antes da era da informática, o poderio das nações era mensurável por meio de uma combinação de efetivos humanos, equipamentos, geografia, economia e moral. As hostilidades eram desencadeadas, de certa forma, por acontecimentos definidos.

Agora, um computador pode produzir um fato de consequências globais. Um agente solitário pode conseguir por meio do ciberespaço desativar ou potencialmente destruir infraestruturas vitais.

Na visão do autor, será necessária a existência de uma estrutura em que se organize o ambiente informático global.

"Caso não sejam articuladas algumas regras de conduta internacional, uma crise acabará por surgir a partir da própria dinâmica interna do sistema", diz o autor.

Em uma obra com mais perguntas do que propostas para o futuro, Kissinger considera que a reconstrução do sistema internacional é o maior desafio atual dos estadistas.


Ordem Mundial
Henry Kissinger (Objetiva, 432 págs., R$ 79,70)

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