O ministro Paulo Guedes (Economia) embarcou na campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) e assumiu o discurso de manutenção do benefício mínimo de R$ 600 no Auxílio Brasil, apesar de isso representar a necessidade de mudanças no teto de gastos —norma constitucional que impede as despesas federais de crescerem acima da inflação.
O chefe da equipe econômica também tem ido a campo, em encontros com empresários e representantes do mercado financeiro, para rebater críticas e defender as políticas adotadas sob sua gestão.
Antes do envio da proposta de Orçamento de 2023, que colocou o governo na linha de tiro por cortes em programas sociais, Guedes adotava um discurso mais moderado em relação ao Auxílio Brasil.
Segundo interlocutores do mercado financeiro, em reuniões no início de agosto, o ministro buscou deixar na conta de Bolsonaro a promessa de manutenção do valor maior, o que foi interpretado como uma ressalva ao impacto fiscal adicional decorrente dessa sinalização.
Nessas conversas, Guedes também transmitiu a mensagem de que o piso de R$ 600 do Auxílio Brasil valeria para este ano, e o futuro do benefício seria discutido num segundo momento.
No entanto, o envio do Orçamento sem essa garantia mínima, devido a restrições legais à inclusão dessa despesa, deixou o governo exposto a críticas. Guedes deixou de participar de entrevista coletiva para detalhar os dados e a promessa R$ 600 no futuro, como chegou a ser sugerido por técnicos do governo, segundo relatos feitos à Folha.
A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a usar o potencial corte no programa como fator para desgastar Bolsonaro.
Guedes virou a chave e abandonou a prudência em 1º de setembro, dia seguinte à apresentação da proposta orçamentária. "O compromisso está assumido, vai ser R$ 600 e ponto final", sentenciou a uma plateia de empresários.
O aval do chefe da equipe econômica foi imediatamente incorporado ao discurso do presidente como uma espécie de mantra para dissipar as críticas. "Ele [Guedes] me garantiu que temos condições de manter os R$ 600", disse Bolsonaro à Jovem Pan em 6 de setembro.
Até agora, porém, não há evidência concreta de como o custo extra da decisão será acomodado nas regras fiscais, ou como isso vai afetar a trajetória da dívida pública do país.
Na proposta de Orçamento, estão reservados R$ 105,7 bilhões para o programa social, o suficiente para bancar um benefício médio de R$ 405,21. Assegurar o piso de R$ 600 demandaria uma despesa extra de R$ 52,5 bilhões.
Os valores não incluem a nova promessa de Bolsonaro, um adicional de R$ 200 para o público do Auxílio Brasil que conseguir emprego (regra já prevista em lei desde 2021, mas não implementada pelo presidente).
Nas conversas reservadas com o mercado, o ministro tem adotado tom austero, concordando com as preocupações fiscais ao mesmo tempo em que admite a necessidade de fazer alterações no teto de gastos. O caminho para isso e o formato exato da regra no futuro, porém, têm passado ao largo das explanações.
Em público, por sua vez, Guedes já surgiu falando em calamidade ou prorrogação do estado de emergência para assegurar o pagamento dos R$ 600, trazendo insegurança sobre a existência de uma solução duradoura para o impasse fiscal.
O Tesouro Nacional discute internamente uma proposta para dar mais flexibilidade ao teto, conforme detalhou a Folha, permitindo o aumento de despesas quando a dívida pública segue trajetória mais favorável. Mas os parâmetros ainda não são conhecidos —e eles podem determinar se o governo teria espaço extra ou não já em 2023.
A proposta dos técnicos tem sido o ponto de partida de Guedes para falar ao mercado sobre a futura mudança no teto, sem muitos detalhes. Ele também se apega à promessa de que os R$ 600 do Auxílio Brasil serão condicionados à retomada da tributação de lucros e dividendos distribuídos à pessoa física para manter o discurso de responsabilidade fiscal. A medida não resolve o problema do teto, mas indica uma fonte permanente de receitas para bancar o gasto.
Nessa mesma linha, o ministro tem demonstrado intenção de resgatar a pauta "DDD", que inclui desvincular, desindexar e desobrigar despesas. No ano que vem, o Orçamento terá 93,7% dos gastos previamente carimbados para aposentadorias, salários, despesas em educação e saúde e outros itens considerados obrigatórios.
Guedes defende "quebrar o piso", uma imagem usada de forma corriqueira pelo ministro para abrir espaço no Orçamento ao desvincular e desindexar despesas. Em 2021, no entanto, sua equipe tentou propor políticas nessa direção, com o congelamento de aposentadorias, que ficariam sem correção pela inflação —uma ideia impopular, que fez Bolsonaro disparar a ameaça de "cartão vermelho" a quem fosse o autor de ideias semelhantes, que tirariam dos pobres para dar aos paupérrimos.
Ao mesmo tempo, o ministro dá indicações de não ser tão rígido com sua proposta. Segundo interlocutores, Guedes já sinalizou que, em eventual reeleição de Bolsonaro, uma fatia do Orçamento continuará carimbada para as emendas de relator.
As emendas de relator são recursos públicos usados como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional, privilegiando aliados do governo. No ano que vem, elas somarão R$ 19,4 bilhões —quase o valor de todos os investimentos a serem controlados pelos ministérios em 2023.
Defensor de "devolver à classe política o controle do Orçamento", Guedes já minimizou a relevância das emendas de relator por representarem "menos de 1%" dos gastos totais, que chegarão a R$ 1,9 trilhão no ano que vem.
Guedes condiciona permanência como ministro a reformas e privatizações
Apesar de falar sobre o futuro, Guedes condiciona sua permanência no cargo à manutenção da "aliança entre liberais e conservadores". A expressão é uma maneira do ministro se referir a uma pauta de reformas e privatizações que tenha apoio para avançar dentro do governo e no Congresso.
Ao longo dos três anos e oito meses de governo, porém, nem sempre ele teve esse suporte. Após emplacar, no primeiro ano, uma reforma da Previdência mais robusta que o esperado no mercado, a equipe econômica precisou lidar com os efeitos da pandemia e com o ímpeto gastador das alas política e militar.
A proximidade do calendário eleitoral também inspirou o Palácio do Planalto a buscar instrumentos para impulsionar a popularidade de Bolsonaro. Desde 2021, já foram quatro alterações constitucionais na tentativa de criar espaço no Orçamento para medidas com apelo popular, como a ampliação do Auxílio Brasil e a criação de benefícios temporários para taxistas e caminhoneiros.
Criticado nessas reuniões por ceder às pressões eleitoreiras, Guedes se defende exaltando o desempenho positivo da economia e afirmando a seus interlocutores que as mudanças foram feitas "dentro das regras".
De fato, as alterações foram submetidas ao crivo do Congresso Nacional —que aceitou alterar a Constituição para abrir os cofres em ano eleitoral. Por outro lado, o ministro ouviu que uma das fragilidades é justamente a insegurança decorrente da facilidade de se alterar a Constituição após tantas investidas.
Nessas conversas, segundo os relatos, Guedes concordou com as preocupações fiscais, mas não ofereceu soluções. Apesar das reclamações pela falta de detalhamento, o ministro reage a quem o acusa de não explicitar o plano econômico de um eventual segundo governo Bolsonaro.
"Eu acho patético às vezes as pessoas falando assim 'ah, não, ele nunca falou qual o plano dele' ", disse ele em vídeo compartilhado pelo presidente na quinta-feira (8). Após enfileirar metas de abertura econômica, redução de impostos, controle de gastos, foco social e autonomia do Banco Central —entre outras iniciativas não mencionadas— Guedes afirmou que "todo mundo sabe qual é o programa".
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