TCU aprova privatização da Eletrobras por 7 a 1

Governo corre para abrir mão de controle da maior empresa de energia da América Latina

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Brasília

O TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou o processo de privatização da Eletrobras por 7 votos a 1 no julgamento desta quarta-feira (18). A decisão dá passe livre para o governo abrir mão de controlar a maior empresa de energia da América Latina.

O resultado do julgamento é uma vitória do ministro Paulo Guedes (Economia), que agora tem caminho aberto para executar a privatização de uma empresa inteira antes do fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). O desafio agora é fazer a operação mesmo com as condições adversas no mercado.

"Trata-se de um dia histórico para o Brasil. O MME [Ministério de Minas e Energia] permanece comprometido em cumprir, de forma diligente e tempestiva, as próximas etapas do processo", afirmou em rede social Adolfo Sachsida, ministro do MME.

Votaram favoravelmente ao processo o relator Aroldo Cedraz e os ministros Benjamin Zymler, Bruno Dantas, Augusto Nardes, Jorge Oliveira, Antonio Anastasia e Walton Alencar Rodrigues. O ministro Vital do Rêgo Filho votou contra.

"Esta foi uma sessão histórica", afirmou Cedraz. "Não tenho qualquer dúvida que as próximas gerações vão reconhecer os esforços do TCU para proteger o Estado e a sociedade com a possibilidade de modernizar o setor elétrico brasileiro."

Palavra eletrobras escrita em letras brancas sobre fundo preto, ao lado de um símbolo azul e verde que parece uma chama ou uma goa d´´agua
Logotipo da Eletrobras - Brendan McDermid/Reuters

Como costuma ocorrer em momentos decisivos nos processos de privatização, as horas que precederam o julgamento foram tensas.

Ainda na noite de terça-feira (17), causou apreensão o voto do ministro Walton Alencar. Ele defendia uma mudança no cronograma nos aportes da CDE (Conta de Desenvolvimento Econômico), que buscam reduzir o peso dos encargos e aliviar a conta de luz.

Alencar propôs que não houvesse o repasse de R$ 5 bilhões, previsto para 2022. A lei de desestatização não traz um cronograma —por isso, para o ministro, seria um ajuste fino que não comprometeria o processo.

Bancos que acompanham a oferta, no entanto, alertaram para outro risco: o calendário atual foi submetido à AGE (assembleia geral extraordinária) e uma mudança poderia demandar uma nova assembleia —o que adiaria a capitalização em até 50 dias, jogando o prazo para um limite perigoso.

No final da manhã, circulou a informação de que a Eletrobras seria tirada da pauta do julgamento do dia. Na verdade, Cedraz recebeu solicitação nesse sentido, mas não concedeu.

Houve protestos também. Um grupo se concentrou na entrada da sede do TCU, em Brasília, para se manifestar contra a venda.

VOTO DIVERGENTE LISTA ILEGALIDADES

Na abertura do julgamento, o ministro Vital do Rêgo Filho propôs, antes mesmo de apresentar o seu voto divergente, uma discussão preliminar.

Reforçou que o tribunal já havia autorizado a realização de fiscalização dos procedimentos adotados pela Eletrobras para provisionamento de contingências relacionadas a demandas judiciais do empréstimo compulsório de energia, observando o balanço do terceiro trimestre de 2021.

Como o resultado dessa fiscalização poderia alterar o valor da companhia, ele propôs sustar o julgamento. Essa proposta preliminar, porém, foi rejeitada por 7 votos a 1.

Em seu voto divergente, Vital do Rêgo apresentou uma lista do que chamou de irregularidades.

Destacou, por exemplo, os dividendos devidos pela Eletronuclear à União. Segundo ele, criam distorções, e precisam ser pagos antes da privatização para não gerar problemas futuros. Estão acumulados, desde 2010, R$ 2,7 bilhões em dividendos não pagos.

Pela proposta, ENBPar, uma nova estatal, controlada pela União, vai assumir as operações da área nuclear, mas Rêgo reforçou que, se no futuro os dividendos devidos forem pagos, ao final, a nova Eletrobras será titular das maioria das ações ordinárias e preferenciais da Eletronuclear, todas com direito a voto, enquanto não houver o pagamento.

"A política nuclear brasileira vai ser privatizada", diz Vital do Rêgo. "Não me diga que vamos acertar depois, precisa ser visto antes."

Sobre o tema, também questionou a ausência de consulta aos órgãos responsáveis pela Política Nacional Nuclear, em especial a recém-criada Autoridade Nacional de Segurança Nacional.

O ministro questionou também o valor declarado para Itaipu. Foi calculado que ela vale, pelo capital social, e não pelo fluxo de caixa, R$ 1,2 bilhão. Essa subavaliação ajuda a melhorar o valor da ação da nova Eletrobras e, ao mesmo, tempo facilita a aquisição do governo. Mas, reforçou o ministro, Itaipu tem um valor muito maior.

O ministro questionou ainda as avaliações independentes, que teriam cometido erros na estimativa de preço de venda de longo prazo. Entre os exemplos estavam os valores de Furnas, Chesf, Eletronorte e Ceteep, de transmissão, cujo resultado seria R$ 9,3 bilhões adicionais, afirmou o ministro.

Outra diferença de avaliação que reforçou foi a da dívida. Ocorreu uma diferença de R$ 30,64 bilhões no cálculo do endividamento líquido ajustado da Eletrobras, disse ele.

"Não sobraram miudezas para discutir", afirmou Vital do Rêgo Filho. "Temos erros de R$ 40 bilhões que precisam ser revisados antes de concluir essa privatização"

CONFIANÇA AO MERCADO

Os ministros contemporizaram que os estudos e dados apresentados pelo ministro Vital do Rêgo Filho ampliaram o debate e aprofundaram a discussão. No entanto, tratavam de questões que poderiam ser debatidas, mas não eram suficientes para negar a continuidade do processo, por causa dos benefícios que a privatização traria ao país.

O ministro Bruno Dantas, por exemplo, afirmou que a valuation da companhia deixou a desejar, de fato, mas que o mercado faria os ajustes necessários, e que o país precisava de uma empresa de energia moderna e capaz de investir. A privatização era o caminho para isso, defendeu.

"A economia de mercado vai dar condição para que o Brasil possa alavancar a sua competitividade", disse Augusto Nardes, acompanhado os demais ministros.

O ministro Jorge Oliveira destacou o processo de amadurecimento. "Eletrobras está indo para uma privatização que não é clássica, mas está indo com alta vantagem para o país", disse. "O Estado brasileiro não está entregando de bandeira um patrimônio, a União terá parte do resultado dos avanços que serão gerados pelo setor privado nessa capitalização."

Trata-se de um dia histórico para o Brasil. O MME permanece comprometido em cumprir, de forma diligente e tempestiva, as próximas etapas do processo

Adolfo Sachsida

Ministro de Minas e Energia

Governo corre contra o relógio para cumprir prazo de privatização

O Ministério de Minas e Energia publicou uma nota agradecendo ao TCU pela aprovação e cumprimentando também o Congresso, o Ministério da Economia, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e até o ex-ministro Bento Albuquerque –substituído recentemente no comando da pasta de Energia.

Agora, o governo corre contra o relógio para fazer a operação. O próximo passo é fazer o registro da operação na CVM (Comissão de Valores Mobiliários, autarquia responsável por fiscalizar o mercado) e na SEC (Securities and Exchange Commission, a CVM americana).

A necessidade de avisar o regulador dos Estados Unidos existe porque a empresa tem ações negociadas naquele país e, por isso, ambos os órgãos (CVM e SEC) precisam receber as informações.

Paralelamente ao pedido na CVM, já seria iniciada a etapa de apresentações em série aos investidores (o chamado "road show", que tem como objetivo atrair interessados). O governo já tem tido encontro com potenciais investidores.

Nas últimas semanas, membros do governo e da empresa afirmaram que há possibilidade de fazer a operação entre junho e o início de julho.

A data limite seria em meados de agosto, considerando o prazo legal de operações após a divulgação de balanços.

Membros do Executivo e da companhia ouvidos pela Folha buscaram demonstrar uma visão otimista nas últimas semanas ao dizer que a privatização ainda pode acontecer mesmo após o pedido feito pelo TCU no mês passado por mais tempo de análise.

Entretanto, as condições de mercado em 2022 são reconhecidas por membros de governo e empresa como o principal risco do processo. A aproximação do calendário eleitoral tende a aumentar a tensão entre investidores e pode, por consequência, inviabilizar a operação.

Quanto mais o tempo passa, maior o risco de turbulência e de a janela de oportunidade se fechar. Alguns integrantes do governo se questionam, inclusive, se essa janela já não se fechou –embora a última palavra seja de otimismo.

O histórico de retração das ofertas em Bolsa em anos eleitorais desafia a operação da Eletrobras.

Levantamento da Folha com base em dados da B3 nos últimos 18 anos mostra que o número médio de operações cai 34% em anos de disputa pelo Palácio do Planalto. Considerando apenas segundos semestres, a quantidade média cai quase pela metade (46%) nos anos de corrida presidencial.


Privatização da Eletrobras começou nos anos de 1990 e sofreu vários percalços

Foto de rosto P&B do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recortada com um fundo azul claro

FHC (1995-2002): No governo FHC iniciou-se a tentativa de vender a Eletrobras para o setor privado. A medida sofreu resistência e não se concretizou, mas durante o seu mandato, o presidente privatizou quase todas as distribuidoras, entre elas, a Escelsa, distribuidora do Espírito Santo, a Light, do Rio de Janeiro, e a Gerasul, que atuava no sul do país

Foto de rosto P&B do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recortada com um fundo azul claro

Lula (2003-2010): Além de colocar na gaveta o plano de privatizar a estatal, o governo PT freiou as vendas de distribuidoras, mas seguiu com leilões de transmissão e geração de energia. Entre as iniciativas que marcaram aquele momento estão o início dos leilões de energia eólica, em 2009, e o da Usina de Belo Monte, em 2010

Foto de rosto P&B da ex-presidente Dilma Rousseff recortada com um fundo azul claro

Dilma (2011-2016): Em seis anos no poder, Dilma seguiu a cartilha adotada por Lula. Foram feitos leilões de linhas de transmissão e de hidrelétricas --como a Três Irmãos, em São Paulo

Foto de rosto P&B do ex-presidente Michel Temer recortada com um fundo azul claro

Temer (2016-2018): Dois meses após assumir a Presidência, Temer retoma as privatizações e limpa um dos maiores passivos da Eletrobras, vendendo distribuidoras estaduais deficitárias que esttava sob o guarda-chuva da Eletrobras. Foram seis ao todo

Foto de rosto P&B do presidente Jair Bolsonaro recortada com um fundo azul claro

Bolsonaro (2019-2022): Além de trazer os planos de privatização da Eletrobras à baila novamente, Bolsonaro seguiu os passos de Temer nos leilões de distribuidoras, como os da CEB (Companhia Energética de Brasília) e da CEA (Companhia de Eletricidade do Amapá)


A venda de ações da Eletrobras é crucial para Guedes, que prometeu privatizações durante a campanha de 2018 e depois se disse frustrado por não ter conseguido avançar no tema (apesar de várias subsidiárias, como da Petrobras, terem sido vendidas).

"Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas", dizia o programa de campanha de Bolsonaro em 2018.

Para Guedes, a Eletrobras não tem capacidade para investir os valores necessários para atender a demanda energética brasileira ao longo dos próximos anos. A privatização, diz, mobilizaria recursos para diversificar a matriz de geração do país, tornar a geração mais limpa, recuperar bacias hidrográficas e destinar dinheiro até para a energia nuclear.

Nas contas do ministro, a companhia precisaria investir cerca de R$ 15 bilhões por ano para manter a relevância na matriz energética brasileira, mas só consegue investir R$ 3,5 bilhões por ano. "A empresa não só se coloca em risco e vai perdendo essa fatia de mercado, [como] vai comprometendo a segurança energética brasileira", disse neste mês.

Paralelamente, o pré-candidato à Presidência e líder nas pesquisas Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem criticado a privatização. "Espero que os empresários sérios que querem investir no setor elétrico brasileiro não embarquem nesse arranjo esquisito que os vendilhões da pátria do governo atual estão preparando para a Eletrobras, uma empresa estratégica para o Brasil, meses antes da eleição", afirmou Lula em fevereiro em rede social.

Nesta quarta-feira, o senador Jean Paul Prates lamentou a decisão do TCU. "Infelizmente, o resultado no TCU foi o previsível, com imensa pressão do governo, que usou de todos os recursos a seu dispor para assegurar que alguma privatização fosse feita no mandato", afirmou.

"Foram quatro anos para concluir uma única privatização, comprovadamente subvalorada, desmontando a espinha dorsal da infraestrutura energética brasileira, a custa de um sem fim de jabutis. Isso tudo foi fartamente denunciado, ainda que uma parte da imprensa tenha escolhido não dar ao absurdo seu devido valor, já que para privatizar vale tudo."

O senador destacou que o tema será debatido na campanha presidencial e reafirmou que o partido vai trabalhar para "mobilizar o país a desfazer esse absurdo".

PASSOS PARA A PRIVATIZAÇÃO DA ELETROBRAS:

  • Medida Provisória sobre o processo (concluído)
  • Lei decorrente da Medida Provisória (concluído)
  • Estudos (concluído)
  • Audiência pública (concluído)
  • Aprovação pelos acionistas (concluído)
  • Protocolo no TCU (concluído)
  • Julgamento do TCU (concluído)
  • Protocolo da operação na CVM e na SEC
  • Apresentações para atrair investidores ("roadshow")
  • Precificação ("pricing")
  • Operação na Bolsa
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