Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

ESG só avança quando comando da empresa dá o exemplo, dizem especialistas

Governança é um pilar que deve estar bem estruturado para a companhia lidar melhor com as questões sociais e ambientais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Belo Horizonte

O ESG virou mantra no mundo dos negócios, mas a discussão parece ser dominada pelas primeiras duas letras da sigla. Com o agravamento da crise climática e a maior cobrança por impactos positivos na sociedade, as empresas viraram os holofotes para suas iniciativas na parte ambiental (E) e social (S).

Mas há quem diga que o pilar mais importante seja outro. Segundo especialistas, a governança (G) precisa estar na base da estratégia para que a jornada sustentável de uma companhia seja consistente e não apenas marqueteira.

Governança é a maneira como uma empresa organiza seus processos corporativos. Isso envolve a forma como ela é administrada e a estrutura de tomada de decisões, além da transparência sobre o que está sendo feito e sobre os resultados.

Companhias com esse pilar bem desenvolvido são aquelas que cuidam da lisura de suas atividades, garantindo a independência do conselho de administração e investindo em mecanismos de prestação de contas, equidade e responsabilidade corporativa.

Para Luiz Martha, gerente do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), a governança é tão importante para a implementação de uma agenda sustentável que a sigla ESG deveria começar pela letra G.

“É a partir da governança que são tomadas as decisões, definidas as estratégias e a forma como a empresa vai lidar com questões sociais e ambientais”, afirma.

Segundo ele, isso não significa que a governança leve automaticamente a melhores práticas em relação aos outros dois princípios.

“É condição necessária, mas não suficiente. Se essa perna não estiver muito bem fortalecida e organizada, o que será construído nos outros pilares talvez não seja algo de essência, mas pontual, de marketing”, diz.

É o que também pensa Pedro Melo, diretor-geral do IBGC. Na visão dele, empresas com boa governança têm mais chances de tratar dos princípios ESG com profundidade.

“A chance aumenta porque a relação entre o que pensa o acionista, o conselho e a gestão tende a se alinhar”, afirma.

O diretor também ressalta que governança não é um rótulo de “empresa boazinha”. Cobranças internas, metas rígidas e agressividade com concorrentes podem continuar existindo.

“A única cultura que a gente não quer ver é a antiética”, diz Melo.

“Toda organização vai ter suas cobranças, mas isso deve ser feito da forma adequada e coerente. As metas precisam existir, mas isso tem que ser realizado de forma coerente com o propósito da organização”, acrescenta Luiz Martha, gerente do IBGC.

No mercado financeiro, governança corporativa já é algo familiar, especialmente para investidores, que a entendem como um fator de risco em suas avaliações. No entanto, ainda que o termo seja associado a grandes empresas, ele se aplica a negócios de todos os tamanhos, como explica Eduardo Carone, diretor executivo da Atlas Governance.

“Quando a gente fala sobre governança, nossa cabeça geralmente lembra das companhias de capital aberto. Mas, quando dois meninos começam a montar uma empresa com dois computadores e combinam quem deve fazer o quê, já existe uma governança”, afirma.

Carone foi gestor de private equity e chegou a participar de 25 conselhos de administração, até ser afetado por uma falha de governança em 2015.

Uma das empresas que administrava passou por um problema jurídico e, quando ele precisou acionar o seguro para esse tipo de ocasião, descobriu que um diretor não havia feito a contratação, mesmo após a aprovação do conselho.

“Esse é um problema típico, quando não existe transparência do que está sendo feito e não se executa o que foi decidido", explica.

Carone teve então a ideia de criar a Atlas Governance, startup que digitaliza os processos decisórios nas empresas. Hoje ele atende companhias como Hering, MRV, Fleury e Movida, além de estatais e organizações sem fins lucrativos.

Segundo o diretor, a governança já é algo bem desenvolvido nas empresas da Europa e de algumas regiões dos Estados Unidos, mas no Brasil o tema ainda precisa avançar.

“Desde que começou a onda ESG, a evolução passou a ser mais rápida, mas a gente não pode se dizer ainda um país desenvolvido do ponto de vista de governança”, diz.

Na visão dele, a governança é o meio pelo qual um objetivo é atingido e, por isso, deveria ser a base dos princípios ambientais e sociais.

“As organizações precisam existir sem causar impacto negativo no meio ambiente, senão nós não vamos ter um planeta em algum tempo. Isso passa a ser uma necessidade e o G é o meio para isso, porque essas discussões acontecem no conselho de administração, no comitê de sustentabilidade, na aprovação de um orçamento.”

A relação entre governança corporativa e o desempenho sustentável de uma empresa também passa pela composição do conselho, que deve ser feita a partir dos princípios de diversidade e inclusão.

Para Sandra Guerra, fundadora da consultoria Better Governance, a eficiência desse pilar depende que os processos de decisão incorporem pluralidades de gênero, raça, vivências e competência.

“Para a governança funcionar bem, é fundamental ter diversidade no time executivo e no conselho de administração. Quando isso não acontece, pode haver um excesso de conformidade, onde todos pensam igual e não veem um tsunami chegando”, afirma.

Segundo Sandra, além de permitir que novas perspectivas sejam consideradas, a diversidade na alta administração também é uma forma de passar uma mensagem para o restante da companhia e para a sociedade.

"Se eu exijo que a gestão tenha uma meta mais agressiva em relação à diversidade de gênero e étnico-racial, mas só existem homens brancos no conselho, há uma desconexão entre as coisas. O exemplo tem que vir de cima."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.