A crise hídrica prolongada, a maior demanda por serviços e as indefinições na gestão da política fiscal devem forçar novas revisões para cima nas estimativas de inflação do país. Diante desse cenário, cresce o número de analistas que veem o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) fechar o ano com variação próxima de 8% no acumulado de 12 meses.
No Boletim Focus, do BC (Banco Central), que consolida análises de mais de 130 casas financeiras, as projeções ainda estão longe desse ponto. No mais recente levantamento, publicado na segunda-feira (23), a mediana do mercado para o indicador oficial de inflação era de 7,11% para este ano.
Contudo, os analistas apontam que novas revisões tendem a ocorrer nas próximas semanas, dado o rápido avanço de preços que pesa no indicador. Essa perspectiva ganhou força nesta quarta-feira (25), após a divulgação do IPCA-15 (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15).
O IPCA-15 sinaliza a tendência para os preços e, por isso, é conhecido como uma prévia do índice oficial de inflação, o IPCA. No levantamento de agosto, o indicador acelerou para 0,89%. É a maior taxa para o mês desde 2002, informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Com o resultado, o IPCA-15 chegou a 9,30% no acumulado de 12 meses. Ou seja, registra variação superior à meta de inflação perseguida pelo BC para o IPCA. O teto da meta em 2021 é de 5,25%. O centro é de 3,75%.
O economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que o IPCA deve fechar o ano abaixo do patamar de 9% por conta de “um efeito base”.
“Tivemos um IPCA muito forte no final do ano passado. Essa desaceleração, provavelmente a partir de outubro, é efeito base”, sublinha.
Apesar disso, Braz ressalta que o quadro preocupa. Ele projeta inflação de 7,8% no acumulado de 2021 e diz que o indicador pode ficar maior, ainda mais próximo de 8%, em caso de agravamento da crise hídrica e de novos ruídos fiscais envolvendo o governo federal.
“É possível, sim [IPCA de 8%]. Podemos ter novo reajuste na bandeira vermelha patamar 2, e ruídos sobre a política fiscal podem gerar efeitos ainda mais persistentes”, comenta Braz.
“A sensação é de um espalhamento da inflação. Pobres e ricos estão percebendo a alta. A inflação não está mais associada apenas a alimentos. Tem ainda a questão da energia, e os combustíveis seguem bastante pressionados”, pontua.
A alta do IPCA-15 em agosto foi puxada pela energia elétrica, que subiu 5%. A conta de luz mais cara é reflexo da crise hídrica, que eleva os custos de geração de energia.
O economista Thiago de Moraes Moreira, professor do Ibmec/RJ e da UFRJ, também acredita que o quadro deve forçar novas revisões nas estimativas do mercado para a inflação em 2021.
Além da crise hídrica, a maior demanda por serviços, com a reabertura de empresas do setor, pode gerar impacto adicional até o final do ano, indica Moreira. Assim, é mais provável que o indicador encoste em 8%, e não em 7%, conclui o economista.
“As pessoas ficaram muito tempo isoladas, evitando idas a restaurantes ou outros tipos de serviços. Com a circulação maior, as empresas do setor, até pelas dificuldades que passaram na pandemia, podem aumentar preços”, observa.
“Hoje, existem mais fatores que podem levar a inflação para mais perto de 8% do que de 7%”, completa.
A mediana das projeções do mercado para o IPCA subiu nas últimas 20 semanas, até chegar aos 7,11% da edição mais recente do Focus. Dentro do relatório, a previsão mais alta já está acima da casa de 8%, em 8,49%. A mais baixa é de 6,35%. A pesquisa teve 133 respondentes —a estimativa de cada um não é detalhada.
Nesta quarta-feira, após a divulgação da prévia da inflação, a Ativa Investimentos subiu sua previsão para o IPCA em 2021. A projeção pulou de 7% para 7,5%.
“Nossa maior revisão foi por conta da possibilidade de reajuste da bandeira tarifária novamente”, indicou a Ativa em nota.
Por ora, a gestora de investimentos Rio Bravo estima avanço de 7,4% no IPCA de 2021, mas deve subir a previsão para perto de 8% em breve. João Leal, economista da Rio Bravo, relata que a provável revisão está associada aos riscos da crise hídrica, à pressão de serviços e aos ruídos que cercam a política fiscal.
“Temos vários fatores que jogam a inflação para cima”, define Leal.
Os dados do IPCA-15 mostram que o indicador já alcançou dois dígitos em quatro capitais e regiões metropolitanas. A maior alta em 12 meses até agosto foi em Curitiba: 11,43%.
Em seguida, vieram Fortaleza (11,37%), Goiânia (10,67%) e Porto Alegre (10,37%).
Na segunda-feira, o ministro Paulo Guedes (Economia) disse que não há descontrole da inflação no país. “Não há descontrole. A inflação está subindo no mundo inteiro”, afirmou.
Já nesta quarta, Guedes relatou que, por causa do aumento dos precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça) e da alta da inflação, poderá ser forçado a descumprir o teto de gastos em 2022.
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