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Livro propõe abandonar dogma da austeridade e derrubar teto de gastos

Economistas heterodoxos dizem que demandas da sociedade deveriam moldar o Orçamento, em vez de direitos se ajustarem à política fiscal

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São Paulo

A política fiscal deve ter como objetivo garantir o atendimento das demandas sociais, e não perseguir exclusivamente um déficit orçamentário zero. Essa é uma das ideias centrais do livro "Economia Pós-Pandemia: Desmontando os Mitos da Austeridade Fiscal e Construindo um Novo Paradigma Econômico", lançado em 2020.

A publicação traz uma visão heterodoxa sobre o debate fiscal brasileiro, segundo os próprios organizadores do trabalho, os economistas Ana Luiza Matos de Oliveira, professora visitante da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ex-secretária de Orçamento no governo Dilma Rousseff.

Para os organizadores, o equilíbrio orçamentário se tornou uma finalidade em si, o que faz com que os direitos sociais tenham de se adequar às regras fiscais. Para eles, essa relação deve ser invertida: a política fiscal deve ser pensada de "baixo para cima".

"Se a finalidade da política fiscal é promover o bem-estar social, é garantir direitos, então a responsabilidade fiscal deve levar isso em conta", dizem os organizadores na introdução do livro.

"A finalidade fundamental da política fiscal deve ser a garantia dos direitos sociais e do bem-estar da população. É a garantia desses direitos que deve pautar o Orçamento, e não o Orçamento que deve condicionar a garantia dos direitos."

Capa livro Economia Pós-Pandemia
Capa do livro Economia Pós-Pandemia: Desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico - Divulgação

Em relação ao avanço da dívida pública para o patamar recorde próximo a 90% do PIB (Produto Interno Bruto), eles defendem que o crescimento econômico, e não o corte de gastos, é o fator essencial para que essa trajetória de crescimento da dívida seja estabilizada.

"Propõe-se abandonar os dogmas da austeridade fiscal, as crenças de que o desenvolvimento será resultado natural do recuo das fronteiras do Estado e da eficiência do mercado e construir um novo paradigma de política fiscal e de desenvolvimento econômico, social e ambiental para o Brasil", dizem.

"O crescimento econômico é essencial para que a trajetória da dívida pública em relação ao PIB seja estabilizada."

Para os organizadores, o debate econômico brasileiro tem sido dominado por dogmas e por um "terrorismo fiscal".

A publicação fala ainda que é necessário derrubar o teto de gastos da Constituição e trata da reforma administrativa no capítulo "Desmascarando fake news sobre o emprego público no Brasil".

"Este livro busca desmontar esses argumentos e mostrar como a agenda da austeridade fiscal é anacrônica do ponto de vista macroeconômico e cruel do ponto de vista social", dizem.

O livro é divido em 20 capítulos, escritos por cerca de 30 autores, individualmente ou em conjunto.

A Folha conversou com os organizadores Ana Luiza Matos de Oliveira e Pedro Rossi.

'Corta gastos para tentar reduzir a dívida é tiro no pé'

Entrevista: Ana Luiza Matos de Oliveira

O objetivo do livro é questionar essa ideia da austeridade fiscal, que está interditando o debate. É um novo produto de um processo de debate com entidades, com economistas e não economistas, que a gente está fazendo desde 2015 [início do segundo mandato de Dilma, quando foi apresentado um plano de ajuste fiscal].

A gente costuma falar que não existe espaço para outro tipo de visão, e a gente mostra que diversos dogmas que estão amparando o debate público não se sustentam na experiência histórica.

Uma coisa que a gente fala bastante no livro, desde o primeiro capítulo, é essa ideia de que, em vez de olhar qual o Orçamento que a gente tem e o que cabe dentro do Orçamento, pensar em qual país a gente quer e, a partir disso, como a gente financia. É um pouco inverter essa lógica.

Dívida pública

A gente tem batido bastante na tecla de que essa política que a gente vem adotando, principalmente desde 2015, é como se fosse um tiro no pé. A gente está cortando cada vez mais os gastos do setor público e cortando muitos gastos com multiplicador muito alto, ou seja, que teriam capacidade de gerar atividade econômica e arrecadação.

Você corta gastos para tentar reduzir a dívida, mas a dívida e o déficit vão aumentando, porque a nossa receita também está caindo.

Teto de gastos

A ideia é focar projetos e propostas que façam o Brasil voltar a crescer. Para fazer isso, precisa de outro arcabouço fiscal. Com a emenda 95 [teto de gastos], isso não é possível.

Gasto social

Uma das coisas que a gente coloca como central é essa questão da importância do gasto social na redução das desigualdades.

A gente teve várias reformas no Brasil nos últimos anos e estamos voltados agora para uma possível reforma administrativa. No livro a gente mostra que o gasto social beneficia muito mais as camadas mais pobres, principalmente saúde e educação.

Eu assino o capítulo sobre gênero e o capítulo final, que é mais propositivo.

A gente tem alguns dados sobre Orçamento mostrando como algumas políticas que foram muito importantes para combate à violência de gênero e autonomia das mulheres perderam 80% dos recursos de 2015 para cá.

'Política fiscal é um instrumento, não uma finalidade'

Entrevista: Pedro Rossi

A gente trouxe para o livro uma visão diferente de política fiscal, uma visão orientada por direitos. Os direitos sociais, os direitos humanos deveriam ser uma finalidade da política fiscal. É uma visão heterodoxa sobre o debate fiscal.

É uma forma que inverte a hierarquia que está no debate público hoje. A hierarquia que está na emenda constitucional 95 [teto de gastos], por exemplo, é que você define por cima o limite e, por baixo, tem de ajustar tudo. São os direitos se ajustando ao teto, ao Orçamento.

Do ponto de vista da Constituição, e a gente não está inventando nada, é o contrário. A política fiscal é um instrumento, um meio, não uma finalidade. O teto não deveria constranger a realização de direitos. As demandas da sociedade deveriam moldar o Orçamento.

Responsabilidade fiscal

A responsabilidade fiscal não pode ser exclusivamente uma política de perseguir um deficit orçamentário zero, o equilíbrio orçamentário. Se a finalidade da política fiscal é promover o bem-estar social, é garantir direitos, então a responsabilidade fiscal deve levar isso em conta. Os direitos deveriam condicionar a política fiscal, inclusive o direto ao trabalho. A política fiscal deveria perseguir o pleno emprego.

Gasto público

Nós desmontamos a ideia de que o crescimento do gasto público é o grande problema brasileiro. O gasto público não é o grande responsável pelo aumento da dívida. O período em que a dívida mais aumenta é justamente aquele em que o crescimento do gasto é mais baixo.

A gente não crava uma regra fiscal específica, porque a gente acha que isso tem de ser construído de baixo para cima. Ou seja, quais as necessidades nos campos sociais e, a partir disso, essa necessidade de financiamento se materializa em uma regra fiscal.

Insolvência

Não existe a ideia de que estamos à beira da insolvência. Isso a gente aponta como terrorismo fiscal. Não pode pensar em um país à beira da insolvência com a menor taxa de juros da história. Não tem problema financiar recuperação com dívida. Nossa ideia é ver o crescimento da dívida não como problema a ser atacado em si, mas como algo que vai ser estabilizado pelo crescimento.

A gente vive em um mundo de juros que devem continuar baixos por um longo tempo. Com isso, o custo da dívida é baixo. Isso implica que a gente precisa de um crescimento que não é tão alto para estabilizar a dívida pública. Ela será estabilizada com a retomada do crescimento e do emprego. Cortar gastos para gerar redução da dívida pode ser contraproducente.


“Economia Pós-Pandemia: Desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico”

Editora: Autonomia Literária

Organizadores: Esther Dweck, Pedro Rossi e Ana Luiza Matos de Oliveira

Preço: R$ 50,00 (impresso). Versão digital gratuita para download em PDF ou formatos de e-books.

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