O pacotaço de reformas lançado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) para flexibilizar o Orçamento e reduzir despesas completou um ano desde o envio ao Congresso e continua sem aprovação e em meio a uma série de indefinições.
Mesmo consideradas prioritárias, as três PECs (propostas de emenda à Constituição) do chamado Plano Mais Brasil foram anunciadas em 5 de novembro de 2019 e seguem com tramitação prejudicada por problemas de articulação política do governo, pela pandemia, por interesses eleitorais e incertezas sobre um novo programa social.
As propostas de Guedes reduziriam despesas ao acionar medidas como a suspensão do reajuste de despesas obrigatórias, a proibição de concursos públicos e aumentos no funcionalismo e a possibilidade de cortar em até 25% jornada e salário de servidores.
As medidas valeriam por pelo menos um ano, podendo ser renovadas até o reequilíbrio das contas públicas.
Sem a aprovação, o plano de Guedes de reduzir despesas e até abrir espaço para um novo programa social foi adiado. Com isso, aumentaram incertezas de investidores sobre o rumo das contas públicas.
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) foi relator de uma das PECs do pacote, a Emergencial. Ele enumera diferentes motivos para a demora, mas ressalta as falhas na articulação política e as distrações do governo com crises internas.
"É um governo de uma crise atrás da outra, nada anda. Tem uma neurose que o paralisa", afirma o senador.
A própria ala política do governo dá sinais trocados. Segundo Oriovisto, o próprio governo pediu para segurar os trabalhos.
"Eu queria aprovar, mas parou tudo. Diziam para aguardar. E ninguém deu orientação mais por causa da pandemia", afirmou.
Mais recentemente, uma mudança de estratégia removeu Oriovisto da relatoria da PEC. Ele tinha o relatório pronto para apresentação, mas foi convencido pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da CCJ, a desistir dos trabalhos.
O novo plano do governo passou a ser juntar as PECs Emergencial e do Pacto Federativo para diminuir as dificuldades e os desgastes de aprovação. Isso invertia a estratégia elaborada em 2019 que dividiu as propostas em três e em diferentes partidos (plano cujo objetivo era justamente facilitar o avanço).
O senador Márcio Bittar (MDB-AC) herdou a relatoria da PEC Emergencial, acumulando a mesma tarefa com o Pacto Federativo. Até agora, no entanto, o relatório de nenhuma das peças foi apresentado.
Bittar, que tem defendido a agenda de reformas, tem passado boa parte das últimas semanas em campanha eleitoral no Acre. Mas diz já ter o relatório do Pacto pronto há meses.
"Se dependesse de mim, já tínhamos votado. Mas a democracia é isso. Teve a pandemia e, além disso, há a velocidade das pessoas e do Congresso", afirmou Bittar.
No caso da PEC Emergencial, o complicador é o programa Renda Cidadã, que entrará no texto (mesmo que de forma genérica). "Ela tem que sinalizar para a austeridade fiscal. Porque vai ser um gasto a mais, então tem que ir dentro de uma agenda de combate ao tamanho do Estado", disse Bittar.
O formato final da PEC e a forma de financiar o programa, no entanto, ainda não reuniram consenso entre as lideranças. "A eleição contaminou [o debate] e eu, sozinho, não sou ninguém. O consenso vai ter que ser construído depois da eleição", afirmou Bittar.
Outra PEC do pacotaço é a que extingue fundos públicos. Aprovada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, nem sequer foi pautada no plenário da Casa.
"O governo é muito desorganizado. Há dois meses disseram que iram destravar essa votação, mas até agora isso não aconteceu", disse o relator do texto, o senador Otto Alencar (PSD-BA).
As eleições municipais são uma questão-chave para a demora na tramitação porque os textos têm potencial para causar desgaste político.
O congelamento de reajuste de aposentadorias, por exemplo, era um dos pontos que a equipe econômica queria inserir nas propostas. Mas a medida já foi descartada publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro, que ameaçou com "cartão vermelho" subordinados que sugerissem medidas do tipo.
Outros pontos sensíveis são o congelamento no reajuste de diferentes despesas obrigatórias, a redução de salário de servidores (que encontra resistência do funcionalismo) e as mudanças nos pisos mínimos de recursos para saúde e educação.
O próprio governo, na visão dos congressistas, não quer mexer com esses temas antes das eleições.
As brigas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também atrapalham. Isso porque a disputa entre Maia e aliados do governo pelo comando da Câmara mina as chances de um alinhamento sobre os textos entre Executivo e Legislativo.
Em meio ao imbróglio, membros dos dois Poderes trocam cobranças. Na sexta-feira (6), Maia demandou que o governo não transfira para o Congresso o ônus de medidas impopulares.
"Não são poucas as agendas que geram desgastes. O Parlamento e o governo têm que assumir as suas responsabilidades. Claro que o governo tem que assumir junto. Não adianta o governo pensar que vai transferir parte das responsabilidades para o Parlamento", afirmou Maia.
Enquanto isso, Guedes aponta o dedo ao Congresso.
"Eu quero saber de onde vem o dinheiro. Esse mesmo Congresso que vai aprovar o Fundeb e que vai aprovar a desoneração, vai entregar a desindexação, a desvinculação e a desobrigação dos gastos, ou não?", questionou o ministro em audiência recentemente.
"Vai deixar o dinheiro todo carimbado e vai empurrar essa conta para as futuras gerações? Essa resposta quem tem é só o Congresso", afirmou Guedes.
Nos bastidores, a equipe econômica diz que, passada a pandemia, e com a mudança de eixo político do governo (na prática, a associação ao centrão), deve haver retomada das reformas.
O novo desenho, com o deputado Ricardo Barros (PP-PR) na liderança da Câmara, foi colocado em prática há menos de três meses. Ele é considerado um "faixa-preta" na articulação, embora membros da própria articulação ainda mostrem ceticismo ao analisar o novo formato.
Outra justificativa para o atraso das PECs foi a própria pandemia e a consequente paralisação dos trabalhos de comissões. A situação, no entanto, não barrou outros trabalhos.
Exemplo disso foi observado no mês passado, quando houve um esforço concentrado nas comissões para aprovar 23 nomes indicados pela Presidência para oito agências reguladoras.
Também foram votadas as indicações de Kassio Nunes Marques para o cargo de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e de Jorge Oliveira para o TCU (Tribunal de Contas da União).
O pacotaço formulado por Guedes
PEC do Pacto Federativo
- Relator: Senador Marcio Bittar (MDB-AC)
- Status: Aguardando relatório
Seria criado o estado de emergência fiscal, para controlar despesas. No caso da União, a situação seria acionada quando o Congresso autorizar o desenquadramento da regra de ouro, regra que impede endividamento para despesas correntes (aval dado todo ano desde 2019).
Seria proibido nesse caso reajustar despesas obrigatórias, promover servidor (com exceções), dar reajuste, criar cargo, reestruturar carreira, fazer concurso, criar verbas indenizatórias, suspender a criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários e permitir redução de 25% da jornada do servidor com adequação dos vencimentos.
Pela PEC, município com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria menor que 10% da receita total seria incorporado pelo município vizinho.
PEC Emergencial
- Relator: Senador Marcio Bittar (MDB-AC). Antes, senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR)
- Status: Aguardando relatório
Versão reduzida do Pacto Federativo, prevê diversas medidas coincidentes em caso de emergência, como não poder promover servidor (com exceções), dar reajuste, criar cargo, reestruturar carreira, fazer concurso, criar verbas indenizatórias, suspender a criação de despesas obrigatórias e de benefícios tributários e permitir redução de 25% da jornada do servidor com adequação dos vencimentos.
Uma diferença entre as propostas estava no tempo em que vigor das medidas temporárias. No Pacto, as medidas são automáticas por 1 ano e renováveis até o equilíbrio das contas públicas. Já na Emergencial, as medidas seria autom áticas por 2 anos
As medidas do Pacto são acionadas para a União após o Congresso autorizar desenquadramento da regra de ouro, enquanto na Emergencial ocorreriam quando as operações de crédito superarem as despesas de capital em um ano.
PEC dos Fundos
- Relator: Senador Otto Alencar (PSD/BA)
- Status: Pronto para deliberação no Plenário do Senado
Fim de 248 fundos públicos.
Dinheiro parado (quase R$ 220 bilhões) seria usado para administração da dívida pública.
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