O Ministério da Economia perdeu recentemente dois membros de alto escalão para bancos privados, em mais uma rodada da chamada "porta giratória" do governo.
O fenômeno ocorre quando membros do governo passam a trabalhar para empresas em área análoga à anterior, o que gera riscos, na visão de especialistas em administração pública.
O caso mais recente é de Caio Megale, ex-assessor especial do ministro Paulo Guedes (Economia) e ex-diretor de programa da pasta. Ele pediu demissão em julho, foi dispensado de cumprir quarentena e, há cerca de uma semana, foi anunciado como novo economista-chefe da XP Investimentos.
O exemplo de Megale não é o único. O ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida pediu demissão em junho e será o novo sócio e economista-chefe do BTG. Nesse caso, ele cumpre um período de quarentena e só passará a trabalhar para o banco em janeiro de 2021.
Há inúmeros outros exemplos de membros da equipe econômica atualmente na iniciativa privada, principalmente em bancos. Eduardo Guardia, que foi ministro da Fazenda no governo de Michel Temer, é sócio do BTG Pactual e responsável pela área de gestão de ativos do banco.
Ana Paula Vescovi (ex-secretária do Tesouro) é hoje economista-chefe do Santander Brasil. Ilan Goldfajn (ex-presidente do Banco Central) é presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil.
Para especialistas, o movimento gera atenção. André Luiz Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, afirma que o profissional demissionário do setor público carrega consigo um arcabouço de informações, inclusive estratégicas, que podem ser usadas pela empresa privada.
"Quando a gente fala de setor público, há uma série de decisões que afetam pessoas e segmentos, então claro que há um nível de sensibilidade nas informações."
A porta giratória da Economia
Equipe de Paulo Guedes
Caio Megale
Cargo anterior: assessor especial do Ministério da Economia
Será economista-chefe da XP Investimentos
Mansueto Almeida
Cargo anterior: secretário do Tesouro Nacional
Será sócio e economista-chefe do BTG Pactual
Equipe econômica anterior
Eduardo Guardia
Cargo anterior: ministro da Fazenda
Cargo atual: sócio do BTG Pactual e responsável pela área de gestão de ativos do banco
Ilan Goldfajn
Cargo anterior: presidente do BC
Cargo atual: presidente do conselho do Credit Suisse no Brasil
Ana Paula Vescovi
Cargos anteriores: secretária do Tesouro Nacional e secretária-executiva do Ministério da Fazenda
Cargo atual: economista do Santander
"Por exemplo, eu estou no governo e sei que está em estudo a alteração em um imposto, ou a flexibilização de alguma regra. Se tenho essa informação, posso operar com ela."
"Por mais que você blinde para que a pessoa não leve documentos, por exemplo, não dá para arrancar o cérebro dela. O setor público tem que tomar esse cuidado", afirma.
Ele diz que a exigência da quarentena pode mitigar esse risco, mas que a aplicação dessa regra varia de caso a caso. Em algumas situações, seis meses de resguardo pode ser um período curto demais, mas em outras pode ser excessivo.
Por isso, Marques diz que a dispensa antecipada da quarentena pode elevar os riscos, mas não necessariamente é prejudicial ao setor público se passar por uma análise bem fundamentada. "Se tiver rigor, não vejo como tão prejudicial."
Ele também diz que a troca pode ser benéfica ao oxigenar os gestores do setor público com métodos da iniciativa privada. Mas, mesmo assim, considera que o tema deve ser discutido. "A gente tem que se resguardar para tudo, porque sempre tem vários exemplos desse tipo de subterfúgio."
Wesley Mendes da Silva, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas), estuda a composição de conselhos de empresas e diz ser comum a presença de ex-membros do governo nessas cadeiras.
"Há, sim, uma preocupação em trazer pessoas que têm algum tipo de trânsito no governo", diz. "Empresas e governos deveriam ter um distanciamento, serem desvinculados, o que não se verifica no Brasil".
Para o pesquisador, a disputa no setor privado por profis- sionais que já integraram a máquina pública existe porque as empresas brasileiras são mais dependentes do governo do que em outros países.
"Ou ela faz isso ou ela morre. Um banco, por exemplo, trazer uma pessoa que foi do Ministério da Economia é uma forma de sobrevivência", aponta. "[Mas] é uma certa promiscuidade nas relações, algo muito ruim que traz ineficiências e ruídos."
O professo diz que esse tipo de estratégia pode representar um tipo de lobby, que é reconhecido nos EUA, mas não tem regulamentação no Brasil. Segundo ele, essas relações trazem riscos para o governo e não são garantia de sucesso para o mundo corporativo.
"É arriscado para as empresas depender de contato com o governo. As circunstâncias mudam no governo, e os planos da empresa podem dar errado. Essa relação de dependência é muito nociva", afirma.
Para Silva, mecanismos existentes hoje para mitigar riscos, como a quarentena, são apenas paliativos e não eliminam o problema, que só seria resolvido com uma mudança cultural no país.
A lei exige que a Comissão de Ética Pública do governo deve ser ouvida sobre a necessidade de cumprimento de quarentena de ex-ocupantes de cargos de ministro de Estado e de natureza especial, além de presidente, vice-presidente e diretor de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista e ainda de cargos de comissão superior.
Toda autoridade que estiver deixando um desses cargos e que pretenda exercer atividade privada deve formular a consulta. Caso não seja dispensada, deverá permanecer em quarentena de seis meses (período em que continuam recebendo salários).
Empresas afirmam que obedecem a legislação em vigor
Procurado, o BTG Pactual afirma que está sempre em busca dos melhores profissionais para integrar a instituição, independentemente de sua atuação prévia ter sido na iniciativa pública ou privada e que, ao contratar ex-servidores, obedece à legislação.
"Mansueto Almeida cumprirá integralmente seu período de quarentena sem nenhum vínculo com o BTG Pactual e só passará a atuar como economista-chefe global a partir de 18 de janeiro de 2021", afirma o banco, em nota.
Já a XP informou que "segue rigorosamente a legislação prevista para a contratação de ex-servidores públicos".
Megale e Mansueto foram procurados e não quiseram se manifestar.
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