Controle de mortes é determinante para retomada do consumo, diz Itaú

Poupança em municípios com mais mortes pode impulsionar atividade se número de casos cair, compensando redução esperada do auxílio emergencial

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São Paulo

Com a redução e posterior término do auxílio emergencial, esperados para os próximos meses, o controle das mortes pela Covid-19 deverá ser o fator determinante na retomada do consumo, segundo estudo do Itaú divulgado em primeira mão à Folha.

Conforme levantamento do banco com base em gastos presenciais com cartão de crédito, municípios com menor repasses governamentais e menor mortalidade estão tendo recuperação mais forte do consumo do que aqueles com mais repasses e mais mortalidade.

Além disso, os municípios com mais mortes pelo coronavírus estão com maior nível de poupança. Isso sugere que, se a mortalidade nesses locais for controlada, o aumento de gastos a partir dos recursos guardados pela população pode impulsionar a atividade à frente, ajudando a compensar a redução das transferências governamentais.

“Os resultados evidenciam que a recuperação da economia e controle da pandemia são indissociáveis”, afirma a equipe do Itaú, em relatório.

O Índice Itaú de Atividade – Consumo por Região (IDAT-CR), lançado nesta semana pelo banco, mostra com base em dados colhidos diariamente de 13 março a 28 de agosto que a recuperação da atividade econômica tem sido distinta entre as regiões.

“Enquanto o setor de bens de consumo já atingiu níveis pré-pandemia no Nordeste, o consumo nas outras regiões não se recuperou, sendo o Sudeste a região com o pior desempenho”, observam os economistas.

Já em serviços, atividades que dependem mais da redução do isolamento social, nenhuma região retomou o nível anterior ao agravamento da crise, mas também aqui Nordeste e Norte têm desempenho melhor do que as demais regiões.

Segundo os economistas do Itaú, dois fatores explicam essa dinâmica: no Nordeste e no Norte, novas mortes estão em queda e em menor patamar que nas demais partes do país. Além disso, os municípios das duas regiões tiveram maior repasse do auxílio emergencial como proporção do PIB (Produto Interno Bruto).

O auxílio emergencial teve sua primeira parcela distribuída em abril, com valor de R$ 600, que podia chegar a R$ 1.200 para mães solteiras, e previsão inicial de durar três meses. Foi estendido com o mesmo valor por mais dois meses, até agosto, e agora deve ir até dezembro com valor reduzido a R$ 300.

Numa análise ainda mais detalhada, em nível municipal, os economistas separaram municípios com maior e menor repasse do auxílio, e dentro de cada um desses subgrupos, aqueles com maior e menor mortalidade.

Como seria esperado, as cidades com maior repasse da ajuda emergencial e menor mortalidade têm a recuperação mais forte.

Mas o que mais chama a atenção é que o consumo de municípios com menor repasse e menor mortalidade está acima daqueles com maior repasse e maior número de mortes.

“Muita gente fala que é só o auxílio emergencial e que a hora que ele acabar, o consumo cai. Não é só isso. O que mostramos no estudo é que a retomada do consumo está relacionada também à dinâmica do vírus”, diz Júlia Gottlieb, economista do Itaú.

“Quando o vírus está muito forte, há tanto o medo das pessoas de sair para consumir, como restrições dos governos ao funcionamento de serviços que requerem aglomeração, caso de bares, restaurantes, salões de beleza, cinemas”, observa Luka Barbosa, também economista do banco. “Tínhamos uma intuição de que, à medida que o vírus fosse desacelerando, haveria efeito na atividade. Os dados corroboram essa percepção.”

A analista Claudia Bruschi destaca outro ponto que leva a equipe a avaliar que a dinâmica da pandemia será o fator mais relevante na retomada da atividade à frente: os municípios que mais receberam repasses como proporção de seus PIBs e que apresentam recuperação mais forte até agora têm pequena participação na economia nacional.

Isso também ajuda a explicar porque essas cidades estão com o nível de consumo quase 50% acima do período pré-pandemia. São municípios em geral de menor renda, onde o consumo caiu menos mesmo antes da distribuição do auxílio, porque os rendimentos de seus habitantes são mais comprometidos com o gasto com itens essenciais, como alimentos.

Por fim, os economistas analisaram a dinâmica das aplicações em caderneta de poupança nas cidades com mais e menos mortes pela Covid-19.

Dados até maio mostram que municípios com maior número de mortes acumuladas por habitantes tinham então nível da caderneta de poupança 12% maior do que em março, e os municípios com menos mortes, apenas 7% acima.

Barbosa destaca que, no país como um todo, a poupança das famílias deve chegar a 19% da renda em 2020. O patamar é bastante fora da curva, já que entre 2010 e 2018, esse percentual costumava rodar em torno de 10% a 12%, tendo subido para 13,5% em 2019.

“Uma parte dessa poupança é precaucional, as pessoas poupam porque o desemprego subiu e a situação econômica está pior”, diz o economista.

“Mas o principal motivo pelo qual essa poupança subiu é por causa do vírus, com as pessoas gastando menos devido ao isolamento social, tanto entre os de classe baixa que receberam o auxílio, quanto entre os de classe alta”, avalia, destacando que o menor gasto tem afetado principalmente o consumo de serviços.

Assim, à medida que o vírus desacelerar, o Itaú estima que a poupança deve cair, para cerca de 14% da renda em 2021. Com isso, o banco projeta alta de 3,7% do consumo no próximo ano, após queda de 6% em 2020.

“Em 2021, teremos um efeito que contribui negativamente para a retomada do consumo que é a redução das transferências de renda para a população”, diz Barbosa.

Ele avalia que, mesmo que o Bolsa Família seja expandido com a criação do Renda Brasil, os patamares de transferência serão menores do que os atuais, já que o nível de 7% do PIB ao ano do auxílio é considerado insustentável do ponto de vista fiscal.

“Mas há outros dois vetores positivos: queda da poupança, devido à esperada desaceleração do vírus, e a recuperação do mercado de trabalho. Considerando esses três fatores, avaliamos que o resultado líquido para o consumo no próximo ano deve ser positivo.”

Apesar do crescimento projetado para 2021, Barbosa avalia que tanto o PIB brasileiro, como o consumo, só devem retomar o nível pré-pandemia na metade de 2022.

“A dinâmica das transferências importa, o auxílio emergencial importa, mas não é só isso: a dinâmica do vírus é importante. Em municípios com mortalidade menor, o consumo vem voltando mais. Por isso, à medida em que a epidemia for controlada, é que haverá uma queda da taxa de poupança, dando impulso à atividade”, conclui Julia.

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