Há um ar de triunfalismo na afirmação de Vladimir Putin —em entrevista ao Financial Times— de que o liberalismo está obsoleto.
Desde que retornou à Presidência da Rússia em 2012, Putin tentou minar a ordem liberal ocidental. No entanto, seu grito de vitória é vazio. A democracia liberal, baseada no mercado, continua sendo o princípio organizador na maioria dos países não petroleiros com os mais altos padrões de vida --e vital para o dinamismo que gerou sua prosperidade.
A declaração de Putin é um sinal, entretanto, de que os políticos ocidentais devem intensificar esforços para defender os valores liberais contra o desafio dos populistas nacionalistas.
Esse desafio é real. O domínio global dos Estados Unidos e da União Europeia após a Guerra Fria e o sistema que eles representam acabaram. O desafio também vem parcialmente de dentro. Os comentários de Putin coincidem com os dos nacionalistas europeus do leste e do oeste, como Marine Le Pen, Viktor Orban e Matteo Salvini; ou de Steve Bannon, ex-conselheiro do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump —e do próprio Trump.
De fato, com suas tarifas e seu desprezo pelo multilateralismo, o presidente dos Estados Unidos é, sem dúvida, uma ameaça maior à coesão liberal ocidental do que seu homólogo russo.
O triunfalismo de Putin é deslocado. Nem todo o liberalismo está ameaçado. A superioridade da iniciativa privada e dos livres mercados —pelo menos dentro de nações individuais— na criação de riqueza não é mais seriamente contestada.
O que está em risco são fronteiras abertas e valores como tolerância social, direitos individuais, democracia e Estado de direito. A fusão mais bem-sucedida de uma economia de mercado com um sistema político não liberal não é a Rússia, mas a China.
O histórico recente do sistema de Putin é fraco. Graças ao fracasso em se diversificar além dos recursos naturais, juntamente com as sanções ocidentais impostas pela intervenção militar russa na Ucrânia, o crescimento anual desde que Putin retornou ao Kremlin foi, em média, de apenas 1,1%.
A renda familiar real caiu por cinco anos seguidos. Uma desconfortável pesquisa anual na TV, via telefone, na semana passada, mostrou que o presidente russo está achando mais difícil conter o descontentamento popular. Poucos líderes estrangeiros apontam a Rússia como modelo.
Embora os Estados Unidos não sejam mais a "cidade brilhante sobre a colina" que um dia pareceram, os pobres e oprimidos do mundo ainda se dirigem esmagadoramente para os EUA e a Europa ocidental —não apenas porque são ricos, mas porque também são vistos como refúgios de liberdade. A Rússia não é um ímã nem para os pobres, nem para os ricos, nem para os investimentos estrangeiros recentes.
Claramente, porém, há um desencanto pelo liberalismo entre os eleitores ocidentais. A crise financeira prejudicou a fé no sistema econômico e nas elites políticas e empresariais. Catalisou a sensação de que muitos perderam a globalização e a imigração. A resposta dos populistas —derrubar barreiras— é equivocada. As guerras comerciais tendem a se transformar em reais. Para reverter o populismo, os principais partidos devem levar a sério as queixas dos eleitores e encontrar formas inovadoras de abordá-las.
Os governos ocidentais devem garantir que as empresas ricas e multinacionais sejam taxadas de forma justa e reduzam o pagamento excessivo dos executivos. Eles precisam investir em serviços e infraestrutura e em educar a força de trabalho para lidar com um mundo de robôs e inteligência artificial.
Eles também devem aceitar que são imensamente mais fortes e influentes quando agrupam a soberania em instituições baseadas em regras e valores. O Brexit, assim como o isolacionismo de Trump, é um recuo preocupante.
As tarefas não são triviais nem fáceis. Tampouco são impossíveis. Renovar e revitalizar o liberalismo é a melhor maneira de expor a aridez da visão de mundo de Putin e sua turma.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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