Lélia Gonzalez (1935-1994), uma das mais celebradas intelectuais negras brasileiras do século 20, publicou dois livros em vida.
O mais conhecido deles, "Lugar de Negro", saiu em 1982, em coautoria com o sociólogo argentino Carlos Hasenbalg. Já "Festas Populares do Brasil" foi lançado cinco anos depois. A obra teve patrocínio da Coca-Cola, e seus 3.000 exemplares foram distribuídos pela empresa como presente de fim de ano.
Em razão disso, o livro sempre teve uma circulação muito restrita —até agora, quando chega ao mercado em uma edição da Boitempo com materiais inéditos e textos de apoio.
Neste episódio, o Ilustríssima Conversa recebe Raquel Barreto, curadora-chefe do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, pesquisadora do pensamento de Lélia Gonzalez e autora do prefácio de "Festas Populares do Brasil".
Barreto também é uma das curadoras de "Lélia em Nós: Festas Populares e Amefricanidade", exposição inspirada no livro que entra em cartaz no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, na quinta-feira (27).
A convidada discute como Lélia interpretou no trabalho a formação da cultura brasileira, partindo da ideia de que os africanos trazidos para o Brasil precisaram encontrar formas para recriar suas práticas culturais nos interstícios da brutalidade da escravidão.
O que a Lélia está mostrando é uma inteligência dos escravizados, que entenderam que, naquelas celebrações, era possível reelaborar aspectos da sua cultura originária. Isso é muito forte naquele contexto opressivo. Manter sua cultura é manter um traço de humanidade. No debate historiográfico e sociológico desse momento [anos 1970 e 80], há a ideia do escravo-coisa, escravo-objeto. Se você tem cultura, você não é uma mercadoria. Você é um sujeito, um sujeito de conhecimento capaz de passar a outros que não da sua comunidade seus valores, como é o caso de inúmeros aspectos da cultura brasileira
Barreto também falou sobre o papel das imagens na obra. O volume têm registros extraordinários do bumba meu boi de São Luís, das cavalhadas de Pirenópolis (GO), da celebração de Iemanjá de Salvador e do Carnaval do Rio de Janeiro, entre tantas outras festas, produzidos por fotógrafos como Januário Garcia, Marcel Gautherot, Maureen Bisilliat e Walter Firmo.
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Carlos Poggio, professor de relações internacionais que analisa como o Brasil moldou a influência dos EUA na América do Sul, Luís Fernando Tófoli, psiquiatra engajado em pesquisas sobre os efeitos da ayahuasca, Pedro Arantes, que defende que a esquerda se levante do conformismo, Monica Benicio, viúva de Marielle Franco, Carlos Fico, historiador que pesquisa a ditadura e a intervenção de militares na política brasileira, Fernando Pinheiro, sociólogo que discutiu como imagens de escritores se mesclam em seus livros, Guilherme Varella, para quem o Carnaval de rua é um direito, Christian Dunker, que se contrapõe à conceituação da psicanálise como pseudociência, Rodrigo Nunes, professor de filosofia que propõe pensar a política como ecologia, Betina Anton, autora de livro sobre os anos do médico nazista Josef Mengele no Brasil, entre outros convidados.
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