Mesmo quem nasceu depois do fim da ditadura provavelmente tem na cabeça alguns dos slogans ou das canções criados pelo regime militar.
"Este é um país que vai pra frente", "Ninguém segura este país" e "Brasil: ame-o ou deixe-o" continuam ecoando quase 40 anos depois da redemocratização, o que indica que a propaganda do governo autoritário teve êxito em seus objetivos.
Para o historiador Carlos Fico, isso se deve, sobretudo, à forma como a ditadura militar mobilizou um imaginário nacional muito arraigado, que vinha se constituindo desde o período colonial: a visão otimista que concebia o Brasil, em razão das riquezas naturais ou da persistência do seu povo, como um país destinado à grandeza.
Professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do regime militar, Fico acaba de lançar uma nova edição de "Reinventando o Otimismo" (FGV Editora), livro que examina como a ditadura mobilizou os discursos otimistas sobre o Brasil para criar uma propaganda que parecia despolitizada, evitando a memória das experiências do Estado Novo e do nazifascismo.
Na entrevista, o autor afirma que as campanhas do regime encapsulavam a ideia, dominante entre os militares, de que a sociedade brasileira precisava ser tutelada pelas Forças Armadas para que o país pudesse se desenvolver.
Fico também compara a utopia de grandiosidade da ditadura, que imaginava um futuro brilhante para o Brasil, e os discursos atuais de círculos do bolsonarismo e da extrema direita, centrados na restauração dos valores de um passado visto com nostalgia.
A propaganda da ditadura e os setores que aderiam a ela se inseriam em uma visão —seja por natureza manipulatória, seja por convicção genuína— otimista de grandiosidade do Brasil, enquanto que a perspectiva dos setores conservadores de direita e de extrema direita que culminaram no governo Bolsonaro tem uma perspectiva mais de ressentimento. Esse ressentimento dos setores conservadores e de direita tem a ver com uma manipulação de valores que dizem respeito ao que nós, democratas, consideramos como avanços e que, para eles, são problemas, são ameaças —dizem respeito ao universo de valores éticos, morais e culturais que hoje em dia são pejorativamente chamados de valores identitários
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa Fernando Pinheiro, sociólogo que discutiu como imagens de escritores se mesclam em seus livros, Guilherme Varella, para quem o Carnaval de rua é um direito, Christian Dunker, que se contrapõe à conceituação da psicanálise como pseudociência, Rodrigo Nunes, professor de filosofia que propõe pensar a política como ecologia, Betina Anton, autora de livro sobre os anos do médico nazista Josef Mengele no Brasil, Marcelo Medeiros, que discutiu a concentração de renda no país, Larissa Bombardi, geógrafa que pesquisa o uso de agrotóxicos, Flavia Rios, coorganizadora de dicionário de relações étnico-raciais, Bruno Paes Manso, autor de obra sobre os valores difundidos por facções criminosas e igrejas pentecostais, Gabriela Leal, antropóloga que estuda cultura hip-hop e grafitti, entre outros convidados.
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