Por que o Brasil cresce pouco? A pergunta, inspirada no livro de mesmo nome do economista Marcos Mendes, publicado em 2014, deu o tom ao 14º debate do ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil, realizado de forma online nesta quarta (5).
"O diagnóstico que fiz nesse livro ainda é válido", disse Mendes, que é pesquisador do Insper e colunista da Folha. "Infelizmente, é válido e mais grave do que era lá atrás."
Como Mendes lembra, o país cresceu apenas 70% da época da redemocratização, na década de 1980, a 2018. No restante do mundo, a média nesse período foi de 134%.
"A gente está crescendo menos do que os países desenvolvidos, o que é um problema, já que a ideia é que países menos desenvolvidos, como nós, tenham que crescer mais rapidamente que os desenvolvidos para que possamos alcançá-los. E estamos ficando para trás em relação aos nossos vizinhos latino-americanos."
Para entender esse problema, o ciclo de diálogos, organizado pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Folha e pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA), também convidou Michael França, doutor em teoria econômica pela USP, pesquisador do Insper e também colunista do jornal.
O debate foi mediado por Alexandre Macchione Saes, professor de história econômica da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da USP.
Para França, uma das chaves para resolver esse baixo crescimento é a criação de políticas públicas que promovam mobilidade social, considerando a desigualdade que impera na sociedade brasileira.
O pesquisador elencou alguns fatores que considera pouco discutidos e que são capazes de explicitar a urgência de fomentar a mobilidade citada, centrando sua análise na dinâmica demográfica do país.
Um exemplo: pessoas mais pobres e menos escolarizadas costumam ter mais filhos do que as classes mais abastadas e com nível maior de escolarização, ainda que a taxa de fecundidade tenha caído no Brasil ao longo dos anos. "O que a gente tem na dinâmica demográfica ao longo do tempo é um fator que vai contra a acumulação de capital humano, algo que é importante para o país crescer", afirmou França.
"Ao mesmo tempo, a gente sabe que a expectativa de vida está aumentando", disse ele, lembrando que o envelhecimento da população implica mais gastos públicos. "Temos um país que está gerando uma quantidade massiva de idosos com baixa qualificação, pessoas que vão contribuir pouco lá na frente na economia, ainda mais num cenário de progresso tecnológico."
O fator demográfico, no entanto, não é o único que explica um problema complexo que se ramifica nos mais diversos aspectos da vida social. Outra chave de leitura está na própria desigualdade, capaz de produzir, segundo Mendes, Brasis paralelos dentro de um mesmo país.
"Nós sempre fomos uma sociedade muito desigual e, durante muitos anos, o Estado brasileiro foi fortemente capturado pelo topo da pirâmide social", disse Mendes. Segundo ele, não houve uma mudança de modelo de Estado a partir da redemocratização, com manutenção de subsídios que sempre beneficiaram uma elite econômica.
"Mas surgiu um fator novo: a grande massa de eleitores pobres passou a ser relevante para os políticos. Então houve um crescimento desorganizado e muito forte de políticas sociais, algumas boas e efetivas, outras nem tanto", afirmou Mendes.
"Criamos o que eu chamo de ‘sociedade que distribui para todo mundo’", o que, segundo ele, foi possível num primeiro momento graças à carga tributária baixa.
A partir do período em que essas políticas começaram a ser subsidiadas por meio do endividamento público, novos problemas surgiram. "Todas aquelas causas imediatas do baixo crescimento começaram a aparecer como consequência desse modelo. Só que alguém tem que pagar a conta."
Para Mendes, o país chegou a um ponto crítico em que o Estado não pode ser mais visto como um "solucionador", que apenas coloca mais dinheiro em determinada política.
"Enquanto um quer assistência social para garantir o mínimo de sua sobrevivência, o outro quer proteção comercial e subsídio para a sua empresa", afirmou. "Temos claramente um problema de gestão para ser resolvido. Nosso crescimento não é inclusivo. A gente cresce pouco, e o pouco que a gente cresce beneficia uma parcela muito pequena da sociedade".
O debate, que ainda passou por temas como educação, polarização política e economia ambiental, está disponível nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no YouTube. Veja abaixo.
O ciclo de diálogos Perguntas sobre o Brasil se inspira na lista organizada pelo projeto 200 anos, 200 livros, que apresenta duas centenas de obras importantes para entender o Brasil a partir da indicação de 169 intelectuais da língua portuguesa.
O evento é realizado a cada duas semanas, sempre às 16h das quartas-feiras.
As próximas conversas já têm data marcada: no dia 19 de abril, serão debatidas propostas para a Amazônia que contemplem a vida e as práticas dos povos originários; e no dia 3 de maio, será a vez de discutir a compreensão do tropicalismo, um dos principais movimentos culturais do século 20, à luz da contemporaneidade.
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