A expressão "do transe à vertigem", que dá título ao novo livro de Rodrigo Nunes, professor de filosofia da PUC-Rio, tem dois sentidos.
O primeiro faz referência às representações da derrota da esquerda em dois momentos históricos: o golpe de 1964 em "Terra em Transe", de Glauber Rocha, e o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 no documentário "Democracia em Vertigem", de Petra Costa.
No segundo sentido, "transe" sintetiza o estado de negacionismo e sofrimento psíquico que a extrema direita produz em seus seguidores, e "vertigem" aponta que as crises do presente são sintomas de problemas muito mais profundos, como os abismos sociais criados por um capitalismo excludente e o horizonte de extinção da humanidade com a aceleração do aquecimento global.
O livro, uma coletânea de ensaios escritos nos últimos três anos publicada pela Ubu, discute temas como a polarização política brasileira e o caráter empreendedor do bolsonarismo. Um dos fios condutores de Nunes é a defesa de que só posições hoje vistas como radicais ou utópicas têm chances de evitar o pior.
O realismo do que é possível fazer ignora o realismo do que é preciso fazer, ele afirma neste episódio, mas, apesar das constantes frustrações desse pragmatismo do passado, forjado em tempos de consenso neoliberal, governos continuam dobrando a aposta nas mesmas fórmulas.
A defesa dos valores tradicionais pela extrema direita nada mais é que a defesa de privilégios: "o homem tem o direito de mandar na sua mulher, o cidadão de bem tem o direito de atirar e potencialmente matar quem o ameaça". É o que está implícito na fala do nosso presidente diante do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips na Amazônia, quando ele dá a entender que os garimpeiros, os madeireiros, o tráfico de drogas etc. estão no direito deles de usar a força
Para se aprofundar
Rodrigo Nunes indica
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"Cruel Optimism", livro de Lauren Berlant publicado em 2011
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"Nas Ruínas do Neoliberalismo: a Ascensão da Política Antidemocrática no Ocidente" (2019) e "Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution" (2017), de Wendy Brown
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"Coming Up Short: Working Class Adulthood in an Age of Uncertainty", livro de Jennifer Silva publicado em 2013
- "Cuck", longa-metragem de 2019 dirigido por Rob Lambert
Eduardo Sombini indica
- "Q: No Olho da Tempestade", série documental criada por Cullen Hoback sobre o QAnon, disponível na HBO Max
- "Linguagem da Destruição: a Democracia Brasileira em Crise", livro de Heloisa Starling, Miguel Lago e Newton Bignotto. Starling e Lago participaram do Ilustríssima Conversa em abril
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O podcast entrevista, a cada duas semanas, autores de livros de não ficção e intelectuais para discutir suas obras e seus temas de pesquisa.
Já participaram do Ilustríssima Conversa André Lara Resende, crítico da teoria econômica mainstream, James Green, brasilianista autor de um clássico sobre a história da homossexualidade no Brasil, Sidarta Ribeiro, neurocientista que desenvolve pesquisas sobre a importância de sonhar, Heloisa Starling e Miguel Lago, autores de ensaios sobre a lógica de destruição do bolsonarismo, Fábio Ulhoa Coelho, professor de direito que ponderou sobre as relações entre liberdade e igualdade, Debora Diniz, acadêmica que se dedica às áreas de gênero e direitos reprodutivos, Deivison Faustino, que desenvolve pesquisas sobre a obra de Frantz Fanon, Fernando Morais, biógrafo de Lula, Sergio Miceli, sociólogo que tratou de Drummond e do modernismo, Daniela Arbex, jornalista que investigou a tragédia de Brumadinho, entre outros convidados.
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