Conhe�a o 'Schindler portugu�s' que ajudou 10 mil judeus a fugir de Hitler
Eles se reuniram na ponte, agora enferrujada e decr�pita.
Um grupinho de ex-refugiados judeus, hoje na casa dos 80 ou 90 anos, retornou no fim de junho � verde e acidentada fronteira entre a Fran�a e a Espanha, principalmente para prestar homenagem a um diplomata portugu�s quase esquecido que salvou suas vidas no in�cio da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Mas, com a Europa hoje envolta em um tipo diferente de crise de refugiados, esses ex-candidatos a asilo foram ao local tamb�m para chamar a aten��o p�blica para a necessidade urgente de a��o hoje.
Aqueles que tinham lembran�as de inf�ncia da guerra disseram ter se identificado com as recentes imagens de sofrimento de crian�as, como as do garoto Alan Kurdi, o garoto s�rio retratado morto numa praia turca em 2015.
Em depoimentos emocionados concedidos ao longo do caminho de fuga que eles trilharam tantos anos atr�s, de Bordeaux at� Hendaye e de l� para Portugal, os sobreviventes e seus filhos elogiaram seu salvador, Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), descrevendo-o como exemplo de um indiv�duo que se disp�s a defender a qualquer custo pessoas em situa��o de necessidade.
Cortesia da Funda��o Sousa Mendes |
O diplomata portugu�s Aristides de Sousa Mendes em 1940 |
Sousa Mendes, que na �poca era c�nsul portugu�s em Bordeaux, desafiou as ordens de seu governo e, no ver�o de 1940, emitiu quase 30 mil vistos de tr�nsito, dos quais cerca de um ter�o para refugiados judeus desesperados para escapar da Fran�a sob ocupa��o nazista. Ele foi punido severamente por isso, destitu�do de seu t�tulo diplom�tico. Morreu em 1954 na pobreza absoluta, sem conseguir nem sequer alimentar sua fam�lia.
"A maioria das pessoas � avessa a riscos", disse Olivia Mattis, cujo pai integrou o contingente de pessoas resgatadas em 1940. "Sousa Mendes n�o era."
Music�loga por forma��o, em 2010 Mattis criou uma funda��o dedicada � preserva��o da mem�ria do diplomata portugu�s. Hoje, a institui��o � administrada conjuntamente pelos descendentes de Sousa Mendes e pelas fam�lias das pessoas que ele salvou.
"Voc� precisa se perguntar se estaria disposto a fazer a mesma op��o", comentou Jerry Jarvik, que acompanhou sua m�e, Lissy Jarvik, que hoje tem 93 anos e recebeu um visto de tr�nsito de Sousa Mendes quando tinha 16. "Ser� que eu sacrificaria o futuro destas duas?", ele perguntou, apontando para suas duas filhas.
ANTES DA 'SOLU��O FINAL'
Historiadores do Holocausto observam que o que distinguiu Sousa Mendes de outros "her�is do Holocausto" mais conhecidos, como Oskar Schindler e Raoul Wallenberg, foi o contexto incomum que cercou suas a��es.
Sousa Mendes emitiu os vistos no ver�o de 1940, muito antes de ter podido compreender o que significaria a "solu��o final" buscada por Adolf Hitler (1889-1945).
"Ele n�o sabia que estaria salvando as pessoas do genoc�dio", explicou Edna Friedberg, historiadora do Museu Memorial do Holocausto, nos EUA. "Estava salvando pessoas de uma persegui��o. Para ele, isso j� era motiva��o bastante."
Quando a Fran�a caiu diante da Alemanha nazista, em junho de 1940, Sousa Mendes, ent�o com 54 anos, j� era um homem com problemas: ele e sua mulher tinham 12 filhos para criar com seu sal�rio governamental modesto, e sua amante, uma pianista francesa, anunciara publicamente estar gr�vida.
Mas esses contratempos cresceram exponencialmente quando a cidade burguesa de Bordeaux se descobriu na linha de frente de uma crise de refugiados em escala sem precedentes.
Quando os alem�es chegaram ao norte da Fran�a, milh�es de franceses e estrangeiros que j� haviam buscado ref�gio no pa�s antes de sua ocupa��o viajaram ao sul, em busca de seguran�a na Espanha e em Portugal, que ainda eram neutros na guerra.
Para transmitir a magnitude dessa onda de p�nico, os franceses ainda descrevem esse epis�dio como "o �xodo". O termo b�blico n�o chega a ser um exagero: em um pa�s cuja popula��o n�o passava de 40 milh�es de habitantes no ver�o de 1940, historiadores estimam que entre 6 milh�es e 10 milh�es de pessoas tenham posto o p� na estrada, buscando chegar ao sul do pa�s por todo e qualquer meio de transporte.
Muitos dos franceses acabariam por voltar para suas casas, mas os judeus e outros estrangeiros tinham plena consci�ncia de que ficar onde estavam n�o era uma op��o. A ocupa��o nazista da Fran�a significaria a imposi��o das leis de Nuremberg sobre a famosa rep�blica europeia de cidad�os com direitos iguais.
Assim, refugiados judeus e outros em pouco tempo come�aram a invadir os consulados da Espanha e de Portugal em Bordeaux, Bayonne e outras cidades costeiras, procurando desesperadamente vistos e outros documentos que lhes garantissem a possibilidade de sair da Fran�a e, eventualmente, da pr�pria Europa.
Desse modo, funcion�rios consulares obscuros como Sousa Mendes tornaram-se guardi�es cruciais da entrada em seus pa�ses, tendo o poder de decidir o destino de refugiados.
QUEBRA DE PROTOCOLO
"Sem Aristides de Sousa Mendes, eu n�o estaria aqui. � simples assim", disse Lissy Jarvik, de fam�lia holandesa judia que fugira para a Fran�a ap�s a invas�o nazista da Holanda, em maio de 1940. "Sem ele, eu teria sofrido torturas t�o dolorosas e prolongadas que a morte teria sido um al�vio bem-vindo. Sem ele, eu n�o teria conhecido tr�s quartos de um s�culo."
A maioria dos diplomatas espanh�is e portugueses dotados de qualquer autoridade deu ouvidos a seus governos, que, embora ainda fossem nominalmente neutros, buscavam evitar a entrada de refugiados que pudessem prejudic�-los aos olhos da Alemanha nazista.
Portugal n�o era exce��o: seu ditador, Ant�nio de Oliveira Salazar (1889-1970), havia emitido a famosa "Circular 14", que ordenava a diplomatas e funcion�rios consulares negar vistos a judeus, russos e outros ap�tridas. Mas Sousa Mendes n�o respeitou o protocolo.
Naquela que o historiador Yehuda Bauer descreveria como "possivelmente a maior a��o de resgate realizada por um indiv�duo isolado durante o Holocausto" –maior ainda que a famosa interven��o de Schindler–, Sousa Mendes ofereceu ajuda indiscriminada a dezenas de milhares de pessoas. Em vista das consequ�ncias profissionais e pessoais devastadoras que ele sofreria em pouco tempo, a raz�o por que ele o fez ainda � um mist�rio.
Alguns dizem que o ponto de virada para Sousa Mendes pode ter sido sua amizade com o rabino polon�s Chaim Kruger, que fugira da B�lgica para a Fran�a e que se recusou a aceitar um visto de Sousa Mendes a n�o ser que o diplomata fizesse o mesmo por outros judeus.
Em uma carta escrita a um de seus cunhados em junho de 1940, no pior momento da crise de refugiados, o c�nsul se queixou de estar sofrendo "forte colapso nervoso". Mas alguns dias mais tarde, ele parece ter decidido seguir as diretrizes que considerou que sua f� lhe impunha. "Prefiro me posicionar com Deus contra o homem do que com o homem contra Deus", disse Sousa Mendes.
SONHO AMERICANO
Enquanto ele e sua fam�lia passaram a viver na pobreza –chegando, depois da guerra, a alimentar-se num centro administrado por judeus que servia refei��es a indigentes–, muitas das pessoas que ele salvou acabaram por ter vidas de destaque nos Estados Unidos e outros pa�ses.
A grande fam�lia do galerista parisiense Paul Rosenberg, legend�rio marchand que vendeu telas de Picasso, Braque e Matisse, escapou para Nova York gra�as a 17 vistos emitidos por Sousa Mendes no ver�o daquele ano. A c�lebre galeria Rosenberg foi transferida para Manhattan, onde vers�es dela existem desde ent�o.
Ina Ginsburg, ent�o conhecida como Ida Ettinger, virou uma figura poderosa no cen�rio social de Washington durante d�cadas, colaborando com seu amigo Andy Warhol em artigos c�lebres sobre o que o artista certa vez batizou de "Hollywood � margem do Potomac". Ginsburg morreu em 2014, aos 98 anos.
Alexandra Grinkrug, que hoje tem 81 anos e recebeu um visto de Sousa Mendes aos 4, recorda-se de pouca coisa daquele ver�o no sudoeste da Fran�a, exceto pela casa que seus pais alugaram nas redondezas e pela emo��o de andar em um carro grande, algo que na �poca n�o era uma experi�ncia do dia a dia.
Embora sua fam�lia, formada por judeus russos de destaque, tenha acabado por se radicar em Los Angeles –onde seu pai, executivo de cinema que produzira o sucesso de 1938 "Hotel du Nord", faria carreira–, quando adulta Grinkrug acabaria voltando a Paris, onde hoje vive como pintora.
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Ela disse que estava seguindo o trajeto que percorreu em 1940 n�o por qualquer desejo especial de reviver a experi�ncia, mas por um misto de gratid�o e sentimento de culpa.
"Quero dizer obrigada a Sousa Mendes –e pedir que ele perdoe meus pais por nunca terem sequer sabido seu nome."
JAMES McAULEY � um rep�rter radicado em Paris.
Tradu��o de CLARA ALLAIN
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