Belo, requintado e do cantar: conhe�a o tenor gal� tido como 'novo Pavarotti'
RESUMO Em cartaz nos cinemas com "Varia��es de Casanova", em que faz uma ponta, o alem�o Jonas Kaufmann se firmou como o grande tenor de sua gera��o gra�as � capacidade de atuar e � beleza f�sica. Com uma agenda de compromissos que se estende at� 2021, ele desponta como herdeiro de Enrico Caruso e Luciano Pavarotti.
O cantor alem�o Jonas Kaufmann, 47, � tido por especialistas como o tenor mais completo da atualidade. Em dezenas de grava��es (19 �lbuns desde 2006, num repert�rio que vai de Schubert a "Carmen", de Bizet), recitais e sobretudo na �pera, destaca-se por um tra�o raro em cantores l�ricos: equilibra m�sica e representa��o.
Quando est� em a��o, ele a um s� tempo entoa uma melodia, torna compreens�veis os versos de uma �ria e se movimenta com talento de ator. Assim, tem ajudado a arte l�rica a manter a reputa��o.
Segundo o tenor, a propens�o do drama musical ao exagero e ao artificialismo aumenta o risco de inverossimilhan�a. "Ser convincente no palco � um dos maiores desafios na �pera", diz � Folha.
Nesse sentido, a �pera � muito diferente do cinema, afirma o cantor, que atua no filme "Varia��es de Casanova", em cartaz no circuito brasileiro.
"O elenco de um filme tem que seguir os padr�es f�sicos dos personagens, [sua complei��o] tem que ser realista. J� na �pera, voc� n�o espera ver uma garota de 15 anos interpretando [Madama] Butterfly ou uma de 17 como Salom�. Se o cantor � cr�vel em todos os aspectos, esquecem-se os detalhes. N�o importa [a atriz que interpreta] Butterfly ter quase 40 anos ou se [a que representa] Salom� � muito gorda para o papel", afirma Kaufmann.
H� tamb�m uma distin��o clara entre os teatros l�rico e dram�tico, na opini�o do int�rprete: a margem de manobra para a composi��o de tipos c�nicos, a liberdade que cada cantor tem para criar seu personagem. "� dif�cil inovar em uma obra [a �pera] inteiramente concebida pelo compositor e pelo libretista. Trata-se de um espa�o min�sculo, mas � nele que o ator l�rico deve se impor."
Prestemos aten��o na express�o que ele adota, "ator l�rico". Foi como tal –dosando �ria e �rea, som e mat�ria, exibi��o vocal e atua��o em um espa�o f�sico restrito– que Kaufmann se tornou famoso nos mais prestigiosos palcos de �pera do mundo: Festspielhaus (Salzburgo e Bayreuth), Covent Garden (Londres), La Scala (Mil�o) e Metropolitan (Nova York).
Ao longo de 23 anos de carreira, trabalhou com diretores de teatro como Giorgio Strehler (1921-1997), no Piccolo Teatro di Milano –em sua estreia internacional, no "Cos� fan tutte" de Mozart, em 1998–, e com maestros do porte de Antonio Pappano e Claudio Abbado (1933-2014).
NOVO PAVAROTTI
O tenor mostrou uma parcela de seus dotes � plateia brasileira em agosto de 2016, quando realizou um recital na Sala S�o Paulo.
Apesar de n�o ter aportado nos tr�picos � frente de uma �pera (de n�o ter atuado, portanto), seus predicados dram�ticos n�o passaram despercebidos.
"Kaufmann uniu o refinamento extremo de um cantor de 'lied' [poema cantado] � intensidade c�nica de um astro da �pera", afirma o cr�tico Irineu Franco Perp�tuo. "Combinando carisma, sex appeal e ineg�veis qualidades c�nicas e vocais, Kaufmann talvez seja o grande tenor da atualidade –no sentido em que foram, nos anos 1990, Jos� Carreras, Pl�cido Domingo e Luciano Pavarotti (1935-2007)."
O alem�o desloca do centro das aten��es o tenorismo exibicionista, a ostenta��o vocal virtuos�stica, para que a audi�ncia acredite que �pera pode ser teatro. Com isso, restaura o papel dos tenores na evolu��o musical, que ainda lhes d� prest�gio maior que o de outros naipes vocais.
Jonas Kaufmann - Parla pi� piano
Tenores s�o capazes de tocar o sentimento dos ouvintes. Por esse motivo, despontaram como protagonistas na hist�ria da �pera a partir do s�culo 18, desbancando castrati, sopranistas e contraltistas, que reinaram no bel canto por 200 anos com seus agudos e ornamentos exagerados.
"O protagonismo de tenores e sopranos � discutido desde a �poca de Mozart (1756-91)", diz Kaufmann. "Talvez isso aconte�a porque as notas agudas s�o mais excitantes e entusiasmam mais a maior parte dos ouvintes. Ou por causa do status especial de prima-donas e tenores [refere-se ao glamour, � m�tica que envolve essas figuras]."
Quando o fon�grafo se tornou o primeiro impulso de consumo tecnol�gico no in�cio do s�culo 20, foi um tenor que tomou a frente do estrelato: o italiano Enrico Caruso (1873-1921). O disco parece ter sido inventado exclusivamente para cantores desse registro gravarem suas �rias de bravura.
Segundo o cr�tico Jo�o Marcos Coelho, Kaufmann � herdeiro da tradi��o dos grandes astros l�ricos fonogr�ficos.
"Desde Caruso, o mundo musical busca sempre o tenor da hora para adorar", diz ele. "Mesmo gordos e desajeitados, os cantores encarnavam o Romeu rom�ntico. Isso at� Pavarotti. Depois dele, os int�rpretes da hora disp�em n�o s� de uma voz maravilhosa –caso de Kaufmann, que brilha pelas sutilezas expressivas, n�o pelo volume– mas tamb�m de corpos e rostos bonitos. Tudo bem de acordo com o culto de nosso tempo � beleza f�sica."
INFLU�NCIA DO AV�
Para um menino nascido na tradicional Munique em 1969, tornar-se tenor talvez fosse t�o improv�vel quanto virar piloto de F�rmula 1 ou astronauta. Kaufmann conta ter come�ado a ouvir �pera aos seis anos, com seu av�, um amante desse g�nero musical.
"Ele era um grande wagneriano. Tocava ao piano as transcri��es das �peras de Wagner e ainda por cima cantava todos os pap�is, desde o vil�o Hagen at� a hero�na Br�nnhilde [ambos da tetralogia "O Anel do Nibelungo"]. Meu pai tamb�m era um grande f� de m�sica cl�ssica. Tinha uma cole��o enorme de discos. Todo domingo, a gente ouvia uma �pera inteira ou uma sinfonia. Era quase como assistir a um espet�culo", lembra Kaufmann.
Sua primeira �pera ao vivo foi "Madama Butterfly", em uma r�cita dominical no Nationalteather de sua cidade natal. Nos anos de forma��o, espelhou seu canto em outros tenores, e de cada um aprendeu um pouco:
"N�o tenho um �nico �dolo. Mas posso citar Fritz Wunderlich (1930-66), Nicolai Gedda (1925-2017), Jussi Bj�rling (1911-60), Carlo Bergonzi (1924-2014), Jon Vickers (1926-2015) –e, � claro, Josef Metternich (1915-2005) e James King (1925-2005), meus professores durante os anos de estudante", diz.
Nesse per�odo, estudou n�o s� a t�cnica vocal e a express�o dos cantores mas tamb�m sua destreza dram�tica. O esmero do int�rprete com a atua��o ficaria evidente em 2008, na abertura do festival de Bayreuth, rendez-vous mais importante do calend�rio oper�stico. Defendendo o papel principal de "Lohengrin", de Wagner, ele foi festejado pela consci�ncia teatral aguda.
Ali, p�s em pr�tica algumas das li��es aprendidas dez anos antes com o c�lebre Giorgio Strehler. Ei-las, nas palavras do tenor: "Nunca atue da mesma forma duas vezes. Tente sempre criar um estado que o leve a acreditar que est� fazendo o papel pela primeira vez. Nunca repita, sempre evite a rotina".
Para quem tem compromissos agendados pelo menos at� 2021, seguir esses ensinamentos e escapar do enfado pode ser um desafio. Talvez esteja a� a chave para entender os cancelamentos de r�citas que t�m pontuado a carreira dele, sobretudo nos �ltimos anos. No segundo semestre de 2016, o alem�o ficou fora da cena por cinco meses –oficialmente, para tratar um hematoma nas cordas vocais.
Outro desafio, segundo Kaufmann, � conter seu ardor em cena.
"Quando se cantam pap�is como Don Jos� [de "Carmen"], Canio [de "Pagliacci"] ou Siegmund [de "A Valqu�ria"], o poder emocional da m�sica pode ser t�o avassalador que se � arrastado por ele. Por isso, penso que parte de voc� deve sempre reter a emo��o. � o que o maestro Herbert von Karajan (1908-1989) chamava de '�xtase controlado'."
N�o h� melhor defini��o do que esta para o que Jonas Kaufmann faz em cena: domar a exalta��o.
LU�S ANT�NIO GIRON, 57, � jornalista, cr�tico e escritor
Livraria da Folha
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