Pol�ticos e a escolha dos membros do STF
RESUMO A partir da constata��o de que as maiores democracias do mundo d�o a senadores, deputados e presidentes a prerrogativa de nomear integrantes de cortes supremas, como ocorre no Brasil, texto elenca ant�dotos � politiza��o excessiva de tal processo. A consulta a entidades judiciais pode resultar contraproducente.
Deborah Paiva | ||
A sabatina no Senado � apenas uma etapa no processo de nomea��o de um ministro para o Supremo Tribunal Federal. Mas � um momento decisivo para a sociedade.
Entre conversas reservadas, negocia��es e sondagens informais e a vota��o secreta no Senado, a sabatina � o �nico momento p�blico do processo. Nela transbordam as d�vidas, esperan�as e, especialmente, os interesses que permeiam a nomea��o de um(a) ministro(a) para o STF.
Na sabatina de Alexandre de Moraes, estava em jogo um problema que transcendia a sua pr�pria indica��o para a vaga de Teori Zavascki. Por que aceitar um sistema em que o presidente indica e os senadores aprovam algu�m que poder� ser o juiz deles pr�prios?
A Opera��o Lava Jato escancarou esse problema, mas n�o o criou. N�o � simples quest�o de conjuntura. Decorre de um dado objetivo do nosso sistema constitucional: quem escolhe ministros do STF s�o pol�ticos, que podem estar interessados na escolha.
Precisava ser assim? Como outros pa�ses lidam com a indica��o para uma corte suprema ou tribunal constitucional? Diferentes Constitui��es definem de maneiras distintas quem participa da nomea��o e como participa.
Em alguns pa�ses, como o Brasil, os Poderes Executivo e Legislativo dividem a prerrogativa de nomear ministros para o tribunal. S�o sistemas que podemos chamar de cooperativos, pois exigem intera��o entre duas ou mais institui��es para preencher cada vaga.
A forma espec�fica dessa intera��o varia bastante. No Uruguai, as duas Casas do Congresso se re�nem para escolher os membros da Suprema Corte; no M�xico, o Senado decide a partir de uma lista elaborada pelo presidente; na Col�mbia, o Senado nomeia integrantes do Tribunal Constitucional a partir de listas elaboradas pela Suprema Corte, pelo Conselho de Estado e pelo presidente.
Em outros sistemas, como os de Alemanha e Fran�a, as vagas s�o divididas entre diferentes institui��es. S�o regimes com uma l�gica representativa, em que cada autoridade –por exemplo, o presidente, a C�mara ou o Senado– controla algumas indica��es.
Na Alemanha, parte das vagas � da C�mara, parte do Senado; na Fran�a, todos os ex-presidentes t�m assento no Conselho Constitucional, e as outras vagas s�o loteadas entre indica��es dos presidentes da Assembleia, do Senado e da Rep�blica. Por fim, h� raros casos em que as vagas s�o preenchidas por elei��o direta, como no Tribunal Constitucional da Bol�via.
DEMOCR�TICO
Independentemente dos detalhes, a quase totalidade dos pa�ses democr�ticos indica seus ju�zes de c�pula mediante alguma participa��o de pol�ticos eleitos. N�o existe "prova" para juiz de corte constitucional. Mesmo na Inglaterra, que, desde 2005, adota um mecanismo de chamada p�blica de candidatos para a Suprema Corte, a escolha passa pelo lorde chanceler e pelo premi�.
A raz�o � simples: em uma democracia, agentes de Estado com tamanho poder precisam passar, ainda que de forma indireta, pelo crivo da soberania popular.
Se a influ�ncia da pol�tica na composi��o de um tribunal supremo parece inevit�vel, a quest�o � como regul�-la. Detalhes fazem diferen�a. Por exemplo, um quorum de aprova��o mais alto –2/3 na Alemanha– estimula a indica��o de nomes com respaldo suprapartid�rio, inclusive da oposi��o.
Sistemas de listas vinculantes com participa��o da burocracia judicial limitam a escolha pol�tica a pessoas que contem com a aprova��o dessas institui��es.
Mandatos fixos para ministros d�o maior previsibilidade ao sistema e dividem a influ�ncia pol�tica na composi��o do tribunal de maneira mais igualit�ria no tempo. O mandato limita o impacto de cada indica��o em gera��es e maiorias futuras, que ter�o as mesmas (e igualmente limitadas) chances de pesar na forma��o do tribunal.
Assim, diferentes pa�ses adotam maneiras criativas de impedir que um �nico ator possa montar unilateralmente o "seu" tribunal. Mas esses freios e contrapesos n�o existem no v�cuo. Produzem resultados muito diferentes em cada desenho constitucional.
Um mesmo modelo n�o funcionar� do mesmo jeito em um sistema presidencialista e em um parlamentarista; em um sistema eleitoral dividido entre dois, quatro ou m�ltiplos partidos; em um cen�rio de maior ou menor burocratiza��o do Judici�rio; em pa�ses em que corrup��o pol�tica � um problema mais ou menos disseminado.
N�o existe sistema ideal em abstrato. Pensar nas qualidades de modelos diferentes sem pensar no contexto � como escolher entre modelos de carros distintos sem saber o terreno, as condi��es clim�ticas, o perfil do motorista e a carga que se pretende levar.
O modelo brasileiro e o americano, por exemplo, s�o praticamente id�nticos na forma, mas diferentes na pr�tica. Nos EUA, o bipartidarismo produzido pelo sistema eleitoral simplifica o cen�rio: ou o partido do presidente tem o Senado, ou n�o tem. Se n�o tiver, precisar� indicar algu�m t�o qualificado ou t�o moderado que torne muito custosa uma rejei��o pela oposi��o.
AGRADO � COALIZ�O
Em contraste, no nosso presidencialismo de coaliz�o, o governo geralmente tem a maioria. Mas ela � inst�vel, composta por um agregado de aliados heterog�neos, mais ou menos ideol�gicos, mais ou menos fi�is. Seu apoio precisa ser constantemente conquistado. Por isso, uma indica��o para o STF �s vezes reflete mais a necessidade de o presidente agradar sua coaliz�o do que a de avan�ar sua pr�pria vis�o pol�tica para o pa�s.
Al�m disso, h� que considerar as consequ�ncias do nosso amplo modelo de foro privilegiado.
Todos os ministros de Estado, deputados e senadores respondem criminalmente apenas no STF. Em 2001, por bons motivos, uma emenda constitucional removeu a exig�ncia de autoriza��o pr�via, da parte da C�mara e do Senado, para que seus membros fossem julgados pelo tribunal.
Isso aumentou o poder dos ministros sobre os pol�ticos. Deixou evidente que, para o presidente, e sobretudo para os senadores, definir um membro do STF � escolher um potencial juiz de si mesmos.
Seriam outros sistemas de nomea��o mais adequados a essa realidade? Na verdade, j� os temos. Basta olhar para al�m do STF.
No Superior Tribunal de Justi�a, 2/3 dos ministros t�m origem na magistratura, 1/6 no Minist�rio P�blico e 1/6 na advocacia –todos nomeados pelo presidente a partir de uma lista de candidatos previamente escolhida pelo pr�prio STJ.
No Tribunal de Contas da Uni�o, 1/3 dos conselheiros � indicado pelo presidente e confirmado pelo Senado, e os outros 2/3 s�o escolhidos pela C�mara e pelo Senado.
J� o Tribunal Superior Eleitoral tem, entre seus membros, ministros de outros tribunais e dois advogados, nomeados pelo presidente da Rep�blica a partir de uma lista preparada pelo STF.
Esses sistemas alternativos contrastam com a indica��o para o STF em dois pontos. Primeiro, um arranjo representativo, com vagas sendo "loteadas" entre diferentes institui��es. Segundo, sistemas de listas, em que a indica��o precisa recair sobre um conjunto de nomes pr�-aprovados por entidades judiciais ou profissionais.
� preciso cautela antes de importar uma ou duas dessas caracter�sticas para o STF como rem�dio contra a politiza��o excessiva. Nossa experi�ncia sugere que esses sistemas n�o removem a pol�tica da equa��o. Apenas optam por outro tipo de pol�tica. De um lado, a pol�tica eleitoral. De outro, a pol�tica corporativa, feita por ju�zes, promotores, procuradores e lideran�as da OAB.
Cada lado tem seus perigos. Dar mais influ�ncia a poderes eleitos pode acabar partidarizando o tribunal. Mas dar mais poder �s corpora��es profissionais pode isolar a corte dos valores da popula��o, expressos nas urnas, e torn�-la ref�m de interesses de classe pouco republicanos, como a discuss�o atual sobre teto salarial e transpar�ncia nos tribunais demonstra.
Pesar cada um desses riscos exige tamb�m um diagn�stico pr�vio sobre o grau de burocratiza��o e corporativismo do nosso Judici�rio e de fisiologismo do Legislativo.
Considere, por exemplo, o quorum de 2/3 utilizado na Alemanha. Em tese, pode dificultar uma indica��o excessivamente corporativa ou fisiol�gica, pois nenhum candidato ligado demais a um �nico grupo pol�tico seria aprovado.
No nosso sistema, por�m, e ainda mais na conjuntura atual, exigir a supermaioria pode ter um efeito perverso: se o que une boa parte dos parlamentares s�o interesses n�o republicanos, a indica��o pode prosperar por ser fisiol�gica.
Por melhor e mais informada que seja a escolha, o cobertor sempre ser� curto. N�o h� bala de prata. A troca do nosso modelo atual de nomea��o pode n�o resolver problemas cuja origem se encontra em outro lugar –no funcionamento do Congresso ou da Justi�a. Poder�, na verdade, intensific�-los.
DIEGO WERNECK ARGUELHES, 35, doutor em direito pela Universidade Yale (EUA), � professor de direito constitucional da FGV Direito Rio
THOMAZ PEREIRA, 34, doutorando em direito por Yale (EUA), � professor de direito constitucional da FGV Direito Ri
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