Como funciona a engrenagem das not�cias falsas no Brasil
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RESUMO Reportagem mostra como funciona a f�brica de t�tulos sensacionalistas e inverdades que se disseminam nas redes sociais. Sites faturam de acordo com a audi�ncia, que conte�dos apelativos impulsionam. Pesquisas mostram que a maioria dos leitores tem dificuldade em distinguir boatos de informa��es confi�veis. Leia tamb�m o texto de Nelson de S� sobre como grandes corpora��es de m�dia e redes sociais est�o lidando com a quest�o e o de Oswaldo Giacoia Junior em que o autor analisa o atual fen�meno de relativiza��o da verdade � luz de conceitos como o perspectivismo nietzschiano.
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Leticia Provedel j� tinha Beto Silva entre seus contatos telef�nicos e recebia dele correntes e outras bobagens que costumam circular num aplicativo de celular.
Especialista em propriedade intelectual e advogada de Gilberto Gil, ela conversara com Beto por telefone duas vezes, em 2015 e em 2016, para avis�-lo de que seria processado caso n�o retirasse do ar inverdades sobre o cantor publicadas no site Pensa Brasil.
Beto, dono do site, pagou para ver. �s v�speras do Natal passado, o Pensa Brasil publicou uma not�cia com o t�tulo "Lula lutou muito pelo Brasil, n�o merecia esse juizinho fajuto, diz Gilberto Gil", ilustrada com uma foto do artista. O "juizinho fajuto", dizia o texto, era Sergio Moro.
Como jamais afirmara aquilo sobre o magistrado da Lava Jato, Gil entrou na Justi�a contra o Pensa Brasil e o Facebook. Pedia a retirada imediata de todos os links e compartilhamentos da not�cia falsa.
Citando decis�o do ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justi�a, segundo a qual "a internet � o espa�o por excel�ncia da liberdade, o que n�o significa dizer que seja um universo sem lei e infenso � responsabilidade pelos abusos que l� venham a ocorrer", o juiz Carlos Saraiva, do Rio de Janeiro, deferiu o pedido de Gil.
A liminar saiu numa sexta, 23 de dezembro de 2016. No dia seguinte, o conte�do foi removido. Gil decidiu manter uma a��o de indeniza��o por dano moral.
Essa e outras not�cias falsas sobre cr�ticas do cantor a Sergio Moro haviam chegado ao conhecimento do juiz da Lava Jato. Quem se encarregou de desfazer a mentira foi o jornalista Jorge Bastos Moreno, amigo de Gil, ao final de um evento p�blico com o juiz. Admirador da obra do cantor baiano, Moro gostou de saber.
Ao receber a decis�o da Justi�a do Rio, Beto alegou que apenas reproduzira o conte�do de um site parceiro.
Em entrevista � Folha, o dono do Pensa Brasil deu outra vers�o: disse que tr�s fontes, todas representantes de movimentos pr�-impeachment de Dilma Rousseff (PT), haviam visto um show de Gil em que ele dissera a tal frase contra Moro. "Buscamos de todas as formas, mas n�o conseguimos um v�deo desse show."
TEIA
Alberto J�nio da Silva, 37 anos, vive em Po�os de Caldas, sul de Minas, onde � conhecido como Beto Silva ou Beto Louco –o apelido, ele diz, foi dado pela "coragem de denunciar" problemas da cidade.
Beto � hoje o integrante mais ativo e barulhento de um trio que se formou em Po�os e logo al�ou a n�vel nacional o neg�cio do grotesco nos meios digitais. Seus sites integram uma teia de p�ginas que disseminam pela internet informa��es falsas e/ou de teor sensacionalista –uma pandemia conhecida no mundo todo sob o r�tulo de "fake news" (not�cias falsas) e que passou a chamar a aten��o devido a sua influ�ncia em vota��es no Reino Unido e nos EUA, no ano passado.
Zanone Fraissat/Folhapress | ||
Picha��o do artista Cripta Djan |
Luciano Vieira e Luciano Moura s�o os outros integrantes do trio, que se uniu no in�cio desta d�cada em torno da marca Pensa Po�os. Criada para tratar de temas da cidade, j� batizou um jornalzinho, uma webr�dio e uma p�gina no Facebook –que hoje Beto toca sozinho, ap�s o grupo ter rachado.
Pensa Brasil, Brasil Verde e Amarelo, Di�rio do Brasil, Folha Digital, Juntos pelo Brasil, Jornal do Pa�s, Sa�de, Vida e Fam�lia, Voc� Precisa Saber, Em Nome do Brasil, Folha de Minas, The News Brazil e Na Mira da Not�cia s�o sites que est�o ou estiveram recentemente no ar com caracter�sticas semelhantes. Foram criados por membros do trio ou por algu�m pr�ximo a ele –em alguns casos, um deles registrou o dom�nio e cedeu para parceiros desenvolverem os sites. Se h� problemas com uma p�gina, ela � fechada, e logo reaparece sob um novo endere�o.
"� preciso talento at� para criar um dom�nio", comenta Vieira, que tocava o Brasil Verde Amarelo at� janeiro, quando, segundo conta, o Google lhe informou que ele perdera sua conta por violar pol�ticas de conte�do da empresa. Ele atribui o rev�s ao espalhafato do ex-parceiro Beto, a quem dirige termos pouco amistosos.
Vieira, que hoje vive em Lavras (MG), mant�m uma p�gina do Brasil Verde Amarelo no Facebook e est� associado aos sites Jornal do Pa�s (disse que o dom�nio � dele, mas que amigos cuidam da p�gina, na qual h� v�rias postagens em seu nome) e Juntos Pelo Brasil (afirmou que n�o � dele, mas aparece no expediente como diretor e atende o celular registrado na p�gina).
A reportagem n�o conseguiu contato com Luciano Moura. Na elei��o presidencial de 2014, ele teve seus 15 minutos de fama quando a campanha de A�cio Neves, candidato pelo PSDB, acionou o Minist�rio P�blico para investigar o site Po�os 10, que atacava o tucano e a fam�lia dele. Moura era um dos autores do site –que n�o existe mais– e fazia a p�gina de um vereador petista da cidade.
As a��es de Beto Silva e da rede de Po�os de Caldas, contudo, n�o se guiam exclusivamente por motivos pol�tico-ideol�gicos. Na cidade, o Pensa Po�os j� atacou (e defendeu) pol�ticos de todos os matizes. A teia abriga p�ginas explicitamente de direita (como era o Brasil Verde e Amarelo), outras pr�-Lula e pr�-PT (caso do Em Nome do Brasil) e ainda outras que atiram para todos os lados.
O Pensa Brasil, maior site de Beto, est� nesse �ltimo segmento. Costuma ser rotulado como de direita e prosperou com a debacle petista, mas volta e meia ataca A�cio e o governo Temer (PMDB).
O que une esses sites � a busca por cliques. No mundo digital, clique � dinheiro. E, quanto a isso, o Pensa Brasil de Beto Silva n�o vai nada mal.
AN�NCIOS
Sites lucram com a venda de an�ncios. Quanto maior a audi�ncia da p�gina, mais ela ganhar� com publicidade. Segundo a empresa comScore, que mede audi�ncia digital, o Pensa Brasil teve em dezembro passado 701 mil visitantes �nicos, com m�dia de tr�s p�ginas vistas por visita (ou seja, 2,1 milh�es de p�ginas vistas/m�s). Jornal mineiro mais acessado na web, o "Estado de Minas" teve no mesmo m�s 2 milh�es de visitantes �nicos e 16 milh�es de p�ginas vistas.
A comScore registra que, em mar�o de 2016 –m�s da maior manifesta��o pr�-impeachment e da condu��o coercitiva do ex-presidente Lula-, o Pensa Brasil alcan�ou 3,2 milh�es de visitantes �nicos e 10,7 milh�es de p�ginas vistas. A turbul�ncia pol�tica de 2016, ali�s, foi uma "era de ouro" da audi�ncia digital, da qual os sites de not�cias falsas se beneficiaram � larga.
Beto Silva n�o quis dizer quanto ganha com o Pensa Brasil. Profissionais do mercado publicit�rio consultados pela reportagem estimaram que os an�ncios do site rendam de R$ 100 mil a R$ 150 mil por m�s, dos quais at� 50% ficariam com o intermedi�rio e o restante com o dono do site.
A venda da publicidade costuma ser feita por ag�ncias especializadas ou via ferramentas como o Google AdSense, que seguem a l�gica de um leil�o: o site diz o pre�o m�nimo que pretende receber por an�ncio e qual modalidade prefere, sendo as mais comuns CPM (custo por mil impress�es, que considera o n�mero de visualiza��es) e CPC (custo por clique, em que o pagamento � calculado em cima de quantas vezes o an�ncio foi clicado).
Os anunciantes definem o perfil de p�blico que querem atingir, mas n�o controlam em que site a propaganda ser� veiculada. A audi�ncia � o principal requisito para quem anuncia; no caso de sites de not�cias, n�o costuma haver verifica��o sobre a credibilidade do ve�culo ou a qualidade da reportagem.
Em geral sob t�tulos berrantes, com not�cias que embaralham verdade e mentira, o Pensa Brasil e seus similares se retroalimentam, com ajuda de p�ginas e perfis criados por seus donos no Facebook.
Em 6 de fevereiro, por exemplo, tr�s dias depois da morte da ex-primeira dama Marisa Let�cia, o Pensa Brasil publicou uma not�cia com o t�tulo "Marisa fotografada na It�lia. Morte da mulher de LULA � mentira, ENTENDA!". O texto dizia:
"Sem barreiras na internet e redes sociais, tanto not�cias verdadeiras como falsas podem se espalhar rapidamente. Ap�s a morte da esposa de Lula, Marisa Let�cia, espalhou-se uma not�cia de que a mesma n�o estaria morta (boato). Isto! Est� [sic] correndo boatos de que Marisa esteja viva e foi flagrada recentemente na It�lia". Em seguida, apresentavam-se detalhes da mentira, publicada dois dias antes pelo site Sa�de, Vida e Fam�lia, sob o t�tulo "Marisa � fotografada na It�lia e m�dicos contestam farsa de morte com caix�o lacrado!!!". Este texto trazia o cr�dito "via ag�ncia de not�cias".
No mesmo dia 6, logo ap�s o Pensa Brasil public�-la, a not�cia falsa foi compartilhada no Facebook por v�rias das p�ginas ligadas a Beto Silva, por ele pr�prio e por perfis com ind�cios de serem falsos, como o de uma certa Debora Tavares Frayha, que s� compartilha p�ginas do Pensa Brasil e � identificada como funcion�ria da Folha de Minas (que n�o existe, mas cujo dom�nio era de Beto Silva). E tamb�m por leitores reais.
Outros t�tulos publicados nas �ltimas semanas pelo Pensa Brasil: "Donald Trump manda recado: '-Brasileiros, a Europa n�o precisa de visto, v�o pra l�'" (3.fev); "DEA-USA e INTERPOL 'estariam' investigando A�cio Neves por tr�fico internacional de drogas" (8.jan); "Advogado que desacatou Sergio Moro pode ir preso ainda hoje junto com Lula" (13.dez). Nenhuma delas apresentava elementos factuais que comprovassem a manchete.
NY, PO�OS
A maioria dos sites sensacionalistas � registrada fora do pa�s, n�o identifica os autores dos textos e n�o publica expediente, endere�o ou telefone para contato. O Pensa Brasil segue a cartilha quase � risca. Na se��o Quem Somos, diz estar registrado no Arizona (EUA), avisa que "qualquer pessoa que se sinta ofendida" deve entrar em contato por e-mail e reproduz trechos da Constitui��o sobre acesso � informa��o, resguardo do sigilo da fonte e liberdade de express�o.
Numa exce��o ao jogo de sombras, h�, num canto da p�gina, sob a mensagem "Envie sua not�cia por WhatsApp", um celular de Po�os de Caldas. Quem atende � Beto Silva.
Na primeira liga��o, logo no come�o de uma conversa que se estenderia por uma hora e 40 minutos, Beto afirmou que estava em Nova York e que s� voltaria ao Brasil dali a 15 dias.
Seis dias depois, sem aviso, viajei a Po�os de Caldas. No t�rreo de um edif�cio de escrit�rios no centro da cidade, est� a sala que serve de base ao Pensa Brasil e ao Pensa Po�os. Beto Silva estava sentado numa mesa diante de dois grandes monitores conectados � internet. Deu-se o seguinte di�logo:
"Oi, Alberto, bom dia. Sou o Fabio, da Folha de S.Paulo, tudo bem?"
"�pa, tudo bem?"
"Ent�o voc� j� voltou de Nova York. Voltou antes."
"Voltei. Voltei... que dia � hoje mesmo?"
"Hoje � ter�a."
"Ter�a. Eu voltei no domingo. Tinha muita coisa pra resolver aqui."
Conversamos por mais uma hora e meia.
Beto Silva � magro e baixinho –tem cerca de 1,60 m. Seu rosto �s vezes lembra o do cantor Chico Science (1966-1997), noutras o do ex-jogador Ronaldo Fen�meno. Estava, como sempre aparece em v�deos e fotos, de bon�, corrente no pesco�o e reloj�o dourado. Quando era mais jovem, relata, foi vocalista da banda de pagode Nascente do Samba -no Youtube, � poss�vel v�-lo cantando e chacoalhando um afox�. Diz ter brev� de piloto privado de monomotores.
Gesticula muito enquanto fala, volta e meia cruza os bra�os ou os p�e para tr�s, segurando a cabe�a com as m�os, e tem express�es faciais intensas.
Nas duas entrevistas, por telefone e ao vivo, exp�s suas ideias sobre comunica��o e defendeu seu m�todo de trabalho.
"A quest�o � atrair, � o sensacionalismo. A m�dia dos EUA e da Europa � muito sensacionalista. O problema � que, no Brasil, os pequenos sites se aventuraram a navegar pelo marketing digital para ganhar uma grana e come�aram a sobressair em rela��o �s grandes m�dias, simplesmente por copiar o modelo de fazer not�cia de uma forma sensacionalista", afirma.
"O que fazemos s�o modifica��es [sobre o notici�rio] para tornar a not�cia mais f�cil e interessante", diz Beto. "Quem tem de saber o que � verdade ou mentira � quem l� a mat�ria."
"Acredito que a verdade n�o existe. Isso � o meu ponto de vista. Existe o ponto de vista da Folha, cada um tem o seu. Quantas vezes os ve�culos de comunica��o no Brasil tiveram que se retratar? Porque n�o existe uma verdade absoluta (...). A n�o ser que vire uma ditadura, em que a grande imprensa diga o que pode ou n�o."
E assegura: "Todas as pessoas que procuraram o Pensa Brasil, quando a mat�ria n�o era verdadeira, n�s retiramos ou nos retratamos. A� voc� vai falar: 'Ah, mas depois que se publica j� h� um grande dano'. �, a gente corre esse risco. Todo mundo corre. Somos pass�veis de erros".
"O problema vai ser de quem est� me tachando de 'fake news'. Minha preocupa��o � com meus milhares de leitores -eles � que me d�o o feedback correto."
"Tudo � business, tudo � dinheiro. Ningu�m faz isso para contar historinha. Folha de S.Paulo, 'Veja', 'Globo', ningu�m faz mat�ria porque gosta, � atr�s do dinheiro que todo mundo t� correndo."
Durante as entrevistas, Beto tamb�m relativizou a verdade.
Disse que � formado em Comunica��o Social/Publicidade pela Faculdade Anhanguera de Campinas e que tem p�s-gradua��o em marketing digital pela mesma escola. Procurada, a faculdade respondeu: "N�o podemos confirmar que ele tenha sido aluno da institui��o, pois n�o encontramos o seu nome no sistema da Anhanguera".
Afirmou que o Pensa Brasil assina ag�ncias de not�cias, entre as quais a Reuters e a Folhapress, do Grupo Folha, que edita a Folha. Consultada, a Reuters informou que n�o h� entre seus assinantes ningu�m com o nome dele, tampouco seu maior site ou a Artpubli Comunica��o, empresa registrada em nome da mulher dele. A Folhapress afirmou que Alberto Silva chegou a assinar a ag�ncia, mas nunca pagou mensalidades, e por isso o servi�o foi bloqueado.
Beto disse tamb�m que o Facebook n�o responde nem por 20% da audi�ncia do Pensa Brasil. J� a empresa de medi��o de audi�ncia SimilarWeb registra um peso enorme desta rede: 60% da audi�ncia do site vem de redes sociais e, neste universo, 97% vem do Facebook.
'RECEITA DO BOLO'
N�o chega a ter 10m� a sala onde fica o QG do Pensa Brasil em Po�os de Caldas. Al�m da mesa de Beto com os monitores, h� outra com tr�s laptops. Durante a entrevista, duas jovens que trabalham com ele, ambas na faixa dos 20 anos, voltaram do almo�o. Pedi para entrevist�-las, mas Beto n�o permitiu.
Argumentou que as mo�as, assim como outras duas com quem se revezam, s�o prestadoras de servi�o e que, ademais, n�o poderia "dar a receita do bolo". Beto –que ressalta n�o ser produtor de conte�do, mas "propagador"– diz contar com uma rede de colaboradores por todo o pa�s.
Em sua pr�pria cidade, Beto � capaz de enxergar a verdade absoluta. Na p�gina do Pensa Po�os, que define como um trabalho "100% de cidadania", posta v�deos com cobran�as e den�ncias inflamadas sobre problemas municipais. Num deles, afirmava ser "mentira deslavada" a manchete de um jornal local e acusava um vereador de "esconder a verdade do povo": era 1� de fevereiro �ltimo, mesmo dia em que Beto me disse que estava em Nova York, sendo que no v�deo ele brandia um exemplar do di�rio po�os-caldense.
O tom estridente trouxe complica��es na Justi�a. Al�m da a��o envolvendo Gilberto Gil, pelos menos outros tr�s processos de indeniza��o por dano moral foram abertos contra Beto Silva e parceiros –em dois deles ele j� foi condenado.
"A linha de conduta dele [Beto] � complicada. Ele trabalha com o prop�sito de denegrir algu�m para depois chantagear. Quis fazer isso comigo, tentou me extorquir, sa� fora, n�o tenho mais rela��o", disse Paulinho Courominas, ex-prefeito de Po�os (pelo PPS, hoje no PSB).
Beto nega a extors�o. Conta que, a convite de Paulinho, trabalhou na campanha estadual de Pimenta da Veiga (PSDB) ao governo de Minas em 2014 e que, por n�o ter sido remunerado pelo servi�o, entrou com uma a��o trabalhista contra o pol�tico local, mas perdeu. O ex-prefeito diz que Beto foi volunt�rio.
Na cidade, Paulinho � apontado como um entre v�rios pol�ticos a quem o grupo do Pensa Po�os j� foi fiel e com quem depois rompeu.
MACED�NIA
De uma perspectiva global, e com alguma licen�a po�tica, poderia se dizer que Beto Silva habita uma esp�cie de Maced�nia tropical.
Veles, uma cidade de 43 mil habitantes (Po�os tem 165 mil) no pequeno pa�s dos Balc�s, ganhou fama no ano passado com a revela��o de que se tornara um bunker de sites de not�cias falsas sobre as elei��es dos EUA. Tocados por adolescentes em busca do dinheiro de an�ncios, os sites inventaram not�cias sensacionalistas (em geral pr�-Donald Trump) e geraram milh�es de engajamentos (soma de curtidas, compartilhamentos e coment�rios) no Facebook, integrando um movimento que, para muitos, teve peso relevante na vit�ria do republicano.
Segundo um estudo do site BuzzFeed, as 20 not�cias falsas sobre a elei��o americana com maior engajamento no Facebook nos tr�s meses que antecederam a vota��o geraram mais engajamentos (8,7 milh�es) que as 20 not�cias reais com mais rea��es publicadas por grandes ve�culos (7,3 milh�es).
O BuzzFeed brasileiro chegou a resultado semelhante em rela��o a not�cias sobre a Lava Jato publicadas em 2016: as dez falsas com mais engajamento no Facebook (3,9 milh�es) superaram as dez verdadeiras (2,7 milh�es) –no "top ten" das not�cias falsas, h� quatro da turma de Po�os, tr�s das quais do finado Brasil Verde Amarelo e uma da extinta Folha Digital.
A pedido da Folha, o Monitor do Debate Pol�tico no Meio Digital, da USP (Universidade de S�o Paulo), mediu o engajamento de not�cias no Facebook durante tr�s momentos de 2016: a aprova��o do impeachment de Dilma no Senado, a pris�o do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e a prova��o em primeiro turno da PEC 241, que fixou um teto para o crescimento dos gastos p�blicos federais. Os sites de not�cias falsas s�o minorit�rios no ranking das com maior engajamento –das p�ginas da teia de Po�os, s� o Di�rio do Brasil aparece.
Pesquisa do Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo mostra que cada vez mais brasileiros de grandes centros urbanos usam redes sociais como fonte de not�cias: eram 47% em 2013, �ndice que saltou para 72% em 2016.
Nos EUA, estudos recentes relativizam a influ�ncia das "fake news" na elei��o de Trump. Um deles, do centro de pesquisa NBER (Bir� Nacional de Pesquisa Econ�mica), concluiu que as m�dias sociais tiveram papel "importante, mas n�o determinante". Foram apontadas como fonte de informa��o mais importante por somente 14% dos americanos (contra 57% da TV, por exemplo).
Ainda assim, o fen�meno preocupa. "� fato que essas not�cias falsas geram bastante engajamento no Facebook e que, segundo pesquisas, as pessoas est�o propensas a acreditar nelas. Isso � surpreendente e constrangedor, e por isso espera-se que algo seja feito", disse � Folha Craig Silverman, editor de m�dia do BuzzFeed norte-americano, estudioso do tema e autor de uma das principais reportagens sobre "os garotos da Maced�nia".
Para ele, "qualquer atitude s� ser� eficiente se atacar as vantagens financeiras de criar not�cias falsas –e deve incluir as empresas que fornecem as plataformas que est�o sendo usadas para cri�-las e espalh�-las".
De fato, corpora��es digitais e empresas de m�dia em todo mundo come�aram a se mexer.
ENCRUZILHADA
Um dos maiores desafios do percurso, observa Silverman, � "assegurar que qualquer medida tomada para coibir not�cias falsas n�o afete a liberdade de express�o".
� uma preocupa��o semelhante � de Patricia Blanco, presidente do Instituto Palavra Aberta, organiza��o dedicada � promo��o da liberdade de express�o. "Como garantir uma web livre e evitar que ela seja usada de forma criminosa � algo que temos de resolver. Mas n�o podemos deixar que o legislador, para proteger cidad�os, crie limites � liberdade de express�o."
Sancionado em 2014, o Marco Civil da Internet isenta de responsabilidade a empresa que abriga o conte�do. Mas, segundo Leticia Provedel, advogada de Gilberto Gil, redes como o Facebook "t�m obriga��o de retirar do ar, se notificadas, a cal�nia, a inj�ria ou a difama��o, sob pena de coniv�ncia".
V�tima de not�cias falsas, o jornalista e ativista Leonardo Sakamoto, da ONG Rep�rter Brasil e blogueiro do UOL, considera que, dada a extens�o do problema, � necess�ria uma conven��o global para regular a circula��o de not�cias na internet e a eventual responsabiliza��o por excessos.
No ano passado, Sakamoto foi alvo de um texto difamat�rio abrigado no site de not�cias falsas Folha Pol�tica (sem rela��o com a Folha). Segundo sugeriram documentos produzidos por ordem judicial, as empresas JBS e 4Buzz promoveram a exposi��o do texto por meio de an�ncio pago no Google –elas negam.
Autor do livro "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (Leya), o blogueiro defende tamb�m, como solu��o a m�dio prazo, uma "alfabetiza��o midi�tica": a introdu��o, nos ensinos fundamental e m�dio, de no��es sobre como detectar argumentos fraudulentos.
Soa bem atual. Um estudo do Instituto Paulo Montenegro e da ONG A��o Educativa mostrou que apenas 8% dos brasileiros em idade de trabalhar (entre 15 e 64 anos de idade) s�o capazes de se expressar por textos, de opinar sobre argumentos e interpretar tabelas e gr�ficos.
Nos EUA, pesquisa da Universidade Stanford com alunos de ensinos fundamental e m�dio e de faculdades revelou que a maioria � incapaz de diferenciar not�cias produzidas por fontes confi�veis de an�ncios e informa��es falsas.
O historiador norte-americano Robert Darnton, professor em�rito da Universidade Harvard, diz se opor a qualquer medida que envolva censura e sugere que, "a m�dio ou longo prazo, isso [o consumo indiscriminado de mentiras] acaba, se autocorrige; se melhorar a pol�tica, isso melhora tamb�m".
Darnton lembra que a dissemina��o de not�cias falsas n�o � novidade. J� no s�culo 6, conta, o historiador Proc�pio escreveu um texto secreto, chamado Anekdota. "Ali ele espalhou fake news, arruinando a reputa��o do imperador Justiniano e de outros. Era bem similar ao que aconteceu na campanha eleitoral americana."
FIDELIDADE AO GRUPO
Em artigo recente, a pesquisadora americana Judith Donath, do Centro Berkman Klein para Internet & Sociedade da Universidade Harvard, escreveu que, na era das redes sociais, n�o se compartilha e curte not�cias apenas para informar ou persuadir, mas "como um marcador de identidade, uma forma de proclamar sua afinidade com uma comunidade particular".
Interagir com uma not�cia falsa, argumenta, pode enfurecer os de fora dessa comunidade, mas � um "sinal convincente de fidelidade ao seu grupo".
A psicanalista e jornalista Maria Rita Kehl l� de outro modo. "Como n�o sabemos o que fazer com algumas not�cias que nos chocam, �tica ou moralmente, passamos adiante com a sensa��o de estar participando, de alguma forma, da esfera p�blica. No fundo n�o � muito diferente da dona de casa que ouve uma fofoca e corre para o muro, a contar para a vizinha", afirma.
"A diferen�a", acrescenta, "� que o 'muro' hoje � a internet, e a fofoca que a vizinha quer passar adiante chega a milhares de pessoas. O que torna o problema mais complexo � que o mesmo dispositivo que serve para espalhar not�cias falsas e arruinar a imagem de pessoas p�blicas, tamb�m serve para mobilizar campanhas de solidariedade, por exemplo".
FABIO VICTOR, 44, � rep�rter especial da Folha.
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