Bustos do Duce e camisetas de Di Canio na cidade natal de Mussolini
Por tr�s do balc�o, em meio aos rel�gios com ef�gie de Mussolini, distintivos com su�sticas, livros de receitas fascistas e bustos de Hitler, Benizzi Ferrini estava pendurando uma camiseta com o rosto de Paolo Di Canio.
"Quando Paolo fez a sauda��o fascista no gramado, foi um gesto vindo do cora��o, e a maneira pela qual ele vem sendo tratado na Inglaterra depois disso n�o � correta", diz Ferrini, fascista pela vida inteira e dono de uma das lojas de objetos decorativos que ladeiam a rua principal de Predappio, cidade natal de Benito Mussolini. Quando Di Canio visitou a loja, alguns anos atr�s, Ferrini quis mostrar seu respeito pelo futebolista. "Dei-lhe um busto de Mussolini", recorda.
Enquanto Di Canio luta para manter o posto como novo t�cnico do Sunderland, a despeito da indigna��o causada por sua tatuagem de Mussolini e pela not�ria sauda��o fascista aos torcedores quando jogava pela Lazio, time de futebol de Roma, uma visita a Predappio � uma boa maneira de come�ar a compreender o que o fascismo significa para a It�lia hoje, e por que nem todos os italianos est�o furiosos por um futebolista ter feito a sauda��o com o bra�o erguido caracter�stica da era fascista.
Glyn Kirk/AFP | ||
O ex-jogador Paolo Di Canio, treinador do time ingl�s Sunderland, gesticula durante partida contra o Chelsea em Londres |
A cidade de 6,5 mil moradores, aninhada nas colinas recobertas de vinhas e �rvores frut�feras da Emilia Romagna, atrai 100 mil peregrinos por ano em visita � tumba de Mussolini, onde o livro de visitantes est� repleto de exorta��es ao ditador executado para que "volte e salve a It�lia".
Os visitantes tamb�m podem desfrutar da cidade, uma aldeia medieval reconstru�da por ordem de Mussolini nos anos 20 com edif�cios p�blicos imponentes e fora de propor��o e ruas retas de casas de tijolos de dois andares, com quintais gramados. Desconsiderando o senso comum, que dita que avi�es devem ser constru�dos em um lugar do qual possam decolar, ele insistiu tamb�m em que uma f�brica de avi�es fosse constru�da nas colinas pr�ximas da cidade.
Enquanto reinventava Predappio para solidificar seu prest�gio, Mussolini estava tamb�m refor�ando sua ditadura em todo o pa�s, prendendo e exilando oponentes, aprovando leis raciais que impediam o exerc�cio de cargos p�blicos por judeus e conduzindo a It�lia a uma desastrosa alian�a com Hitler e uma guerra devastadora, que terminou com partisans executando o ditador e pendurando seu cad�ver de cabe�a para baixo em Mil�o, em 1945.
Mas na interpreta��o de alguns italianos modernos, os maus feitos de Mussolini s�o mera distra��o diante de seus triunfos na constru��o de estradas e ferrovias, de sua drenagem de p�ntanos mal�ricos, de sua cria��o de um Estado previdenci�rio e de sua constru��o de grande n�mero de unidades de habita��o p�blica, especialmente os conjuntos habitacionais separados por jardins bem cuidados onde Paolo Di Canio come�ou a jogar futebol, em Roma. A ideia de que o hist�rico de Mussolini tem dois lados, e a parte negativa pode ser desconsiderada, foi adotada em janeiro por Silvio Berlusconi como ferramenta para a conquista de votos. Berlusconi disse que "as leis raciais foram o pior defeito de lideran�a de Mussolini, que se saiu bem em tantas outras coisas".
A despeito, ou talvez por conta, de seu legado, Predappio costuma eleger prefeitos de esquerda, h� muito tempo, o mais recente dos quais, Giorgio Frassineti, � um ge�logo dotado do senso de humor sard�nico necess�rio a gerir uma cidade que costuma ser invadida por �nibus lotados daquilo que os italianos diplomaticamente definem como "nost�lgicos".
"Os italianos tratam a Hist�ria como um a�ougue, onde voc� pode escolher apenas as pe�as que deseja", disse Frassineti na quinta-feira, durante a inaugura��o oficial de uma sorveteria diante de uma piazza semicircular criada no centro da cidade pelo Duce, onde uma brecha em uma colunata cl�ssica serve deliberadamente como moldura para mostrar a casa de pedra na qual nasceu o ditador.
"A It�lia jamais chegou a um entendimento com rela��o a Mussolini, e Predappio representa isso", diz Marie-Line Zucchiatti, 48, vereadora na cidade. "Os moradores locais observam os visitantes descendo de �nibus lotados mas preferem n�o se envolver".
"Recebo at� 10 e-mails insultuosos por semana de esquerdistas que dizem que cuido demais dos visitantes, e de direitistas que reclamam por eu n�o fazer o bastante", diz Frassineti.
Na sua loja de objetos decorativos fascistas, Ferrini est� convicto de que os peregrinos que lotam �nibus em visita � cidade tr�s vezes por ano - nas datas de nascimento e morte de Mussolini, e da "marcha a Roma" empreendida pelos fascistas em 1922 - representam a ponta de um iceberg. "Se fizermos um referendo amanh� perguntando aos italianos se s�o fascistas, cinco a seis milh�es deles diriam que sim", ele afirma.
Pol�ticos que n�o temem elogiar Mussolini retornaram ao cen�rio pol�tico convencional do pa�s em 1994, quando a Alian�a Nacional, partido p�s-fascista liderado por Gianfranco Fini, se tornou parte do governo. Ignazio La Russa, ministro em uma das gest�es de Berlusconi, rompeu tabus em 2008 ao elogiar as tropas italianas que lutaram em defesa da rep�blica de Sal�, criada por Mussolini no norte do pa�s e apoiada por Hitler, depois que o ditador italiano foi derrubado do poder central em 1943. Em 2006, Alessandra Mussolini, neta do Duce e legisladora na coaliz�o de Berlusconi, proclamou que "melhor fascista que boiola".
Mas Walter Veltroni, pol�tico de centro-esquerda que Berlusconi derrotou para voltar ao poder em 2008, alertou que quanto a Mussolini n�o h� nada de incerto. "O per�odo foi uma trag�dia e Mussolini tem gigantesca responsabilidade", diz.
CR�TICA
Como prefeito de Roma em 2006, Veltroni convidou jogadores da Lazio e da Roma a assistirem � palestra de um judeu italiano deportado a Auschwitz pelos nazistas em 1944. "Eu o fiz depois que as torcidas das duas equipes come�aram a exibir faixas antissemitas", afirma. "Paolo Di Canio era capit�o da Lazio na �poca e me disse que a palestra realmente o impressionou".
Embora critique a vis�o muitas vezes r�sea da direita quanto a Mussolini, Veltroni tamb�m ataca o h�bito entranhado da esquerda italiana de desconsiderar as duas d�cadas do fascismo ao leme do pa�s. "Isso significa virar a p�gina sem metabolizar a Hist�ria, e quanto mais ignoramos o per�odo, mais o fanatismo se desenvolve", afirma.
AP |
Foto de 11 de novembro de 1937 mostra o ditador italiano Benito Mussolini observando exibi��o do Ex�rcito italiano |
Veltroni diz que ficou chocado com a descoberta, no m�s passado, de uma rede oculta de t�neis de abrigo antia�reo que Mussolini havia feito construir sob a sede de seu governo em Roma, o Palazzo Venezia, bem perto da prefeitura. "Eu fui prefeito de Roma e nada sabia sobre isso", conta. "Reabri para o p�blico a Villa Torlonia, resid�ncia de Mussolini em Roma na �poca da guerra, e ela ainda n�o se tornou uma segunda Predappio. Gostaria de ver a sacada do Palazzo Venezia, da qual Mussolini fazia seus discursos, tamb�m reaberta, para que as crian�as pudessem visit�-la, sem embara�os".
Frassineti disse que estava tentando colocar as mesmas ideias em pr�tica em Predappio, a fim de encorajar os visitantes "n�o a celebrar ou negar o passado, mas a compreend�-lo, para por fim colocar em movimento o debate sobre Mussolini que a It�lia jamais travou".
Caminhando atrav�s da colunata, na sa�da da sorveteria, ele subiu os degraus para a casa em que Mussolini nasceu, onde a prefeitura montou uma exposi��o mostrando como o ditador construiu a nova Predappio em torno da casa de pedra, para fazer dela um templo. Fotos mostram casamentos com os noivos e convidados posando nos degraus, e h� plantas com os desenhos para a cidade. Como registro hist�rico inspirador, fica bem distante dos bast�es de beisebol com o rosto de Mussolini ou das canecas de caf� com o s�mbolo de SS vendidas pelo com�rcio local.
"Os nost�lgicos �s vezes se recusam a pagar para visitar a casa, porque n�o querem colocar dinheiro nos cofres de um prefeito 'comunista' como eu, mas vejo crescimento no n�mero de visitantes curiosos que nem simpatizam por Mussolini e nem sentem vergonha em vir � cidade para ver de onde ele surgiu", ele diz.
"Estamos at� organizando excurs�es escolares, o que seria impens�vel alguns anos atr�s. Isso mostra que o debate est� enfim come�ando", acrescenta.
Na rua comercial, Ferrini n�o mostra desejo de debater no tema, e encerra sua entrevista com uma sauda��o fascista. "Estou planejando a pr�xima camiseta de Paolo Di Canio", diz. "Ela dir� 'Sunderland', e por cima do nome haver� uma foto de Di Canio fazendo a sauda��o fascista".
Tradu��o de PAULO MIGLIACCI.
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