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23/01/2013 - 19h20

o que a vida tribal pode nos ensinar

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ROBIN MCKIE
DO "OBSERVER"

A tribo kaulong, da Nova Bretanha, costumava ter uma forma extrema de lidar com fam�lias em luto. At� os anos 50, as mulheres dessa ilha do sudoeste do Pac�fico que enviuvavam eram estranguladas pelos irm�os do marido, ou, na aus�ncia destes, por um de seus filhos. O costume n�o permitia outra sa�da. Descumprir a norma implicava desonra, e as vi�vas faziam quest�o de pedir estrangulamento assim que seus maridos morressem.

O impacto sobre as fam�lias era devastador, como Jared Diamond deixa claro em "The World Until Yesterday" ("o mundo at� ontem", em tradu��o livre), seu mais recente livro. "Em um caso, uma vi�va --cujos cunhados estavam ausentes-- ordenou que o filho a matasse", ele conta.

Arquivo pessoal
O bi�logo Jared Diamond na Nova Guin�
O bi�logo Jared Diamond na Nova Guin�

"Mas o rapaz n�o suportou faz�-lo. Por isso, para envergonh�-lo e for��-lo a executar a ordem, a vi�va marchou pela aldeia gritando que seu filho n�o queria mat�-la porque preferiria fazer sexo com ela". Humilhado, o jovem acabou por estrangular a m�e.

O estrangulamento de vi�vas acontecia porque os kaulong acreditavam que os esp�ritos masculinos precisavam da companhia de mulheres para sobreviver no al�m. � uma ideia grotesca, mas certamente n�o � a �nica concep��o absurda a ganhar for�a entre as sociedades tradicionais, afirma Diamond. Outros desses h�bitos inclu�am infantic�dio e surtos de guerra entre vizinhos, ainda que esses exemplos sejam contrabalan�ados por muitas inst�ncias de cuidado e compaix�o, especialmente quanto aos idosos, e por uma preocupa��o quanto ao meio ambiente que causa vergonha ao Ocidente.

"N�s virtualmente abandonamos a vida em sociedades tradicionais", diz Diamond. "Mas essa foi a �nica forma de vida que os seres humanos conheceram ao longo dos primeiros seis milh�es de anos do planeta. Ao deix�-la de lado nos �ltimos milhares de anos, perdemos nossa vulnerabilidade a doen�as, ao frio e a animais selvagens, mas tamb�m perdemos boas maneiras de criar filhos, cuidar dos idosos, evitar o diabetes e doen�as card�acas e compreender os verdadeiros riscos da vida cotidiana."

Diamond usa um palet� vermelho, cal�as xadrez, uma camisa muito bem passada e uma gravata. Com sua barba sem bigode, ele parece mais um pregador amish renegado do que um renomado bi�logo. Seu livro, cujo subt�tulo � "o que as sociedades tradicionais podem nos ensinar", � uma esp�cie de antropologia de resgate, ele explica, um esfor�o para salvar as �ltimas p�rolas da vida tribal antes que ela seja destru�da totalmente pela expans�o das na��es e Estados.

"The World Until Yesterday" � a mais recente incurs�o de Diamond em um campo que ele virtualmente domina --a an�lise biol�gica da hist�ria humana-- e est� sendo ansiosamente aguardado por um ex�rcito mundial de leitores fi�is. Enquanto os historiadores tradicionais se concentram em tratados e sucess�es, Diamond toma por tema as restri��es ecol�gicas que influenciam o destino de um Estado ou na��o espec�fico.

Como exemplo basta o muito bem-sucedido "Armas, Germes e A�o", publicado em 1998 e que vendeu mais de 1,5 milh�o de c�pias. O livro foi escrito como resposta a uma pergunta b�sica: por que a Espanha conquistou os incas, e n�o o contr�rio? Ou, para expressar em termos mais gerais, por que as na��es do Ocidente prosperaram � custa do restante do planeta?

Os historiadores tendem a evitar essa quest�o ou a aludir ao vigor intelectual inato e � for�a gen�tica que, sugerem, caracterizam os povos ocidentais. Diamond descarta essa tese. A Europa se tornou uma base de poder porque suas na��es cresceram das primeiras sociedades agr�rias, surgidas no Oriente M�dio cerca de 8.000 anos atr�s, diz.

E a agricultura surgiu porque os animais mais domestic�veis do planeta, como ovelhas, gado e cavalos, foram encontrados nessa regi�o. Dada a vantagem inicial assim conquistada, a Europa foi capaz de sustentar um n�vel de produ��o de alimentos que permitiu que os primeiros Estados pol�ticos e bases de poder militar se materializassem.

Armas e a�o foram inventados l� e usados para conquistar o resto do mundo. Desprovidos dessas tecnologias, os incas tinham pouca chance contra os espanh�is. Os germes --"o sinistro presente da Europa aos demais continentes"-- seguiram em seu rastro.

A mensagem do livro � simples mas politicamente controversa: n�o existe nada inato de superior nos ocidentais. Eles n�o constituem uma ra�a dominante. S�o apenas povos geograficamente privilegiados.

EXPERI�NCIA FASCINANTE

"Armas, Germes e A�o" foi elogiado pela erudi��o, prosa clara e s�nteses elegantes de m�ltiplas fontes, da arqueologia � zoologia. Um resenhista norte-americano definiu o livro como "darwinista em sua autoridade", enquanto aqui no "Observer" o descrevemos como "livro de vis�o e confian�a extraordin�rias". O trabalho valeu um Pulitzer a Diamond; foi citado incorretamente por Mitt Romney na elei��o presidencial do ano passado; e gerou diversas imita��es, entre os quais "Sex, Bombs and Burgers" ("sexo, bombas e hamburgers", em tradu��o livre), uma hist�ria dos EUA moderno por Peter Nowak.

Diamond parece confiante e em forma e, apesar de j� ter 75 anos, garante que continua a realizar viagens de campo � Nova Guin� a cada ano ou dois. Por d�cadas, ele acampou nas florestas da ilha com as tribos locais, estudou seus h�bitos e observou seus intermin�veis ciclos de ataques e reconcilia��o.

"Foi uma experi�ncia fascinante", ele diz, "e a motiva��o inicial para 'The World Until Yesterday' era compartilhar o que vi na Nova Guin� nos �ltimos 50 anos e o que os povos da ilha me ensinaram".

Diamond chegou a essa campo de maneira estranha. Seu pai, Louis, era um conhecido pediatra e especialista em doen�as de sangue, e sua m�e, Flora Kaplan, era pianista cl�ssica e linguista. Os dois vieram de fam�lias judias da Europa Oriental que escaparam dos pogroms do come�o do s�culo 20 e se radicaram em Boston, onde Diamond cresceu, o que lhe confere um mel�fluo sotaque da Nova Inglaterra, com vogais distendidas a ponto de estourar.

Jared seguiu os passos do pai e se formou em medicina, estudando fisiologia nas universidades Harvard e depois em Cambridge, se tornando especialista nos processos de transfer�ncia salina da ves�cula humana. Ainda na casa dos 20 anos, decidiu mudar de especialidade e optou pela ornitologia, o que o levou � Nova Guin�. (Ele � autor de diversos trabalhos acad�micos sobre os p�ssaros da ilha.)

L�, logo se fascinou pelas diversas sociedades nativas e, por fim, passou a se dedicar ao campo da antropologia cultural e sociologia. No momento, � professor de geografia na Universidade da Calif�rnia em Los Angeles.

Desde que se mudou para Los Angeles, Diamond vem publicando os livros que lhe valeram fama popular. O primeiro, "O Terceiro Chimpanz�", saiu em 1992. O t�tulo � uma refer�ncia ao homo sapiens, descrito por Diamond como uma esp�cie de chimpanz� cada vez mais fora de contato com o mundo natural, especialmente desde a inven��o da agricultura, "uma cat�strofe da qual n�o nos recuperamos".

Com a chegada do cultivo de alimentos, argumenta Diamond, as mulheres ficaram sujeitas ao trabalho dom�stico; povos come�aram a acumular recursos e riqueza; e nossa proximidade com os animais deflagrou epidemias de doen�as que ainda amea�am nos aniquilar. "Com a agricultura vieram uma imensa desigualdade social e sexual, doen�as e despotismo, que ainda amaldi�oam a nossa experi�ncia", ele afirma. O livro lhe valeu um pr�mio da Royal Society para o melhor livro cient�fico de 1992.

Em seguida veio "Armas, Germes e A�o", e Diamond acrescentou um novo pecado aos introduzidos pelos primeiros agricultores: o colonialismo, que inclui, como j� vimos, a escraviza��o do povo inca pelos conquistadores espanh�is. Depois, em 2005, veio "Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso".

No novo trabalho, ele tentava responder a outra quest�o b�sica sobre a esp�cie humana: por que algumas culturas se desintegram quando seus membros destroem o habitat que ocupam enquanto outras conseguem manter um cuidadoso equil�brio ecol�gico? Por que os vikings pereceram na Groenl�ndia do s�culo 16 mas os inuit prosperaram? Por que os antigos maias arruinaram sua ecologia ao abater as florestas de suas terras, assim causando a eros�o do solo e a fome que resultaram no colapso de sua civiliza��o? E, a mais pungente das quest�es, por que o povo da Ilha de P�scoa abateu todas as suas �rvores e com isso se aprisionou no meio do Pac�fico, decaindo depois para a anarquia e o canibalismo?

Ao responder a essas quest�es, Diamond identificou diversos fatores que ajudam a explicar o colapso das sociedades: intransig�ncia pol�tica, mudan�as no clima, perda de com�rcio exterior, ataques de vizinhos e degrada��o ambiental causada internamente. E � crucial perceber que esses fatores est�o agora operando em escala mundial, ele diz. Pintado em quadro mais amplo, o destino do povo da Ilha da P�scoa pode se repetir em todo o planeta, a n�o ser que ajamos.

� BEIRA DA EXTIN��O

N�o existem grandes her�is ou l�deres nas narrativas de Diamond. As p�ginas de "O Terceiro Chimpanz�", "Armas, Germes e A�o" e "Colapso" n�o falam de l�deres como Churchill, Hitler ou Genghis Khan. Ele escreve a hist�ria sem o aspecto pessoal, e os protagonistas humanos an�nimos de seus relatos oscilam � beira da extin��o em um mundo ambientalmente hostil.

Alguns antrop�logos discordam da postura de Diamond quanto � falta de import�ncia dos indiv�duos no grande quadro dos acontecimentos hist�ricos. Eles o acusam de pintar os seres humanos n�o como agentes conscientes, e sim como v�timas impotentes de seu ambiente, e dizem que Diamond desconsidera a import�ncia da iniciativa humana.

Outros cr�ticos fazem acusa��es mais espec�ficas. Diversos contestam sua alega��o de que os habitantes da Ilha da P�scoa foram os causadores do desastre que os exterminou. Expedi��es externas de captura de escravos e doen�as introduzidas pelos europeus foram as verdadeiras causas do despovoamento, e n�o a guerra civil, e animais selvagens causaram o colapso ambiental da ilha, afirmam.

A maioria das resenhas para todos os livros de Diamond, no entanto, costuma ser favor�vel. Em artigo para a revista "New Yorker", Malcolm Gladwell elogiou a import�ncia que Diamond d� a quest�es biol�gicas no estudo de culturas e sociedades. O elogio "civilizado" n�o � garantia de sobreviv�ncia, Gladwell afirma. "Podemos ser pac�ficos e respeitar a lei, sermos tolerantes e inventivos, dedicados � liberdade e fi�is aos nossos valores, e ainda assim adotarmos comportamento suicida do ponto de vista biol�gico".

A mesma quest�o controversa embasa todo o trabalho de Diamond: a crescente disson�ncia entre a humanidade e o mundo natural. Ele descreve como pequenos grupos de seres humanos --variando de algumas dezenas a algumas centenas de ca�adores-coletores-- sobreviveram a diversas eras glaciais, se mantiveram pr�ximos da natureza e ainda assim conseguiram conquistar o mundo. "Acredito que as poucas tribos e bandos de n�mades que restam no planeta tenham muito a nos ensinar", ele diz, � essa cren�a que inspira seu novo livro.

Alguns costumes tribais, como o estrangulamento de vi�vas, certamente n�o far�o falta. "N�o devemos romantizar as sociedades do passado", ele diz. "H� coisas horr�veis que devemos evitar, mas coisas maravilhosas que precisamos imitar".

A cria��o de filhos � num bom exemplo. Longe de serem duros para com as crian�as, muitas tribos e grupos adotam atitudes fortemente permissivas. "Quero dizer permissivas a ponto de n�o existirem puni��es para as crian�as em caso algum. Se uma m�e ou pai bate em uma crian�a, entre os pigmeus da �frica, isso serve como justificativa para um div�rcio. Essas sociedades n�o permitem puni��o f�sica. Se uma crian�a brinca com uma faca afiada e a aponta para os outros, ningu�m reprime. Elas se cortam em certas ocasi�es, mas a sociedade calcula que � melhor que a crian�a aprenda do modo mais dif�cil desde cedo na vida. Elas s�o autorizadas a fazer suas escolhas e a seguir seus interesses".

Diamond tem filhos g�meos, Max e Joshua, ambos eram tratados como homenzinhos pelos pais. "Permitimos que fizessem o que queriam, na medida do poss�vel, e nunca batemos neles", diz Diamond. Mas permitir que seus filhos desenvolvessem os interesses que escolheram teve consequ�ncias inesperadas. Aos tr�s anos, Max desenvolveu uma paix�o por cobras, e a casa dos Diamond terminou abrigando mais de 150 r�pteis e anf�bios.

De sua parte, Joshua transferiu seu amor inicial pelas borboletas �s pedras e depois aos campos de batalha da guerra civil americana e da Segunda Guerra Mundial. "Eu o levei a Guam certa vez", relembra Diamond com carinho. Hoje, Joshua est� estudando Direito e Max � chefe de cozinha. "O ponto crucial � que permitimos que seguissem seus caminhos. Aprendi isso com os povos da Nova Guin�".

Diamond estudou sociedades tradicionais na �frica, Am�rica do Norte, Am�rica do Sul, �rtico e �sia, mas a maioria de suas an�lises se baseia na observa��o de seu campo de trabalho cient�fico mais comum, a Nova Guin�, o que n�o deixou de ter suas tribula��es. Muitos anos atr�s, Diamond conta ter conhecido um alde�o chamado Daniel Wemp que revelou ter organizado uma guerra de cl�s na Nova Guin� a fim de vingar a morte de um trio.

De acordo com Diamond, depois de tr�s anos e 30 mortes, o alvo de Wemp, um homem chamado Isum Mandingo, foi atacado e ficou paral�tico. Diamond relatou a hist�ria em artigo para a "New Yorker", e sofreu um processo por difama��o no qual Wemp e Mandingo solicitavam US$ 10 milh�es em indeniza��o.

Uma investiga��o conduzida por Rhonda Roland Shearer, vi�va do bi�logo evolutivo Stephen Jay Gould e editora do iMediaEthics, site de not�cias sem fins lucrativos, concluiu que o artigo da "New Yorker" estava eivado de erros, que Wemp n�o havia organizado uma guerra de cl�s e que Mandingo havia sido ferido em um ataque n�o relacionado, quando estava defendendo sua terra. A investiga��o dela alega tamb�m que Wemp temia por sua vida devido ao artigo de Diamond, e que isso tinha motivado o processo.

De sua parte, Diamond e David Remnick, o editor da "New Yorker", negam vigorosamente as afirma��es de Shearer. A hist�ria deles contava com cuidadosas anota��es realizadas por Diamond ao longo do trabalho, e seu texto havia sido confirmado rigorosamente por um dos mais experientes revisores e pesquisadores da revista, acrescentou Remnick.

Mesmo assim, Shearer afirma que "nem Diamond e nem os checadores da 'New Yorker' estudaram mapas dos distritos pol�ticos, conversaram com os mission�rios da �rea, contataram o governo local ou verificaram registros dos tribunais, pol�cia ou hospitais locais, ou conversaram com o principal especialista na antropologia da regi�o, Paul Sillitoe, a fim de confirmar a hist�ria que Diamond havia obtido de uma �nica fonte. Nosso relat�rio revelou que Diamond citou e acusou de homic�dio pessoas a quem nunca viu. Ele agora escreve que omitiu ou alterou nomes para proteger seus informantes, como requer a pr�tica antropol�gica".

O caso provocou o interesse das publica��es cient�ficas, mas n�o foi adiante. Diamond pisca e mostra uma express�o dolorida quando menciono Rhonda Shearer. "Uma pessoa distinta sobre a qual me recusarei a comentar", ele resmunga. O caso de Wemp e Mandingo foi retirado por consentimento m�tuo depois da morte do advogado que os representava, mas agora h� a indica��o de que um novo processo judicial acontecer�. N�o h� men��o � hist�ria de Wemp em "The World Until Yesterday", apesar de sua relev�ncia para a tese de Diamond. A cautela parece ter prevalecido.

VINGAN�A

No livro de Diamond, a vingan�a desempenha papel importante. No Ocidente, quando uma pessoa � roubada ou ferida em uma agress�o, o Estado --na forma da pol�cia-- assume a responsabilidade por identificar e punir o culpado. As sociedades tradicionais adotam posi��o muito diferente. Ofensas menores s�o resolvidas pelo pagamento de uma indeniza��o --porcos s�o moeda corrente na Nova Guin�-- ou por uma festa na qual o restabelecimento de rela��es amistosas � celebrado.

Para as ofensas mais s�rias, entre as quais homic�dios, uma fam�lia procura fazer alian�as com outras que a ajudem a localizar e matar quem tenha assassinado um de seus parentes. Isso em geral causa resposta igual por parte da fam�lia do homicida, e o processo se repete. O sistema impessoal de justi�a que vigora no Ocidente parece muito melhor, dessa perspectiva.

Mas isso tem um custo, diz Diamond, mencionando o exemplo da fam�lia de sua mulher, Marie. O pai dela, Jozef Nazel, era judeu, e nasceu em Klaj, perto de Crac�via, na Pol�nia. Durante a Segunda Guerra, ele foi capturado pelos russos e mais tarde recrutado para o Ex�rcito sovi�tico. Nazel sobreviveu � Guerra, se tornou oficial e, em 1945, liderou um pelot�o de soldados que foi a Klaj � procura de sua fam�lia.

Descobriu que seu pai havia sido enviado a um campo de concentra��o quando os nazistas chegaram. No entanto, sua m�e, irm� e uma sobrinha sobreviveram escondidas por mais dois anos at� que uma gangue local as matou, acreditando que, por serem judias, deviam ter ouro.

Jozef identificou a gangue e, armado de rev�lver, encarou o homem que havia matado sua m�e, irm� e sobrinha --mas n�o conseguiu atirar. Estava cansado de ver pessoas se comportando como animais, contou mais tarde. O assassino foi entregue � pol�cia local e libertado um ano depois. Jozef viveu atormentado pela culpa o resto de sua vida, por n�o ter salvado sua fam�lia ou a vingado como deveria. A cada noite, antes de dormir, ele se lembrava da m�e e da irm�, e de ter permitido que o homem que as matou escapasse, fato que admitiu � fam�lia apenas perto dos 90 anos de idade, diz Diamond. "Ele viveu esse tormento em sil�ncio at� perto de morrer".

O destino de Jozef � uma consequ�ncia, se bem que extrema, da vida em um Estado moderno. Homic�dios e roubos s�o assunto de pol�cia para n�s porque essa � a maneira mais eficiente de lidar com um crime. Como resultado, a vingan�a � vista como socialmente inaceit�vel e � reprimida severamente. "Mas � uma emo��o b�sica, na companhia do �dio, amor, raiva e ci�me, e se uma pessoa � instru�da a reprimir esses sentimentos, como aconteceu com o meu sogro, o resultado pode ser amargura persistente pelo resto da vida. Essa � uma consequ�ncia infeliz da justi�a de Estado, e precisamos ajudar as pessoas que a sofrem. N�o damos import�ncia suficiente aos sentimentos daqueles que foram privados � for�a do conv�vio dos entes queridos".

Ou considere a quest�o da velhice. "A maioria das sociedades tradicionais propicia aos idosos uma exist�ncia muito mais satisfat�ria do que fazemos, e permite que vivam seus anos finais cercados pelos filhos, parentes e netos", diz Diamond. "Os velhos s�o �teis como fonte de conhecimento, porque essas sociedades n�o t�m livros. E muitas vezes s�o os melhores em fazer ferramentas, cestos, cer�mica e armas. No Ocidente hoje --com a nossa cultura da juventude-- parecemos ter desaprendido a obter valor de nossos idosos".

Existem exce��es. Tribos n�mades, especialmente as do �rtico ou de regi�es des�rticas, ocasionalmente matam ou abandonam as pessoas mais velhas quando enfrentam escassez de comida. Tamb�m podem encoraj�-las ao suic�dio, uma norma sombria que � levada a extremos n�o apenas entre os kaulong mas tamb�m pelo povo das Ilhas Banks, no Pac�fico, onde os idosos pedem aos amigos que os enterrem vivos para p�r fim ao sofrimento, e pelos chuckchi, que vivem no canto nordeste da �sia e costumavam encorajar os idosos a permitir que fossem estrangulados, com a promessa de que isso lhes valeria tratamento preferencial no outro mundo.

Sim, parece bastante sombrio, admite Diamond, mas � fruto de uma l�gica cruel: o suprimento de comida � limitado e o que mais eles podem fazer quando os recursos se esgotam? Permitir que seus filhos morram de fome?

Por fim h� a quest�o dos riscos cotidianos, t�pico que os ocidentais modernos tiraram do contexto, na opini�o de Diamond. "Preocupamo-nos com os perigos de eventos que matam muitas pessoas de uma vez: quedas de avi�es, explos�es em usinas nucleares, ataques terroristas. Mas a probabilidade de que sejamos mortos em um evento como esse � absolutamente desprez�vel".

Em contraponto, as pessoas de sociedades tradicionais se preocupam com riscos locais em pequena escala. "Em uma viagem � Nova Guin�, eu queria montar uma tenda sob uma �rvore morta. Meus guias acharam que eu tinha enlouquecido. Ela podia cair e me matar durante a noite. Argumentei que era um risco pequeno mas depois percebi que, se voc� passa a vida na floresta, esses pequenos riscos se acumulam. Na vida ocidental, � o mesmo, e vale a pena lembrar que, se voc� trope�ar na banheira ou na cal�ada, pode quebrar a bacia. Para algu�m da minha idade, isso pode representar o fim da vida, ou pelo menos da locomo��o aut�noma. Da mesma forma, acidentes de autom�vel podem representar perigo genu�no".

"Por isso dever�amos aprender com os povos da Nova Guin� e nos preocuparmos mais com chuveiros, cal�adas e carros e nem tanto com quedas de avi�es ou ataques terroristas. � claro que meus amigos norte-americanos me acham maluco, mas, como gosto de lembrar a eles, ainda estou aqui".

Tradu��o de PAULO MIGLIACCI.

 

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