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Artes Cênicas

Teatro e cinema se fundem em atualização de 'Vestido de Noiva'

Com Helena Ignez na direção e Lucélia Santos como Madame Clessi, versão respeita texto e rubricas de Nelson Rodrigues

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Debora Ghivelder

Vestido de Noiva

Obra de referência do teatro brasileiro, "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, estreou em 1943, inserindo a cena teatral na modernidade e passadas oito décadas, é hoje um clássico. E como todo clássico, é revisitado periodicamente. Em São Paulo, subiu aos palcos ano passado versão do Grupo Oficina Multimédia (GOM), de Belo Horizonte, dirigida por Ione de Medeiros. Outro mineiro, Gabriel Vilella, remontou o texto em 2009. Isto para citar dois exemplos.

Agora, as irmãs Alaíde e Lúcia retornam em nova montagem, em cartaz no Teatro Anchieta do Sesc Consolação, com Helena Ignez na direção e Lucélia Santos como Madame Clessi. A versão mescla cinema e teatro e respeita texto e rubricas do autor. As alterações ficam pela retirada da nacionalidade francesa de Clessi, e a ênfase dada ao feminicídio da cafetina.

A direção de Helena Ignez respeita a narrativa em três planos —realidade, memória e alucinação— e mescla cenas filmadas (imagens de André Guerreiro Lopes) à ação teatral para contar o tempo presente da trama. Com vasto trânsito entre o teatro e o cinema, Helena Ignez opta por imagens em preto e branco em cortes rápidos, dando dinamismo à narrativa. As inserções de flashes das ruas, de uma redação de jornal e de uma sala de cirurgia, não brigam com o que vai no palco —pelo contrário, meio que transbordam para o que acontece lá, com uso também de imagens metafóricas e imprecisas, desfocadas que espelham a confusão da personagem.

Cena da montagem da peça 'Vestido de Noiva', dirigida por Helena Ignez - Ale Catan/Divulgação

Filme e teatro se integram, garantindo a unicidade do espetáculo. Não surpreende, já que Helena Ignez mais que domina estas linguagens e, no cinema, conversou com o teatro em alguns dos longas que dirigiu: fez alusão à obra de Máximo Gorki ("Ralé", 2015) e reviu Bertold Brecht ("Canção de Baal", 2007). A diretora acerta na mão: o recurso não é desperdiçado e ajuda a contar a história.

É claro que o grosso da trama se desenvolve mesmo no jogo cênico, apresentado com marcações muito bem definidas. O espírito da montagem original também se faz presente no palco despido, com uso apenas de alguns elementos como mesas, cadeiras, espelhos.

A Madame Clessi de Lucélia Santos é apresentada com consistência e confere leveza à personagem, tanto na movimentação ágil como na maneira natural com que diz o texto. Mais do que familiarizada com a obra de Nelson —viveu personagens nos filmes que levaram o autor para o cinema— Lucélia oferece uma Clessi mais livre dos estereótipos comumente adotados para este tipo de personagem. A escolha de uma identidade brasileira não causa estranheza. Pelo contrário, combina com o universo do autor com obra focada na sociedade carioca.

Djin Sganzerla, como Alaíde, constrói interpretação cuidadosa que alterna bem entre a confusão da personagem e o conflito gerado por dilemas morais. As mudanças de tom interpretativo —do quase murmúrio ao grito— são pertinentes e fiéis ao estado da personagem. O jogo teatral estabelecido entre ela e Lúcia é fluído, com forças equivalentes. Às vezes, levam o confronto como um jogo de xadrez, às vezes, como em um duelo.

Simone Spoladore também acerta na máscara trágica e nas alterações de espírito de Lúcia, levando a irmã a oscilar entre o rancor declarado, a introspecção culposa e a pura histeria. Jiddu Pinheiro apresenta uma boa composição para Pedro, confortável ao evidenciar a canalhice sem culpa de jogar com as irmãs. Ele confere a Pedro uma displicência que funciona.

Também colaboram para compor o enredo os trabalhos de Clarisse Abujamra (mãe), Luciano Chirolli (pai), Tuna Dwek (sogra), Michele Matalon (mãe do namorado de Clessi) que completam o elenco ao lado de Luciana Fróes e Luiza Barros que dão corpo às moças do bordel.

A iluminação de Aline Santini sublinha a atmosfera de tensão, não ofusca as cenas filmadas e ajuda a demarcar os planos narrativos. Simone Mina foge do convencional com transparências nos vestidos de noiva, nos tecidos e tons adotados especialmente nos figurinos das irmãs.

Há um inevitável distanciamento emocional da trama. O mundo mudou. Mas isso não rouba a genialidade e a perenidade do texto de Nelson. Mudamos sim, "ma non troppo" —desejos seguem reprimidos e a hipocrisia social é prato do dia.

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