Mostra de Artacho Jurado enfatiza lado artístico do arquiteto que vendia sonhos

Ocupação no Itaú Cultural reúne 130 peças, entre fotografias e esboços, e tematiza lado melômano e bonachão do arquiteto

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São Paulo

Ao entrar na mostra "Ocupação Artacho Jurado", agora no Itaú Cultural, o visitante imerge no universo lírico e grandiloquente de um dos maiores nomes da arquitetura moderna brasileira. As caixas de som irradiam as árias preferidas de Jurado, que, de tão melômano, tinha o hábito de desenhar os projetos ouvindo ópera.

Essa é uma pista para entender o seu comportamento megalomaníaco, que se tornou alvo de piadas mesmo entre os seus familiares. Organizada por Guilherme Giufrida e Jéssica Varrichio, a mostra apresenta, logo na primeira seção, uma foto, em que Jurado aparece ao lado da filha, cortando o bolo de seu aniversário —uma réplica imensa do edifício Viadutos, que fica no Bexiga, com direito aos detalhes dos pilotis.

Área social na cobertura do Ed. Piauí. 1957
Área social na cobertura do Ed. Piauí. 1957 - Leon Liberman/Acervo Família Jurado/Divulgação

"Ele tinha uma visão pragmática e comercial da arquitetura que não era comum entre os seus pares", diz Giufrida. Unindo arte e consumo, idealizador dos edifícios Viadutos e Bretagne, sofreu com críticas dos colegas de profissão, que o viam como marqueteiro até por ele —incrivelmente— não ter tido formação universitária como arquiteto. Seu trabalho, ele mesmo, foi considerado, durante os anos 1950, como um produto kitsch para os novos ricos.

Sua relação com o modernismo era tensa. Se Jurado comungava desse estilo, ele o moldou com suas idiossincrasias. A sobriedade do concreto armado deu lugar a revestimentos de vidrotil colorido, em combinações extravagantes de cores, como o rosa e o azul. Ele também inovou ao incluir, nos edifícios, espaços de convivência, com piscinas, brinquedoteca e até bar. Jurado percebera que a cidade se acelerava, e as classes médias usufruiriam, em casa, das facilidades encontradas nos clubes privados.

"Ocupação Artacho Jurado" reúne 130 peças, entre fotos, desenhos e maquetes, enfatizando a aspiração artística do arquiteto, mesmo com seu tino comercial. "O povo paulistano tem uma paixão pelos prédios dele, e ele sabia que construía monumentos para o futuro", afirma Giufrida. Filho de imigrantes espanhóis, Jurado trabalhou, em um primeiro momento, como letrista de cartazes em neon. A fase anterior ao mercado imobiliário está, na mostra, em fotos raras com as fachadas das lojas que contratavam.

Em 1946, ele se aliou ao irmão e juntos ingressaram na construção civil, criando na década seguinte a Construtora Monções. De início, ele investiu na criação da Cidade Monções, na zona sul da cidade, com casas padronizadas, que lembram os subúrbios dos Estados Unidos. A venda desses imóveis incluía automóvel e telefone.

Assinante de revistas americanas, Jurado era seduzido pelo "american dream", o sonho americano, que era uma marca de seu trabalho. Na ocupação, as fotografias de Hans Günter Flieg trazem modelos posando para as suas lentes. As grandes obras, realizações do capitalismo, são um lugar de prazer e ócio. Em preto e branco, duas senhoras aparecem bem vestidas, tomando sol em espreguiçadeiras da cobertura.

Em outra imagem, três mulheres estão na varanda, uma delas se senta no chão, com a saia esvoaçante e outra chega a estar com pernas para o ar. É curioso notar que, nos anos 1950, o deleite era bem restrito no cotidiano feminino, dedicado ao trabalho doméstico. As fotos de Flieg engendram cenas em prédios que se tornaram símbolos da capital paulista, reproduzidos numa maquete, criada por uma equipe de arquitetos.

Nela, logo se nota a concentração de empreendimentos em Higienópolis, bairro na região central. Ali, está o Edifício Bretagne, que até os dias atuais ostenta o tapete vermelho e um bar, no hall, além de uma marquise sinuosa, no 19º andar, com direito a jardim de inverno. A poucos metros dali, ficam os edifícios Parque das Hortênsias, Louvre e Saint-Honoré. Graças à escala da maquete, os empreendimentos em Santos também não ficam distantes. Nos três prédios, a elite paulistana passava os verões.

"A inauguração desses edifícios era um evento social", diz Giufrida. Jurado reunia atores de segundo escalão, padres e até companhias de dança do ventre para prestigiar essas ocasiões. Não tardaria para a construtora ser corroída pela inflação.

A obra de Artacho Jurado, porém, se integra à paisagem de São Paulo como a cenografia de uma ópera se impõe à plateia dentro do teatro lírico.

Ocupação Artacho Jurado

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