O ex-embaixador Rubens Ricupero disse, em debate neste sábado (29) na Feira do Livro, em São Paulo, que o futuro dos Estados Unidos parece mais ameaçador do que o futuro do Brasil.
O diplomata, que está lançando no evento literário um livro de memórias, pela editora da Unesp, conversou com o jornalista João Paulo Charleaux no auditório Armando Nogueira —no encontro, ele relembrou sua trajetória no Itamaraty e discutiu a situação do mundo.
"Nunca achei que chegaria à idade em que o futuro dos EUA pareceria mais incerto do que o nosso", afirmou ele. "É incrível, mas absolutamente verdade. O debate eleitoral outro dia [entre Joe Biden e Donald Trump] aprofundou essa preocupação."
Já o Brasil, acrescentou, vive um período de relativa normalidade política, depois de quatro anos de instabilidade institucional durante o governo Jair Bolsonaro. "Já o mundo está muito complicado. Amanhã tem eleição na França, e as apreensões são muito grandes."
Neste domingo (30), a França realiza o primeiro turno de uma eleição legislativa, depois que o atual presidente, Emmanuel Macron, decretou a dissolução do parlamento do país. Macron tomou essa decisão depois que o partido dele ficou atrás da ultradireita nas eleições para o Parlamento Europeu.
"A extrema direita nos desvia do grande problema que nos ameaça, o aquecimento global", afirmou o diplomata. "Com outras causas, pode haver retrocessos temporários e ainda haverá esperança de avançar de novo lá na frente. O meio ambiente não."
Já quanto ao Brasil, embora diga não poder ter absoluta confiança, Ricupero demonstrou mais otimismo.
"Não é que eu tenha uma esperança infundada no Brasil. Tenho confiança porque pela primeira vez estamos incorporando à vida ativa contingentes gigantescos que estavam excluídos."
"Se olharmos as pequenas coisas, como o gasto público, há muitos problemas. Mas as grandes correntes que impulsionam a história são outras", afirmou ele, se referindo a questões como direitos humanos, igualdade de gênero e combate à pobreza.
Questionado por uma pessoa da plateia sobre o papel internacional do Brasil hoje, Ricupero disse não acreditar que o país possa ser mediador de grandes conflitos, como as guerras na Ucrânia ou na Faixa de Gaza.
"Na vida internacional, a mediação é algo raríssimo. Normalmente, os países em conflito não querem saber de acabar com o conflito. É preciso que os dois lados queiram, e nenhum dos lados nos conflitos atuais quer", afirmou.
"Além disso, para ser mediador você tem que ser da região. A Turquia era o país que tinha tudo para ser mediador [na guerra da Ucrânia]. Tentou, mas não conseguiu. No Itamaraty, se houver quatro pessoas que falam russo é muito. Como o Brasil vai ser mediador num conflito desses?"
Já no palco principal, ainda no campo da não ficção, os jornalistas Adriana Abujamra e Bernardo Esteves debateram a arqueologia —ela lançou uma biografia de Niéde Guidon, talvez a maior expoente do campo no Brasil, e ele o ensaio histórico "Admirável Novo Mundo", uma reconstituição da ocupação humana nas Américas.
A conversa foi mediada pelo arqueólogo Eduardo Neves, numa inversão curiosa de um acadêmico entrevistando repórteres. Deu certo, principalmente porque a conversa explorou a aproximação algo inusitada da arqueologia com o jornalismo.
"Há uma honestidade com a verdade parecida", afirmou Abujamra. "Você nem sempre tem todas as peças para entender a história inteira daquilo que você encontrou e precisa deixar isso claro."
Esteves diz que às vezes até tem um viés preferido da narrativa —e, de fato, seu livro é sobre as diferentes interpretações que equipes americanas e brasileiras fizeram da história americana—, mas isso não o faz "ser menos rigoroso".
"Tomo cuidado para não fechar um debate em aberto, para mostrar os diferentes aspectos e quem está se posicionando de cada lado."
A Feira do Livro continua até o próximo domingo, dia 7 de julho, com uma programação aberta e gratuita no Pacaembu, em São Paulo. Entre os convidados de maior destaque, ainda falam Camila Sosa Villada, Jamaica Kincaid, Rita Lobo, Martinho da Vila e Stênio Gardel.
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