Descrição de chapéu Artes Cênicas

Balé da Cidade, com novo diretor, dança Tomie Ohtake e obra ofegante de cubana

Nova temporada traz corpo de balé com temas sobre degradação humana e danças ao lado de esculturas

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São Paulo

Esculturas dançantes, pássaros, gritos e uma laje caindo sobre corpos no chão. Com uma dança quase zen e outra meio apocalíptica, o Balé da Cidade estreia sua temporada deste ano no Theatro Municipal de São Paulo nesta sexta-feira.

No programa, há a criação de Eduardo Fukushima e Beatriz Sano inspirada na obra de Tomie Ohtake e a da cubana Judith Sánchez Ruíz, uma coreografia conceitual sobre as crises planetárias, intitulada "Piedad Salvaje".

Cena da coreografia 'Piedad Salvaje', do Balé da Cidade de São Paulo
Cena da coreografia 'Horizonte +', do Balé da Cidade de São Paulo - Rafael Salvador/Divulgação

"Horizonte +", de Fukushima e Sano, começou com um trabalho dos coreógrafos na casa-ateliê da artista visual, em um projeto para o Instituto Tomie Ohtake. As linhas e formas da pintora e escultura dançadas pelos dois se transformaram em partituras de dança e foram tomando outros corpos.

Fukushima e Sano ganharam o primeiro edital externo do Balé da Cidade para a chamada de coreógrafos. Os horizontes cresceram. Inicialmente dançada por seus dois criadores, a coreografia foi adaptada para seis bailarinos, que se apresentaram na cúpula do Theatro Municipal, no ano passado.

Nesta temporada, chega como uma nova estreia, um horizonte ainda mais ampliado —os 30 bailarinos da companhia estarão no palco, dançando ao lado de duas esculturas de Ohtake. "Ela trabalhava com diferentes escalas, desde pequenas pinturas até monumentos. Fomos contaminados por seu trabalho, começamos no pequeno e agora estamos no monumental, que é o palco do Municipal", diz Fukushima.

O monumento dançante é construído de sutilezas e gestos-movimentos minimalistas, que refletem também as influências de práticas asiáticas, base do trabalho da dupla de coreógrafos.

Linhas circulares são criadas no placo; os corpos ondulam, transferindo a todo momento sua base de apoio, num movimento pendular —o mesmo tipo de apoio e efeito das esculturas tubulares criadas por Tomie Ohtake, que estão em cena.

"Ela trabalhava com materiais pesados, criava uma instabilidade exata, precisa, para [a escultura] não cair. Na coreografia, os gestos são muito simples, mas muito precisos", conta Sano.

Trabalhar com essa linguagem corporal foi um desafio. É uma técnica muito diferente da praticada pelo elenco do Balé da Cidade. A criação foi acompanhada de aulas dadas por Fukushima e Sano, com práticas corporais japonesas e chinesas, técnicas de respiração e outras do domínio dos coreógrafos, como as artes marciais e o butô.

Nessa pegada, "Horizonte +" não surge em linha reta, mas de uma forma circular, criada tanto pela repetição dos gestos quanto pela batida da bateria, que acelera e acalma, acelera e acalma, numa paisagem cênica remetendo à natureza e bailarinos que lembram seres aquáticos e recriam a linguagem dos pássaros.

Em contraste com esse pedaço de jardim oriental, a coreografia de Judith Sánchez Ruíz já começa jogando público e bailarinos num caos urbano. Os corpos que se agitam e se embolam na cidade da primeira cena passam então para a parte chamada Gate pela coreógrafa. "É a porta do apocalipse, o planeta está se acabando", diz ela, que visualiza os corpos caindo como campainhas físicas anunciando o fim.

A cubana, que dançou na companhia de Trisha Brown, em Nova York, e na Sasha Waltz & Guests, em Berlim, desenvolve um trabalho baseado na improvisação, para ela uma forma de atrair público para a dança. "A virtuose técnica não é suficiente. É preciso algo mais real e visceral. A improvisação é uma maneira de conseguir isso por ser algo vivo."

Tão vivo quanto os bailarinos ofegantes, em alto e bom som, sem disfarçar o cansaço —ou o desespero desse mundo em ruínas. Não se espera um final feliz. Ruíz conta que, ao começar a criação, não tinha ideia do que seria ou como chamaria, só a certeza de como seria o final —uma plataforma descendo do teto e esmagando os bailarinos sob a estrutura.

A ideia veio de uma percepção subjetiva da coreógrafa –ela precisou operar o joelho e, obrigada a ficar dois meses de cama, se sentiu completamente esmagada. Mas é quase impossível não se lembrar de uma condição bem objetiva da cidade de São Paulo, as famílias em situação de rua vivendo debaixo dos viadutos da capital.

Ruíz não tinha pensado nisso, mas vê coincidência com o nome escolhido para sua obra. O primeiro título pensado por ela seria "Não Somos Inocentes", mas achou muito literal. Chegou então à "Piedade Selvagem" que enxerga na humanidade. "Temos responsabilidade, mas não estamos assumindo", afirma.

As obras da temporada refletem as ideias do diretor Alejandro Ahmed para o Balé da Cidade. Não só pelos conceitos, mas pelo processo de criação junto ao elenco. "Estou aprendendo a criar instrumentos para trabalhar no ritmo imposto à instituição, mas também para mudar esse ritmo, produzir mais densamente e menos quantitativamente", diz.

Seu ideal é ter menos produção de novas obras e mais aprofundamento em cada uma. Segundo Ahmed, esta temporada já atende alguns parâmetros. Além de conseguir um pouco mais de tempo para a criação, os bailarinos puderam se aprofundar em algumas técnicas novas, por meio, por exemplo, das aulas oferecidas por Fukushima e Sano e do contato com a técnica de improvisação de Ruíz.

"Esse processo deixa um legado para o elenco e para o público", afirma. É também, segundo ele, uma forma de tratar as criações não como produtos, mas como construção de informação.

Ahmed assumiu a diretoria artística do Balé da Cidade no ano passado e sabe que seu projeto depende de continuidade –nos últimos quatro anos, a companhia já teve três diretores, Ismael Ivo, Cassi Abranches e o atual. Diz se preocupar com o médio e longo prazo sabendo que pode acontecer qualquer coisa.

"Para isso não me afetar nem em termos de indiferença, nem de frustração total, estabeleço prazos longos para transformações maiores e curtos para conhecimentos densos. A [banda] Sex Pistols só produziu um disco, durou só um ano, mas transformou a música e a cultura. É possível."

'Horizonte +' e 'Piedad Salvaje'

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