Pintura de Lasar Segall perdida por mais de 80 anos é recuperada e ganha mostra

Quadro 'A Viúva', feito em 1920, participou de exposição de arte considerada degenerada pelos nazistas e depois desapareceu

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São Paulo

Se dependesse dos nazistas, o destino do quadro teria sido a fogueira. Mas, contrariando todas as expectativas, "Viúva", pintura de Lasar Segall datada de 1920 e tida por décadas como perdida ou destruída, sobreviveu.

Visto pela última vez em 1939, numa exposição do que o regime de Adolf Hitler chamava de arte degenerada, o óleo, um exemplo do primor expressionista de Segall, havia rodado a Alemanha nos dois anos anteriores como amostra de uma estética a ser eliminada.

'Viúva', pintura de Lasar Segall de 1920 que participou de mostra nazista de 'arte degenerada'
'Viúva', pintura de Lasar Segall de 1920 que participou de mostra nazista de 'arte degenerada' - Divulgação Museu Lasar Segall / Paulo Kuczynski Escritório de Arte

Quis o destino que a obra escapasse da aniquilação cultural nazista e ficasse a salvo por mais de 80 anos, até ser recentemente recuperada em Paris pelo marchand Paulo Kuczynski, que conta ter encontrado a tela, em ótimo estado, no espólio do pintor franco-croata Slavko Kopac.

Agora, o quadro será exibido ao público pela primeira vez desde que desceu da parede de um museu alemão antes da Segunda Guerra. O Museu Lasar Segall, em São Paulo, mostra "Viúva" a partir deste domingo (19), numa exposição que celebra o achado desta relíquia. Junto à pintura estarão uma série de gravuras feitas pelo artista no mesmo período em que criou a tela.

Depois de trazer a obra para o Brasil em 2022, Kuczynski mostrou a tela para o atual diretor do museu na Vila Mariana e outros três ex-dirigentes da instituição —até então, eles só conheciam a pintura por fotografias em preto e branco de livros. Em seguida, o corpo técnico do museu catalogou e autenticou o quadro.

"Fica essa incógnita muito incrível do por que ele foi salvo. Provavelmente pela beleza. Agora, você salvar uma obra durante o nazismo que estava destinada a ser destruída era um ato criminoso. Não se sabe quem salvou. Talvez alguém do Exército [de Hitler] ou alguém do partido [nazista]. Alguém se sensibilizou", diz Kuczynski, numa conversa em seu escritório, com o quadro à vista.

A pintura mostra uma viúva e seus filhos, deixada a sós pelo marido que foi combater na Primeira Guerra. As viúvas, um dos símbolos mais evidentes do sofrimento gerado pelo combate, eram um tema recorrente de Segall —ele também fez diversas gravuras sobre o tema, algumas das quais integrantes do acervo do Museu Lasar Segall e que estarão na mostra.

"Viúva", o quadro, integrou uma exposição da obra do artista em 1920 no museu Folkwang, em Essen, um importante centro dedicado à arte moderna na Alemanha da época. Junto à tela foram exibidos 30 desenhos, 35 gravuras e 15 pinturas.

Naquele momento, Segall vivia em Dresden. Judeu de origem lituana, ele tinha se mudado para a Alemanha em 1906, onde estudou pintura em Berlim. Ao expor no museu de Essen, três anos antes de emigrar para o Brasil, onde se estabeleceria, o artista já tinha um trabalho reconhecido pela qualidade.

"Viúva" ficou em posse da instituição em Essen até 1937, quando o regime de Hitler lança uma campanha contra a arte que considerava degenerada, isto é, fora dos padrões clássicos de beleza que valorizavam a perfeição, a harmonia e o equilíbrio das formas. As vanguardas modernas —cubismo, fauvismo e expressionismo— passaram a ser malditas.

Xilogravura 'Viúva e Filho', de Lasar Segall, de 1922
Xilogravura 'Viúva e Filho', de Lasar Segall, de 1922, que será exposta - Acervo Museu Lasar Segall - Ibram/MinC

"Nenhum quadro será poupado", escreveu Joseph Goebbels, o ministro de Propaganda de Hitler, no momento em que seu esquadrão confiscou cerca de 16 mil obras de arte, dentre as quais 50 de Segall. Uma delas, a pintura "Eternos Caminhantes", também considerada perdida, foi encontrada no porão de uma autoridade nazista depois da guerra.

A exposição em São Paulo durará três meses e, depois, o destino de "Viúva" ainda é incerto, mas há museus interessados, segundo o marchand. "Acho importante mostrar o quadro porque ele sobreviveu à uma época de intolerância extrema, em que o mal venceu. Sobreviveu à queima de todos os livros e ao holocausto das obras de arte", afirma Kuczynski.

"E a gente vive uma época de ressurgimento da intolerância. A resistência do pensamento livre é muito importante. A resistência que a obra de arte faz é muito importante."

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