Descrição de chapéu teatro

Peça de amigos de Caio Fernando Abreu encena textos raros do escritor

Montagem em cartaz no teatro Viradalata adapta crônicas cáusticas e divertidas do gaúcho escritas para a revista AZ

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São Paulo

Luís Artur Nunes e Roberto Camargo, diretor e ator, se reuniram para fazer a peça "Caio em Revista" sem o apoio de patrocinadores. Para contar um outro lado de Caio Fernando Abreu, que foi amigo dos dois, eles tiveram a ajuda de Alexandra Golik, que cedeu um espaço no seu teatro Viradalata, e Patrícia Vilela, que os apoiou com sua produtora Colaatores, e de mais um punhado de amigos. O figurino foi improvisado com peças do guarda-roupa do ator.

Nas lembranças de Nunes e Camargo, o autor de "Morangos Mofados" aparece como um homem cativante, com um senso de humor fantástico e facilidade para fazer amigos, muito distante da angústia que permeia sua obra literária. "Caio em Revista" surge da vontade do ator de mostrar esse lado do amigo. Ele encontrou um caminho em textos de Caio para a revista AZ, sucesso carioca coordenado por Joyce Pascowitch, que ele guardava desde os anos 1980.

Roberto Camargo na peça "Caio em Revista", dirigida por Luís Artur Nunes
Roberto Camargo na peça "Caio em Revista", dirigida por Luís Artur Nunes - Rafa Marques/Divulgação

Esses textos, Nunes acredita, eram um espaço de descontração para o escritor, tão meticuloso em sua obra literária. Mesmo feitas a contragosto, as crônicas carregam a genialidade do autor. Oito delas, que ainda não foram reunidas em livro, sobem aos palcos com o ator, que interpreta dois personagens.

O primeiro faz vezes de Caio, apesar de, ele afirma, não haver quaisquer esforços para replicar os traços e trejeitos do amigo. Para a segunda, o ator se transforma em Nádia de Lemos, materialização do pseudônimo feminino de Caio, que declama textos assinados por ela e por sua colega, Terezinha O'Connor, outra criação do escritor.

Como espécies de drag queens literárias do escritor, que já se disse o Ney Matogrosso da literatura, as suas vozes femininas amplificam o humor cáustico e certa afetação divertida que permeiam todos os escritos. Sob as três assinaturas, ele disserta sobre sexo, bolero, e explica ao leitor desavisado o que são gentalhas e najas —que não são cobras.

"Nós que o conhecemos, escutamos a voz do Caio o tempo todo dizendo essas coisas mais pessoais e poéticas ou as mais satíricas e paródicas", diz Nunes. O diretor da peça conta que conheceu Caio ainda na adolescência, quando o amigo veio de Santiago para morar em Porto Alegre. A dupla venceu o finado prêmio Molière, pela peça "A Maldição do Vale Negro", em 1988. Com o troféu, ganharam também uma viagem à França, onde Nunes aproximou Camargo de Caio.

Camargo foi aluno do diretor em Porto Alegre e já havia atuado em algumas de suas peças —depois, se tornaria seu assistente de direção. Quando Nunes foi a Paris, ficou na casa do ator. Ele encontraria Caio em Londres pouco tempo depois e, sabendo que um amigo era muito fã do outro, prometeu mencionar Camargo ao escritor.

Um dia, algum tempo depois, Camargo ouviu seu telefone tocar na capital francesa. Era Caio, que queria vê-lo. "Aí a gente se encontrou, eu fui na casa do amigo dele, onde ele estava hospedado, a gente passou uma tarde inteira juntos." Os dois voltaram a se ver em Paris.

"Falando assim parece tão normal, mas foi meio inacreditável, porque eu era muito fã do Caio. Conhecer um escritor não era como hoje, que a gente tem mais acesso às pessoas."

De volta ao Brasil, eles se encontrariam mais vezes entre São Paulo, onde Caio morava, e o Rio de Janeiro, onde Camargo se instalou. Depois, se viram em Porto Alegre, para onde o escritor se mudou e ficou até morrer, em 1996, aos 47 anos, de Aids.

É nessa cidade que foi feita a única fotografia de Camargo com Caio, tirada no aniversário do ator, em que os dois aparecem junto a amigos. "Quando eu conto que conheci Caio, as pessoas falam, ‘você tem foto?’ Não, a gente não tirava foto de tudo. Ninguém andava com uma máquina fotográfica", diz Camargo.

"É a única que eu tenho com o Caio. Ele já estava doente, mas ele não dava a menor bola", interrompe Nunes. "Ele dizia, ‘eu vou morrer, por que eu vou me cuidar?’ A imagem que eu tenho dele é com um cigarro na mão e com uma xícara de café preto na outra. Quando não Jack Daniels, né?"

Nunes chegou a morar com Caio e conta que melancolia e jocosidade sempre fizeram parte da personalidade do escritor. No apartamento dos dois em Porto Alegre, ele diz, havia dias em que o amigo se enchia de calmantes e se trancava no quarto, para só acordar no outro dia.

Para Camargo, o interesse pela obra de Caio continua existindo por causa da forma como o amigo se adiantou a seu tempo. "Caio já falava dos assuntos que passaram a ser falados muito depois. Ele já tinha as preocupações com a ecologia, com todo o misticismo. Ele expressa inquietações que ainda são palpitantes", diz Nunes.

Caio em Revista

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