Descrição de chapéu DeltaFolha

Livros 'tijolões' perdem espaço entre mais vendidos, aponta levantamento

Obras com mais de 400 páginas foram de 47% a quase zero entre os best-sellers de ficção no Brasil de 2014 a 2023

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

0

Obra da artista plástica Marilá Dardot Divulgação

São Paulo

Os calhamaços vêm perdendo espaço entre os livros mais vendidos no Brasil.

Levantamento da Folha feito a partir de dados da Nielsen Bookscan, que monitora vendas físicas e virtuais de obras literárias no país em redes de varejo como a Amazon, mostra que, de 2014 a 2023, a porcentagem de obras com mais de 400 páginas entre os 20 títulos de ficção mais vendidos no ano foi de 47% para praticamente zero.

A tendência se repete nas listas de best-sellers de ficção do PublishNews, portal especializado na cobertura no mercado literário. Se em 2014 os livros de mais de 400 páginas respondiam por 30% do compilado anual do veículo, que considera apenas vendas físicas em 39 redes e livrarias, em 2023 eles eram cerca de 11% das obras da lista.

Em contrapartida, livros de até 350 páginas vêm ganhando força: segundo dados de ambas as plataformas, a presença desses volumes de tamanho médio entre os mais vendidos foi do intervalo de 10% a 15% para o de 35% a 40% ao longo da série histórica.

O fenômeno não se restringe ao Brasil. Um relatório da plataforma americana WordsRated que examinou listas semanais dos livros mais vendidos de ficção e não ficção do jornal The New York Times ao longo da década passada indicou que, também nos Estados Unidos, os tijolões com mais de 400 páginas vêm sendo deixados de lado.

Assim, de 2011 a 2021, esses exemplares deixaram de compor uma média de 54% das listas para responder por 38% delas, uma queda de 30%.

0
Obra da artista plástica Marilá Dardot - Divulgação

A mesma pesquisa, que leva em conta apenas os três primeiros títulos dos rankings semanais do jornal, ainda indicou que, no cômputo geral, os best-sellers perderam aproximadamente 52 páginas no período analisado, de 438 para 386.

Teorias para explicar esse movimento não faltam, indo da diminuição da capacidade de foco pelo excesso de estímulos da vida contemporânea até a reputação crescente de obras literárias curtas, como as da francesa Annie Ernaux, vencedora do Nobel de Literatura em 2022.

Uma reportagem da revista americana Esquire chegou a brincar que 2023 era o "o ano dos livros finos", afirmando que textos menores como novelas, contos, coletâneas de poesia e obras experimentais estavam "enfim ganhando o reconhecimento" que mereciam.

Profissionais do mercado literário brasileiro consultados pela reportagem citam, no entanto, uma explicação menos abstrata: o preço do livro. A inflação que sucedeu a pandemia foi especialmente sentida pelas editoras devido à alta do custo do papel.

A solução encontrada por muitas delas foi repassar uma parte desse valor aos consumidores, ainda que na maioria das vezes precificando os produtos abaixo da inflação. E, via de regra, livros maiores custam mais caro —não só pela quantidade de papel, mas também devido ao aumento de gastos com tradução e revisão, em geral cobrados por lauda.

Nesse sentido, os leitores não estariam exatamente em busca de textos mais curtos, e sim de produtos mais baratos.

"Nas experiências em que temos mais contato direto com o público, como a Bienal, nunca vi alguém chegando e falando: 'Vocês têm um livro de até 200 páginas?' Mas já vi gente perguntando: 'Vocês têm um livro de até 20 reais?'", exemplifica Izabel Aleixo, editora da LeYa Brasil.

Rebeca Bolite, editora-executiva da Intrínseca, faz um diagnóstico semelhante. "Não acho que tenha a ver com o engajamento na leitura", diz ela, acrescentando que, de acordo com os próprios levantamentos da reportagem, a maioria dos títulos de ficção mais vendidos no ano passado tem entre 300 e 350 páginas. "São livros grandes. Mas que estão sendo precificados com um valor um pouco menor que aqueles com mais de 400 páginas."

Ela ressalta ainda que, na Intrínseca —que publicou, entre outros best-sellers, a trilogia "Cinquenta Tons de Cinza", de E. L. James, com tomos de mais de 500 páginas cada um— a extensão dos livros não é um fator mais relevante para a aquisição de um título hoje do que no passado.

"Não limitamos a criatividade do autor. Se um calhamaço se sustenta, será publicado. O mesmo vale para os livros curtos e as novelas. O importante é, independentemente do tamanho, a obra ter consistência", concorda Ana Lima, editora-executiva da Rocco.

Outra explicação aventada por editores é a disputa da literatura com as tantas opções de entretenimento disponíveis hoje. Evidência disso seria que, nos dados da Nielsen e da PublishNews, se observa um aumento da porcentagem de livros com mais de 400 páginas entre os best-sellers em 2020 e 2021, durante a pandemia, quando essa competição diminuiu.

A pesquisa do WordsRated corroboraria essa teoria ao indicar que os números de páginas dos best-sellers nos EUA tendem a aumentar ou diminuir dependendo da estação. Os títulos nos rankings publicados pelo New York Times no outono e no inverno têm em média 427 páginas, 35 a mais dos que os que aparecem na primavera e no verão, que têm cerca de 392 páginas.

Além disso, parte dos especialistas sugerem que a lógica das redes sociais contribui para a tendência, uma vez que exige de seus usuários uma velocidade de produção de conteúdo cada vez maior. Nesse sentido, ao ler mais livros em um espaço menor de tempo, um booktoker teria assunto para mais vídeos no seu canal do TikTok.

É um movimento diferente do audiovisual, onde são cada vez mais comuns filmes e séries mais longos. No Oscar do ano passado, como mostrou levantamento da Folha, a duração média dos indicados à estatueta passou das duas horas e 24 minutos. Já no streaming, novos hábitos de maratonar formaram um público mais tolerante às várias horas diante das telas.

Soma-se a isso a "gamificação" da leitura proposta por plataformas como o Goodreads, no qual usuários estabelecem uma meta de obras a serem lidas no ano. Quando chega dezembro, não é raro ver influenciadores recomendando romances com menos de cem páginas para que seus seguidores completem o desafio.

Os editores afirmam, porém, que pelo menos um gênero ficcional escapa a essa lógica —a fantasia. "Para criar um universo, desenvolver personagens, é preciso páginas", afirma Bolite, da Intrínseca.

Vale notar que, porque muitos títulos desse universo integram outra seção dos rankings de mais vendidos, de literatura juvenil e infantojuvenil, eles não foram incluídos na análise da Folha.

Assim, embora sagas como "As Crônicas de Gelo e Fogo", de George R. R. Martin, e "Trono de Vidro", de Sarah J. Maas, constem no levantamento, "Percy Jackson", de Rick Riordan, por exemplo, ficou de fora. Também não foram levados em conta histórias em quadrinhos e boxes —cada título foi considerado individualmente.

Por fim, a maioria dos editores lembra que o mercado de livros é não só cíclico, como famoso por suas surpresas. Cassiano Elek Machado, publisher do Grupo Record, dá como exemplo o caso de "Um Defeito de Cor", de Ana Maria Gonçalves.

O livro, que chega perto das mil páginas e foi lançado há quase duas décadas, esgotou depois que a escola de samba Portela apresentou um desfile de Carnaval baseado em sua trama em fevereiro. "Não conseguimos prever o que vai acontecer", diz ele.

É algo também levantado por Otavio Marques da Costa, diretor editorial da Companhia das Letras, que diz não observar diminuição de páginas entre os títulos lançados pela casa. "Acho que os livros estão aí para justamente contradizer tendências ou vogas como essas."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.