Festival de Cannes imagina filme feito por inteligência artificial em sua abertura

'The Second Act', que não compete pela Palma de Ouro, tem Louis Garrel e Léa Seydoux em trama que descortina o cinema

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Cannes (França)

O Festival de Cannes não é conhecido exatamente pelos critérios refinados na hora de escolher seus filmes de abertura. A sensação é de que, com tanta energia posta na seleção competitiva, o longa que dá o pontapé no evento acaba estando lá por força da influência de seus realizadores e pelo óbvio protecionismo francês com sua produção.

Louis Garrel em cena do filme "The Second Act", que abre o Festival de Cannes de 2024
Louis Garrel em cena do filme "The Second Act", que abre o Festival de Cannes de 2024 - Divulgação

Nesta terça-feira (14) não foi diferente. Cannes abriu sua 77ª edição com o simpático "The Second Act" –"Le Deuxième Acte", ou o segundo ato, no original–, de Quentin Dupieux, cineasta francês que já tinha levado "Rubber, O Pneu Assassino" à mostra paralela Semana da Crítica e "Fumar Causa Tosse" às sessões da meia-noite.

Simpático porque não é um filme que dá a sensação de estar abrindo o evento com chave de ouro, de estar pondo nas telas um espetáculo cinematográfico. É o que costuma acontecer quando se escolhe um longa fora da competição para a abertura –o último a tentar a Palma de Ouro foi "Annette", há três anos, de uma teatralidade arrebatadora.

A escolha desta edição vem no rescaldo do constrangedor "Jeanne du Barry" do ano passado, que por ironia trazia Johnny Depp, pouco após o divórcio hipermidiático de Amber Heard, carregado de acusações de violência doméstica, numa trama que se propunha feminista, na corte de Luís 15. O título ao menos atraiu uma boa quantidade de holofotes para Cannes.

"The Second Act" está distante das intrigas palacianas e dos visuais hiperbólicos do antecessor, mas talvez seja ainda mais arriscado. No filme, Dupieux descortina o cinema e tece uma curta –são apenas 80 minutos– reflexão sobre o estado desta arte tão querida aos franceses.

Assim, emenda discussões que vão da manipulação sentimental das telas à contrastante frieza de algumas estrelas fora de cena. Não fogem do roteiro comentários sobre o movimento MeToo, a cultura do cancelamento, o politicamente correto, os algoritmos das plataformas de streaming, a decadência das salas de cinema e a inteligência artificial cada vez mais presente. Enfim, um pot-pourri de caos cinematográfico.

A equipe do filme "The Second Act" na abertura do Festival de Cannes - Loic Venance/AFP

Por isso mesmo "The Second Act" se aproxima mais do filme de abertura escolhido por Cannes em 2022, quando Michel Hazanavicius —neste ano na competição de longas— levou às telas "Coupez!", outro comentário bem-humorado, embora menos pretensioso, sobre a sétima arte.

Ambos podem soar um tanto bobinhos para um evento tão sério quanto a mostra de cinema mais importante do mundo, mas não encontram dificuldade para fazer rir, mesmo que no fim deixem um gosto um tanto amargo para o espectador.

Os longas não sabem muito bem como encerrar a trama sem trama que se propuseram a narrar. E por mais que queiram levantar reflexões pertinentes, acabam sendo um tanto esquecíveis —"Coupez!" não chegou ao Brasil até hoje, vale dizer.

Ao menos "The Second Act" garantiu um tapete vermelho abastado para a abertura desta edição. O filme, afinal, é estrelado por quatro das estrelas mais reluzentes da constelação do cinema francês contemporâneo, Vincent Lindon, Louis Garrel, Léa Seydoux e Raphaël Quenard.

O quarteto vive o elenco de um filme ficcional, o primeiro projeto escrito e dirigido por inteligência artificial, nos diz um dos personagens em determinado momento.

Mas, ao mesmo tempo, eles interpretam também um pai e uma filha que vão se encontrar com o pretendente a namorado dela, que por sua vez está levando ao jantar um amigo, para que quer empurrá-la na esperança de se livrar dela.

Essa segunda trama está dentro da primeira, trazendo, assim como "Coupez!", um filme dentro de um filme. "Nós vamos ser cancelados", adverte o personagem de Garrel olhando para a câmera, quando o de Quenard sai do roteiro para questionar se a moça que vai conhecer é trans ou uma pessoa com deficiência.

Logo em seguida, depois de uma suposta briga entre os atores do filme, Seydoux vai ao banheiro com Quenard, que tenta beijá-la e ouve dela que aquilo é assédio sexual, que ela poderia enterrar sua carreira em meio ao MeToo.

São vários e interessantes os comentários feitos por "The Second Act", que fez o público desta terça rir sem esforço. O filme só parece descolado do que esperamos para a primeira olhadela de um festival tão prestigiado e glamoroso, mas isso parece ser algo com que os "festivaliers" terão que se habituar.

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