No tempo em que a direita não ousava dizer seu nome, existiu no Brasil Paulo César de Farias, vulgo PC Farias, caixa de campanha de Fernando Collor, primeiro presidente eleito depois do período militar, que governou entre 1990 e 1992.
Diferente de outros caixas de campanha, PC era um personagem público. Amigão de Collor e seu homem de confiança; eminência parda do governo. Todos os negócios passavam por ele.
Os mais jovens talvez nem saibam mais de quem se trata. PC ficou no tempo, como parte de um momento que a memória nacional quis deixar de lado. Aí, justamente, começa o "Morcego Negro". Nos esquecemos de PC, da cafonice da Casa da Dinda, de sua política estapafúrdia.
Talvez esquecer seja um erro. O filme nos conduz de volta a um tempo exótico, em que existiu uma Casa da Dinda, com toda sua cafonice, cachoeiras e tal. Visto à distância, um tempo que nem foi tão exótico assim. Diz o próprio PC que durante aquela campanha de 1989 chovia dinheiro. Banqueiros, industriais, todo mundo queria colaborar, ou "colaborar" —tanto faz.
Collor gastou à beça, mas ainda sobrou um monte. É dessas sobras de campanha que se origina boa parte da lenda e da fortuna de PC, assim como seus problemas. Como dizia o próprio PC que "o bom é ser rico, não ser conhecido". Rico e famoso, cercado de desconfiança por todos os lados, conseguiu um pouco de sossego depois do impeachment de Collor.
Sossego é modo de dizer: é nesse momento que se intensifica sua vida de negócios. E, negócios envolvendo dinheiro, contatos misteriosos aqui e no exterior, doleiros, máfia. Sua vida parece um filme de aventuras, em que o tempero, no entanto, é bem brasileiro.
Para resumir, Paulo César Farias foi um personagem menor e um homem insignificante. Alguém o chama de "aventureiro" e provavelmente tem razão,
No entanto, existe o filme. Se Chaim Litewski e Cleisson Vidal foram atrás de um homem tão comum quanto PC é porque descobriram nele uma qualidade particular. Por PC, seus negócios escusos, seus doleiros amigos, banqueiros estrangeiros e, por fim, contatos mafiosos são muito mais do que um assunto pessoal.
Ou seja, esse homem banal e sua trajetória ilustram de maneira escandalosa o negocismo brasileiro, que acabou por levar ao surgimento de novas leis capazes de conter um pouco a orgia de doações de campanha "anônimas" (isto é, de que nós não tínhamos conhecimento, mas os receptores, sim), o que não evitou a desmoralização da politica e dos políticos, nem ao fim da corrupção.
O impeachment de Collor, "em vez de passar o país a limpo", como se dizia na ocasião, parece ter dado em outra coisa. "Descobrimos a destruição de reputações como meio de resolver os problemas", diz alguém no filme. Ou de fingir que resolvemos.
Litewski e Vidal conseguiram captar essa estranha maneira de ser do poder nacional, que consiste em tudo mudar para que nada mude.
Visitar a vida, os negócios e a morte de PC Farias, observar como um homem qualquer chegou a personagem do país, o que mudou desde sua morte —e como continua tudo igual, mas de um jeito diferente— é uma lição inútil, mas instrutiva, sobre o país.
Por fim, é preciso explicar o título "Morcego Negro". Trata-se do nome dado ao luxuoso jato, aliás branquíssimo, em que se deslocava PC Farias. Como os morcegos, voava guiado por uma intuição formidável de onde encontrar dinheiro e parceiros, não raro bem duvidosos.
Quanto a Fernando Collor dá depoimento ao filme, mas hoje é um homem bem distante do famoso, à época, caçador de marajás, que perseguia funcionários com salários ou benefícios bem acima do normal. Fala de PC com distanciamento e cautela, embora sempre o nomeie como Paulo César, um sinal da antiga amizade que não apaga.
Também ao espectador contemporâneo, PC parecerá estranho. Os segredos que levou para o túmulo já não interessam. Mas, como para Collor, ele é mais que uma pessoa banal. É o signo evidente e doloroso de métodos de enriquecimento e dominação que o Brasil resiste a sepultar.
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