Dani Calabresa diz que hoje consegue trabalhar em paz. Em entrevista, ela parece querer deixar de lado o caso que a acompanha há quatro anos, desde quando se tornou uma das seis mulheres da TV Globo que acusaram o ex-diretor da emissora Marcius Melhem de assediá-las sexualmente.
O humorista, hoje réu sob a acusação de assédio sexual contra três mulheres —as atrizes Carol Portes e Georgiana Goes, além de uma editora da Globo—, nega as acusações. Melhem diz, em entrevistas e nas redes sociais, que vídeos e áudios de cunho sexual que ele trocava com as mulheres são provas de que as relações seriam consensuais.
"Agora consigo exercer minha profissão sem sofrimento. Minha preocupação é estar bem no palco", diz Dani, que estreou como atriz de musical em "O Jovem Frankenstein", que estreia no Teatro Bradesco, em São Paulo, na sexta-feira, depois de uma temporada no Rio de Janeiro.
No papel de Elizabeth Benning, noiva do protagonista, o neurocirurgião Frederick Frankenstein —interpretado por Marcelo Serrado—, Dani exerce seu humor à risca, com tiradas inteligentes e sem perder o tom nos números musicais, nos quais dança se equilibrando em sapatos com saltos altos e ostentando uma vistosa peruca ruiva que a faz sentir a Ariel de "A Pequena Sereia", mas da rua 25 de Março.
"Sinto um alívio. É como terminar um namoro com a promessa de nunca mais repetir", diz Dani, ainda sobre o caso Melhem. "O que a Justiça decidir que seja. Já sofri mais do que devia com essa história. Eu queria trabalhar sem chorar e consegui."
A denúncia se tornou pública em 2020, em uma entrevista da advogada das atrizes, Mayra Cotta, à colunista Mônica Bergamo. Na época, os nomes foram mantidos em sigilo, pois nenhuma delas estava decidida a se expor e nem todas se dispunham a levar o caso à Justiça.
Mas o de Dani já tinha vindo à tona, no fim de 2019, em reportagens que citavam uma denúncia que ela havia feito contra Melhem no compliance da Globo. Quem levou o caso à Justiça, no entanto, foi Melhem, em janeiro de 2021, quando ele a processou por dano moral.
"A situação me fez sofrer muito. Foi algo muito injusto, porque tenho uma vida e uma carreira e não foi algo que eu fiz e que, por isso, teria de responder pelo ato", diz ela.
A suposta importunação sexual que Melhem teria cometido prescreveu, visto que o caso teria ocorrido em 2017, e a lei que versa sobre o crime foi criada em 2018.
Para Melhem, no entanto, sua inocência não se baseia na prescrição. Ele argumenta que, no início do caso, a advogada do grupo afirmou à imprensa que ele teria tentado estuprar Dani —um crime que, por já existir na época, não teria prescrito—, mas mudou a acusação para importunação sexual, justamente para evitar, diz ele, um julgamento.
Melhem se tornou réu na Justiça, em setembro passado, sob acusação de assédio sexual contra parte do grupo. Duas atrizes e uma editora da Globo dizem que ele as abordou sexualmente durante conversas sobre roteiro, elenco e papéis que seriam atribuídos às atrizes em uma produção da Globo. "O meu sentimento é de indignação absurda", disse Melhem, em entrevista, ao se tornar réu.
"Meu alívio é que minha denúncia foi acatada dentro da Globo. Isso foi minha vitória", diz Dani, em referência à demissão de Melhem da emissora. Ela também deixou de ter contrato fixo com a Globo em 2022, mas segue fazendo trabalhos pontuais.
O compliance da Globo, no entanto, disse à Justiça que, em investigações internas, as acusações contra Melhem não foram comprovadas, em resposta a uma ação do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro.
"Perceber algo desagradável é muito difícil. Uma relação errada, um comportamento errado, faz com que a gente tende a buscar a culpa dentro de si, especialmente as mulheres. Não podemos normalizar o abuso de forma alguma, em situação nenhuma, em lugar nenhum. Não se pode culpar a vítima."
Segundo Dani, o movimento Me Too de mulheres nos Estados Unidos que resultou em uma série de processos por assédio sexual contra o ex-produtor Harvey Weinstein é importante, mas representa uma lenta evolução.
"Foi um passo de formiga, pois ainda há quem questiona as mulheres que aceitaram ir ao quarto dele, [de Weinstein], para ler um roteiro. Era o convite de um diretor, de um produtor. Como não confiar? Ainda há muitas camadas de julgamento."
Ela diz que o que a animou a aceitar o convite dos diretores e produtores Claudio Botelho e Charles Möeller a participar de "O Jovem Frankenstein" é o olhar atualizado e menos machista do espetáculo.
Inspirado no filme dirigido há 50 anos por Mel Brooks, que também criou a versão da Broadway, em 2007, o espetáculo parte do universo dos filmes de terror para construir uma sátira marcada pelo deboche.
É o caso da presença de personagens insólitos, como Igor —vivido por Fernando Caruso—, servo corcunda e de olhos esbugalhados que troca a posição da corcova nas costas para confundir as pessoas. Ou de Frau Blücher, papel de Totia Meireles, a intimidadora governanta cujo nome, ao ser dito em voz alta, faz os cavalos relincharem.
"É um musical complexo, com qualidades como a estética do terror e o tempo da comédia absurda do Mel Brooks, que é uma dos melhores do mundo", diz o diretor. "Ao contrário do original, no qual os papéis femininos eram secundários, aqui elas têm o poder de mudar o rumo da trama", acrescenta Dani, que se inspirou na comediante Madeline Kahn, intérprete de Elizabeth no filme.
"Ela traz a malícia necessária para a personagem", afirma a atriz, acrescentando que só se sentiu segura para participar da produção após consultar o fonoaudiólogo Gilberto Chaves. "Ele me convenceu de que tenho voz e fôlego para fazer as muitas sessões da peça durante a semana."
Integrante de um grande time de comediantes brasileiras, Dani credita seu sucesso à atuação de Dercy Gonçalves. "Ela abriu uma passagem para artistas como eu justamente por ter um jeito único e espontâneo de falar, com uma naturalidade de mesa de bar e com a liberdade de berrar à vontade", diz ela, ainda cética, porém, em relação à paridade de gêneros na arte.
"Continuamos lutando para mostrar que a mulher consegue fazer igual ou até melhor do que muitos homens, daí a existência hoje de mulheres roteiristas, diretoras, produtoras, cenógrafas, todas com qualidade. Mas ainda são pequenas bolhas que surgem no meio."
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