Pode ser ressaca da pandemia, que deixou todos presos em casa nos fins de semana por meses, mas talvez seja só a idade chegando. Fato é que muita, mas muita gente agora prefere sair cedo para a balada, como atestam as várias festas em São Paulo nas quais as caixas de som são ligadas às cinco da tarde, praticamente o horário do chá.
A vontade de não seguir até altas horas e voltar cedo para casa ficou óbvia na noite da capital paulista em 2023, a exemplo da festa Deck —comandada pelo sempre alto-astral DJ Zé Pedro e pela referência clubber Johnny Luxo—, que já anuncia no flyer seu horário de término, dez da noite.
Outro rolê no qual as luzes se apagam por volta da uma da manhã é o Desaniversário, frequentado pelo povo da comunicação, da moda e da música com mais de 35 anos em busca de hits dos anos 1980 e 1990.
A festa, um dos destaques do ano, tem uma característica peculiar. Ela acontece na área externa de um restaurante junto à entrada do estádio do Pacaembu, com a pista de dança ao ar livre —ou seja, o povo se diverte diante da arquitetura art déco do prédio, ocupando também um trechinho da praça Charles Miller.
A poucos quilômetros dali, o reinaugurado Paribar, agora chamado Gaspar, também reuniu centenas de pessoas em festas na rua nos fins de semana, para beber cerveja e ouvir os DJs de música eletrônica mais legais do momento. Foi uma reocupação da praça Dom José Gaspar depois de anos de decadência.
Justamente por tomar o espaço público, a proposta do Gaspar foi democrática por alguns meses, atraindo curiosos que passavam pela rua e vendedores ambulantes, que competiam no preço da cerveja com o bar da casa.
Contudo, depois de alguns meses o Gaspar instalou um tenebroso cercadinho para separar seus frequentadores do movimento da praça e começou a cobrar o valor de uma água para entrar, atitudes que mataram um pouco o clima de uma festa que dialogava com a cidade numa São Paulo onde isso quase não existe mais.
Numa metrópole de 12 milhões de habitantes conhecida pela riqueza de sua vida noturna, a proliferação de festas que acontecem mais cedo não impediu que as baladas clássicas, que começam tarde e só terminam quando você toma café da manhã na padaria, seguissem com fila na porta.
No Madame Satã, o casarão gótico da Bela Vista, a turma vestida de preto dos pés à cabeça varou madrugadas ao som de The Smiths, The Cure e Depeche Mode numa pista tão escura quanto uma caverna, iluminada apenas pelo piscar incessante de um foco de luz e onde os frequentadores viram vultos em meio à fumaça do gelo seco.
Muita gente não sabe que este lugar clássico da noite paulistana ainda existe, mas o clube completou 40 anos em 2023 com suas pistas e bares lotados, não só pela sua relevância histórica e cultural, mas também porque virou um polo de shows de bandas contemporâneas de synth-pop e pós-punk, em festivais promovidos pelo selo Wave Records.
Em 2023, uma balada que cresceu e ocupou seu espaço foi a Versa. A cada edição, a festa cria uma comunicação para o Instagram que dá o clima, em diversos posts antecipados, do que a noite em si vai ser. A preocupação com a parte visual é uma assinatura de seu fundador, Gabriel Brugnara.
Por exemplo, na noite em que o duo gótico Boy Harsher se apresentou na Versa em um galpão lotado na Barra Funda, um telão na vertical no fundo do palco transmitia imagens da banda em preto e branco, ao vivo, numa estética meio nouvelle vague. Na Versa, o que se vê é tão importante quanto o que se ouve.
Quem sai para dançar acompanhou também o nascimento de dois inferninhos —o Pantera, na Barra Funda, com noites de rock e música eletrônica tentando abocanhar o público que lota os bares do bairro, e o Mitocôndria, um boteco despretensioso no Cambuci, fora do circuito habitual, onde o DJ toca com a mesa de som montada sobre caixas de cerveja.
Este ano foi também a prova de que São Paulo virou parada obrigatória para os grandes festivais de música eletrônica, como Dekmantel, Time Warp e DGTL, que parecem ter entrado de vez no calendário da cidade. Além disso, o Tomorrowland voltou a acontecer no Brasil depois de vários anos de hibernação.
As expectativas para o festival belga estavam nas alturas, porque o evento é uma das maiores celebrações da música de pista do mundo, onde todo DJ quer tocar e todo clubber quer dançar. Mas o retorno ao país foi marcado pelo lamaçal que tomou conta da fazenda Maeda, em Itu, no interior paulista, logo no primeiro dia do festival, devido às fortíssimas chuvas, estragando a diversão da galera.
O barro foi tanto que os organizadores cancelaram o segundo dos três dias de festival, sob críticas de que a estrutura não era suficiente para o volume de frequentadores e não dava conta das intempéries climáticas. Independente disso, o último dia do evento foi um sucesso e o Tomorrowland já confirmou sua edição para o ano que vem no Brasil.
Com tantas opções de balada, a vida noturna de São Paulo está cada vez mais atomizada, com festas voltadas para nichos específicos que não se misturam. Cada rolê tem seu público, seus códigos de vestuário e comportamento e seu som.
Diferentemente da década de 1990 e dos anos 2000, não há mais aquele clube referência aonde todo mundo vai, onde se tem a certeza de que os DJs vão tocar o que você espera ouvir e sua turma estará lá.
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