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Moda

Vivienne Westwood desancou a realeza com toda a sua rebeldia punk

Estilista morta aos 81 foi símbolo do movimento underground e fez peças que desmontaram os hábitos aristocráticos

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São Paulo

Morta nesta quinta-feira, a rainha do punk Vivienne Westwood disse certa vez que suas criações eram pensadas para um universo paralelo. Um mundo que não existe, mas que, certamente, é melhor do que a realidade material.

"Tenho uma perversidade inata, uma espécie de relógio intrínseco que reage contra a qualquer ortodoxia", afirma ela no livro "England’s Dreaming", de Jon Savage. É desse lugar que a estilista britânica partiu para fazer alguns dos looks mais icônicos do século passado.

mulher idosa com maquiagem em desfile
A estilista Vivienne Westwood em 4 de março de 2017 - Benoit Tessier/Reuters

Com peças que aludem à estética aristocrata europeia e a valores totalitários, Westwood deu forma ao zeitgeist underground dos anos 1970 e ressignificou a pulsão da contracultura que cercava a juventude da década anterior.

Se antes os hippies falavam em paz e amor para frear guerras e questionar os bons costumes, os punks chegavam para levar agressividade à rebeldia. Seja pela criação do símbolo anarquista ou pelas roupas que desmancham o ideal da realeza britânica, Westwood fez jus ao movimento.

Uma de suas peças mais famosas é a camiseta estampada com o rosto da rainha Elizabeth 2ª. Nela, os lábios da monarca surgem amordaçados com uma tarracha —imagem semelhante à capa de "God Save the Queen", dos Sex Pistols, banda que, aliás, foi cliente da Let It Rock, loja punk de seu então parceiro, Malcolm McLaren, que vendia as roupas Westwood até ser rebatizada Sex pelo casal.

"Eu não me via como uma designer de moda, mas como alguém que queria confrontar o podre status quo, vestindo a mim e aos outros", afirma a estilista em sua biografia homônima, assinada por ela e por Ian Kelly, de 2016.

Com esse olhar, Westwood fez roupas se apropriando de símbolos de monarquia, poder, religião e até mesmo do nazismo —o que, na época, detonou críticas a ela.

Uma de suas camisetas trazia a suástica, o maior signo do nazismo. A figura aparecia ao lado da palavra "destroy" —destrua, em inglês—, de uma rainha e de Jesus pregado numa cruz invertida. Para justificar a peça controversa, a estilista dizia que a ideia era justamente estimular a repulsa a regimes fascistas.

Vivienne Westwood usa blusa com suástica
A estilista Vivienne Westwood com peça controversa de sua carreira - Reprodução

Nos anos 1980, Westwood se jogou de vez no simbolismo e apostou em looks de alta-costura que emulam facetas monárquicas, adaptados a um visual moderno. Daí brotaram coleções que soam quase como uma ironia fashionista.

A era vitoriana, por exemplo, foi referência para sua minicrini, saia arredondada em forma de sino que reformula a crinolina tão marcante do período e dá a ela um tom sexy.

As roupas da estilista também aludiram à estética de realeza com peças como mantos, tecidos em veludo e blazers vermelhos semelhantes ao de soldados ingleses.

O recorte de alguns de seus looks que olham para o passado também foi uma maneira de ressignificar o luxo esbanjando por aristocratas do século 19. Isso porque a tesoura de Westwood brincou com silhuetas assimétricas.

mulher usa vestido verde que remete à realeza
A modelo Linda Evangelista em desfile da estilista Vivienne Westwood, em 16 de outubro de 1995 - Pierre Verdy/AFP

Além das roupas, a estilista também levou os livros de história às passarelas. Um de seus desfiles de 1995 trouxe a modelo Kate Moss de topless, sorvete nas mãos e rosto pintado como o da imperatriz Maria Antonieta.

Outro nome atrelado à coroa francesa que brotou na caneta de Westwood foi o de Madame de Pompadour. Em 2003, a designer recriou o vestido no qual a cortesã é retratada em quadro do pintor François Boucher.

Sem dúvidas, a designer via a história como seu grande motor criativo. Não à toa seu fervor questionador é refletido em trabalhos e ações ativistas que ela promoveu.

A bandeira de liberdade sexual erguida nos anos 1960, por exemplo, ecoou na estética punk de Westwood com os toques de rebeldia do movimento pós-hippie. Couro, látex, androginia e peles à mostra tiveram destaque na vitrine de Let It Rock, que tinha como slogan "roupas de borracha para o escritório".

"A única razão pela qual estou na moda é para destruir a palavra ‘conformidade’", diz ela em sua biografia. "Nada é interessante para mim a menos que tenha esse elemento."

Batendo de frente com valores conservadores, então, a estilista propôs um visual que fugia do clichê cotidiano tanto da realeza quanto dos cidadãos ingleses do período.

Fez looks com lâminas, correntes e blusas bondage que pareciam camisas de força. Vendeu o excêntrico a quem estava sedento por mudança e influenciou nomes como Mick Jagger, Iggy Pop, David Bowie e Debbie Harry.

A personalidade transgressora de Westwood também deu origem a uma de suas aparições mais marcantes, quando ela a foi ao Palácio de Buckingham receber uma homenagem e mostrou que estava sem calcinha.

Nos últimos tempos, a veia contestadora da britânica veio encapada pela defesa da moda sustentável, fazendo dela um símbolo do movimento.

"Desde os primeiros dias do punk nos anos 1970, tenho sido uma ativista contra a guerra e pelos direitos humanos", disse a estilista, em 2020. "Nas redes sociais, uso a moda para envolver as pessoas na política. Se as pessoas não estão cientes, como vamos salvar o mundo da corrupção e das mudanças climáticas?"

Ativistas ambientais, músicos e, é claro, estilistas lamentaram a morte da estilista, ocorrida em sua casa, em Londres, segundo o comunicado publicado por seus representantes nas redes sociais.

A nota divulgada por seus assessores não revelou a causa da sua morte, mas afirma que a estilista morreu "pacificamente, ao lado da família".

Como legado, Westwood deixa um guarda-roupa que vai da elegância à extravagância e oferece, acima de tudo, um universo paralelo a quem, assim como ela, transborda rebeldia.

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