Pretos são maiores vítimas da violência policial, raros nas universidades, primeiros a morrer em filmes de Hollywood e inexistem na ficção científica. A perspectiva de futuro, então, é uma utopia.
O afrofuturismo remete a utopia, mas é mais. Abarca toda uma cena estética, artística, filosófica, política.
O termo surgiu em 1994, no ensaio ‘‘Black To The Future’’, do americano Mark Dery, cujo título subverte o do longa “De Volta para o Futuro” (1985).
A investigação de Dery indica que não há negros na ficção científica porque não teriam um amanhã, sendo alvos de tanta violência.
Mas o enredo é outro em “Homem Invisível”, do escritor negro Ralph Ellison. No romance de 1952, considerado preâmbulo da literatura afrofuturista, o protagonista adquire invisibilidade por ser preto. Esse poder o afasta do racismo e dá a ele a chance de viver livre da violência.
Vida sem risco de final precoce é a base do afrofuturismo. Imagine, então, um mundo onde nunca houve escravidão e povos negros desfrutam de paz e liberdade religiosa.
Lá, a tecnologia é avançada e as roupas misturam signos futuristas e ancestrais. Esse lugar chama-se Wakanda, e existe no filme “Pantera Negra” (2018), derivado dos quadrinhos de Stan Lee, da Marvel.
Repensar a representação de negros em obras artísticas é só o início, diz Amilton Jesus, professor de publicidade e propaganda da Universidade Zumbi dos Palmares. “É preciso deixar de ver o preto ou a preta como pessoa que pratica a violência. Precisamos ter um olhar mais profundo sobre a cultura negra, faltam histórias do cotidiano do negro em filmes, de pretos em lugares de destaque”.
O lugar é o espaço, diz a biografia do afro-americano Sun Ra (1914-1993). Com seu jazz e a mistura libertária de filosofia cósmica, pacifismo e signos do Egito Antigo, ele abriu sem saber a estrada afrofuturista.
Sun Ra segue vivo na arte da cantora Janelle Monáe e do produtor de rap Flying Lotus. Sua influência vai de George Clinton a Erykah Badu.
A moda também olha o passado para imaginar o futuro. No festival Coachella de 2018, Beyoncé surgiu com roupa e turbantes prateados inspirados na rainha Nefertiti. Em 2020, no filme musical “Black is King”, produzido e dirigido por ela, foi mais fundo. No longa afrofuturista, as pessoas negras são reis e rainhas, vestem mantos dourados e vivem numa espécie de Wakanda.
Para Morena Mariah, criadora do podcast Afrofuturo, é preciso ir além da estética. “O olhar da cultura africana para o futuro é diferente do imaginado no Ocidente’’.
Um futuro para o negro pode ser desenhado com educação, diz. “Precisamos estudar o que foi apagado no colonialismo. Se estudamos o passado dos povos africanos, entendemos melhor a sociedade negra hoje e qual o seu destino. Isso é o afrofuturismo”.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.