O escritor franco-congolês Alain Mabanckou, de chapéu panamá e paletó rosa-choque com gola aberta, dedicou sua palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento, ocorrida virtualmente nesta quarta, ao que chama de existencialismo negro.
Mabanckou se baseia na tese de que o ser humano é definido por suas ações e não pela predestinação ou pela moral imposta pela sociedade. Ele usa a ideia para afirmar que a história dos africanos não é definida pela Europa, mas sim por eles mesmos. O que pode ser uma faca de dois gumes.
"Há uma tendência que leva certos africanos a explicar as desgraças do continente pelo prisma do encontro com a Europa, alimentando o ódio contra o Ocidente e o branco", afirma ele. "Como se isso pudesse devolver aos africanos um pretenso orgulho que a Europa teria violado. Não se trata de negar a responsabilidade dos europeus, isso seria suicida, mas de lembrar que a autocritica pode ter seu lugar no debate."
É preciso pensar dessa forma, segundo ele, para "ilustrar como nós, africanos, podemos ser autores da nossa própria perdição se nos obstinarmos a perceber o outro como o único bode expiatório, como uma justificação para o nosso imobilismo no presente".
Os africanos não devem viver numa suposta glória do passado a ser retomada, segundo o escritor, que desenvolveu essas teses no livro "O Soluço do Homem Negro", de 2012. É preciso incluir o presente nesta reflexão.
"Muitos africanos se perdem incansavelmente nos meandros do passado, delimitado nos ângulos da lenda e da nostalgia, como se sua existência estivesse ligada a uma inversão de papéis ao longo da história", disse o escritor na palestra. "O existencialismo negro quer negar essa superioridade indiscutível do homem branco. O poder econômico não dá necessariamente a sabedoria. Não quero dar ao branco mais poder do que ele já tem."
Para a construção dessa nova ótica, ele lembra a importância do movimento da negritude na última metade do século 20. "Ela se levantou diante de um mundo branco que se atribuía o direito de impor sua civilização supostamente esclarecida a bárbaros atolados no obscurantismo. Não é exagero dizer que foi o branco que inventou o negro. E que o negro foi obrigado a definir o branco com o vocabulário do branco."
A negritude, acrescenta, tem rompido com essa prática nos tempos mais recentes. Mas, nessa revisão de como os negros olham para a própria diáspora africana, é necessário quebrar certos silêncios impostos pela militância, segundo Mabanckou.
O exemplo mais candente que ele aponta é que "seria inexato afirmar que o homem branco capturava sozinho os negros para os reduzir à condição de escravos" durante a época da colonização da África.
"A responsabilidade dos negros ainda é um tabu entre africanos, que se recusam a se olhar no espelho. Quem lembra essa verdade é tachado de traidor, de fazer o jogo do Ocidente, é preciso se calar e espalhar os lugares-comuns de uma África decapitada sem escrúpulos pela Europa."
A participação de negros no sistema escravista, diz ele, "não é uma invenção para consolar os europeus". "Não se trata de reabilitar o Ocidente e dizer que todos os africanos eram traficantes. Isso é absolutamente falso. Mas, ao retraçar a história, é útil não negligenciar os fatos."
"Nós temos que nos aceitar como somos", concluiu o autor, "e combater ideias falaciosas que podem nos afastar uns dos outros". "O mundo de amanhã é de soma, não de divisão."
Mabanckou lançou recentemente o livro "Black Bazar" pela editora Malê, que já havia publicado "Copo Quebrado" e "Memórias de Porco-Espinho". A próxima palestra do Fronteiras do Pensamento é do físico Fritjof Capra, no dia 18.
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