Se estamos de acordo que o Oriente Médio é o centro de todos os conflitos desde a Segunda Guerra, então a correspondência de Efratia Gitai, reunida no volume “Em Tempos como Estes”, é muito mais do que uma compilação das cartas escritas ou recebidas pela mãe de Amos Gitai, grande cineasta contemporâneo.
É, muito mais, um documento importante para tomarmos ciência do que envolveu a criação do Estado de Israel.
Efratia nasceu na Palestina em 1909, dois anos após seus pais terem imigrado para o Oriente Médio. “O país era, então, um deserto: nenhuma sombra, nenhuma árvore.”
Logo, eles voltariam à Rússia, de onde haviam saído, porque seu pai estava decidido a formar grupos de judeus para ir à Palestina. Nada foi propriamente fácil. Desde a saída, a família foi censurada pelos judeus religiosos, para quem a missão dos pioneiros era “propiciar a vinda do Messias”.
Na juventude, Efratia decidiu viajar a Viena com as amigas “para não nos sentirmos muito provincianas”. A estadia em Viena e depois em Berlim fez diferença em sua refinada cultura. Foi um tempo de estudar psicologia, de seguir conferências sobre marxismo, e também de conhecer o arquiteto Munio Weinraub, com quem se casaria em 1935.
A correspondência, que começa em 1929, dá conta desses anos, deslumbrantes pela cultura, porém terríveis pelas “fileiras de trabalhadores desempregados”. Ou, mais adiante, seu desencanto com o rumo dos acontecimentos: “Dividida, dilacerada e desapontada pelo socialismo, a classe operária foi empurrada para o reacionarismo”, que viria a dar, sabemos, no nazismo.
Efratia mostra-se, desde então, uma observadora sutil da sociedade em que vive; sutil e participante, pois nem mesmo o amor a desvia do compromisso de melhorar o mundo. Ligada desde sempre à corrente trabalhista de Ben-Gurion, é a um socialismo à maneira israelense que se dedicará.
Em companhia de Munio, visitou a Polônia em 1939, perto de Hitler. As cartas desse período nos informam que, diversamente do que pretendem vários filmes israelenses recentes, a ocupação da Palestina foi, desde o princípio, fonte de conflitos entre judeus e árabes.
Na parte final da correspondência, dois acontecimentos ganham relevo: a desilusão com a crescente influência dos religiosos sobre os destinos israelenses e os filmes de Amos Gitai. Amos mereceria um capítulo à parte, pois as cartas expressam não apenas o amor mútuo e profundo, como as divergências entre duas gerações. Há, por exemplo, duras críticas de Efratia ao roteiro de “Berlim-Jerusalém” (1989).
Em outros momentos, as farpas voam. “Você disse: ‘Para mim é óbvio, assim como para qualquer pessoa de mente aberta, que devemos reconhecer o direito dos palestinos a uma pátria independente’. Me considero mente aberta e não vejo que isso seja tão óbvio...”
Nada é óbvio naquela parte do mundo. Vem daí, em boa medida, o interesse por essas cartas, nas quais a
inteligência e a cultura se mostram com clareza quanto à desigualdade, e tão claramente quanto o caráter curioso e apaixonado da autora.
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