“Tales of the City” nasceu em 1974 como um folhetim, publicado em jornais de San Francisco. As aventuras de um grupo de personagens que experimentavam a liberdade da cidade, uma das mecas da contracultura, foram um sucesso imediato, e logo agrupadas em livros.
Em 1993, a emissora pública americana PBS transformou algumas dessas histórias no primeiro seriado de TV com protagonistas gays e transexuais. A audiência foi expressiva, assim como a reação dos conservadores. O programa acabou não sendo renovado.
Coube ao canal pago Showtime a produção de mais duas temporadas, em 1998 e 2001, sempre com as atrizes Laura Linney e Olympia Dukakis nos papéis principais. A primeira faz Mary Ann Singleton, uma moça de Ohio que se encanta com o clima liberal de San Francisco. A segunda encarna a transexual idosa Anna Madrigal, dona de uma mansão transformada em casa de cômodos, cenário de boa parte da ação.
Armistead Maupin ainda não parou de escrever sobre esses personagens. Seu último livro com eles, “The Days of Anna Madrigal”, saiu em 2014. A quarta temporada de “Tales of the City”, disponível na Netflix —e que ganhou no Brasil o título de “Crônicas de San Francisco”— aproveita algumas dessas tramas nos roteiros, escritos por uma equipe 100% LGBT.
A nova leva deslancha com a volta de Mary Ann à cidade, depois de uma ausência de 23 anos. O pretexto é a festa dos 90 anos de Anna, mas ela também quer se reconectar com o ex-marido (Paul Gross) e a filha Shawna (Ellen Page), a quem nunca procurou nesse tempo todo. Para complicar, a garota não sabe que foi adotada.
Várias outras histórias se cruzam na pensão de Anna. Um dos moradores é Mouse (Murray Bartlett), amigo gay de Mary Ann, que agora tem um namorado bem mais novo, Ben (Charlie Barnett). Já o alívio cômico fica por conta de um par de gêmeos (Ashley Park e Christopher Larkin) que quer bombar no Instagram.
De todas as tramas paralelas, a mais interessante é a que envolve Jake (feita por um ator transexual não-binário que atende apenas por Garcia) e sua namorada Margot (May Hong). Jake era lésbica e agora é um homem trans; em sua nova condição, ele se descobre atraído por outros homens. Parece maluquice, mas é até comum na vida real. Pena que esse conflito seja resolvido rapidamente, sem maiores faíscas.
A melhor cena de toda a série é mesmo o jantar em que Ben questiona o uso da palavra “trannie” (um termo pejorativo para transexual) pela turma de Mouse, uma geração mais velha. Um desses amigos rebate exigindo respeito, lembrando que foi essa geração quem conquistou todos os direitos de que os gays desfrutam hoje, a um custo altíssimo. O raro debate em que todos têm razão.
E o melhor episódio é o oitavo: um longo flashback, que mostra a jovem Anna (aqui feita pela atriz trans Jen Hendricks) chegando a San Francisco. É neste capítulo que surge a razão pela qual Anna será chantageada, muitas décadas depois, ao ponto de perder sua mansão.
Os últimos episódios se ocupam em revelar quem é o chantagista, e a solução encontrada é digna das piores telenovelas. “Crônicas de San Francisco” termina sem contundência. Em sua quarta temporada, a série que abriu caminho para “Will & Grace”, “Queer as Folk” e “The L Word”, entre tantas outras sobre o universo LGBT, é só um passatempo agradável. Mais nada.
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