Este tempo de agora, que tempo é este? A pergunta que ecoa em “Outros”, novo espetáculo do Grupo Galpão, ainda parece sem muitas respostas. E é mesmo num caminho de mais questionamentos do que soluções que a companhia mineira leva o trabalho.
É uma tentativa de compreensão do caos contemporâneo, em especial do clima turbulento que permeou as últimas eleições presidenciais, momento em que o espetáculo foi criado. E também de uma sequência de “Nós”, montagem anterior da trupe, que discutia o contexto político nacional que há três anos levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Depois de ‘Nós’, muita coisa ficou reverberando”, afirma Marcio Abreu, da Companhia Brasileira de Teatro, que dirige ambas as montagens. Uma delas era tentar entender qual é a relação da nossa sociedade com o público e o privado.
Sendo assim, decidiram ir às ruas. Criaram performances individuais, todas de situações privadas, mas para serem encenadas em locais públicos.
Numa delas, um ator convidava passantes a tomar um café numa mesinha montada no meio de uma calçada em Belo Horizonte. Outro chamava pessoas a ouvirem histórias, e uma terceira consertava roupas em troca de um bate-papo. “Muito da criação tinha a ver com essa escuta social, esse processo de alteridade e poesia”, conta Abreu.
Como “Nós” —que será reencenado em São Paulo, nos dias 9 e 10 de março—, “Outros” se aproxima da linguagem da performance. Não há exatamente uma trama, mas uma série de cenas que pincelam a dificuldade, hoje, de entender o mundo e os demais.
Seja quando um dos personagens que diz que “a manchete escabrosa de ontem é uma maravilha se comparada à de hoje. Uma loucura, simplesmente uma loucura”. Seja quando outra questiona: “Cê tá preparado? Porque aqui ninguém tá preparado”.
Ou então numa das músicas que abrem o espetáculo, com o grupo cantando e tocando ao fundo do palco, como num show. “Confusão primitiva, o início do mundo. O abismo antes do nada, o princípio de tudo”, diz o elenco em coro.
O que se vê é uma alternância de momentos de silêncio e contemplação com outros bastante polifônicos, em que a fala de um se sobrepõe à do outro —e ninguém parece se escutar. Um questionamento, diz Abreu, sobre os discursos de hoje. “A palavra foi tomada como poder, foi banalizada, tirada de contexto. A gente vive um império de banalização.”
E também uma “busca do tempo perdido”, como diz um personagem, num jogo com a obra de Proust. Em cena, estão todos num entretempo, como um passado que ainda não se foi, um futuro que já começou, um presente que não se sabe bem qual é. Enfim, um tempo de esgotamento.
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