"Tripas", que estreia nesta sexta (15) em São Paulo, após temporada no Rio, é um espetáculo de entranhas. Trabalho conjunto entre o ator Ricardo Kosovski e seu filho, o dramaturgo Pedro Kosovski, a peça surgiu de um trauma.
Em 2015, Ricardo foi internado com uma crise de diverticulite aguda, que rompeu seu intestino e levou a um quadro de septicemia. Foram três cirurgias em nove meses de internações, deixando o ator quase 40 kg mais magro e atado a uma bolsa coletora.
Dessas idas e vindas hospitalares, pai e filho decidiram: saindo dali, viajariam juntos. A primeira opção foi voltar às origens judaicas da família e visitar Israel. O percurso de mês e meio ainda incluiu Egito e Jordânia, sempre passando por territórios de fronteira.
"Foi mais uma deriva, um caminhar poético", lembra Pedro, que diz ter tido ali os momentos de maior intimidade com o pai. "Foi um aprendizado. E, inevitavelmente, a minha relação com o meu pai é a relação entre dois artistas."
Pedro, que, além de assinar a dramaturgia, faz aqui sua primeira direção, teceu em "Tripas" uma autoficção. Coloca em cena um pai (interpretado por Ricardo) preso no golfo de Ácaba, na fronteira entre Israel e Egito, e que conta sua relação com o filho.
Dali passa pelos traumas da internação, o medo da morte, lê uma carta do filho escrita ao homem convalescente. As questões pessoais, porém, acabam ganhando reflexos com o social e o político.
A história da família, que chegou ao Brasil de uma Europa em conflito --a avó de Pedro saiu da Polônia pouco antes da Segunda Guerra--, passa pela ditadura no país e por conflitos locais e globais.
"Não queremos apenas falar de nossos dramas pessoais. Queremos nos esquecer deles. Mas nossa história pessoal se conecta com o momento histórico", diz o diretor.
Pedro se lembra de uma foto sua, em 1984, quando tinha um ano, na corcunda do pai em meio as Diretas-Já. "Eu não me lembro desse dia, mas eu me lembro da foto. Não tem como não relacionar com o que está acontecendo hoje."
Além do contexto social, acabam discutindo o que é a paternidade hoje e como ela se insere numa cultura patriarcal em decadência, explica Pedro. "Tentamos ir além do estereótipo do pai patriarca, provedor, reprodutor ou do avesso, o pai omisso que foge."
Ricardo é acompanhado em cena por um músico, o guitarrista Pedro Nêgo. E fica separado do público apenas pelo cenário de espuma (criado por Lídia Kosovski, sua irmã) em forma circular.
"Tripas", cujo processo contou com uma residência dos Kosovski na Unicamp, também é mote do pós-doutorado de Ricardo na universidade paulista (intitulado "Das tripas... autoficção").
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