'Literatura est� ligada � desordem', diz escritor chileno Alejandro Zambra
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Alejandro Zambra, autor de 'M�ltipla Escolha' |
Alejandro Zambra monta "Facs�mil", sua mais recente obra, a partir da Prova de Aptid�o Verbal, aplicada de 1966 a 2002 aos candidatos a vagas em universidades no Chile. � uma prima do nosso velho vestibular, ao se valer dos testes de m�ltipla escolha – da� o t�tulo escolhido para a tradu��o brasileira.
"M�ltipla Escolha" � uma reuni�o de fragmentos l�ricos e cru�is, engra�ados e violentos –os quais, em linguagem refinada e rarefeita, privilegiam a autoironia. Mais um dos livros inclassific�veis de Zambra, j� conhecido no Brasil por "Bonsai", "A Vida Privadas das �rvores" e o excelente "Formas de Voltar para Casa".
N�o h� narrador ou protagonistas. � um jogo de exerc�cios –a lembrar algumas das "miscel�neas" de Cort�zar– com o leitor, que � induzido a completar as hist�rias ao seu gosto ou desgosto.
Apesar do car�ter de farsa da obra, aparecem alguns dos temas e t�picos mais caros ao autor: a rela��o pais e filhos, o ambiente escolar, certa inadapta��o adolescente, a solid�o a dois, o of�cio do escritor, o clima pesado no Chile durante a ditadura militar.
Aos 41 anos, Zambra j� � um mestre da forma. Seu texto circula com extrema fluidez. Em poucas p�ginas, realiza um mergulho profundo.
Numa das quest�es de m�ltipla escolha do livro, a can��o "Como Nossos Pais", de Belchior, aparece como poss�vel op��o de resposta, concorrendo com "My Generation" (The Who) e "I Wanna Be Your Dog" (The Stooges). "Gosto muito do Belchior e, como todo mundo, lamentei a sua morte", conta o escritor chileno, nesta entrevista feita por e-mail.
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Folha - Qual a rela��o entre o novo livro e suas obras anteriores?
Alejandro Zambra - N�o sei. � muito diferente e ao mesmo tempo � uma continua��o. Cada livro, em alguma medida, dispara contra o anterior, porque o anterior j� n�o serve. De um livro a outro, voc� mudou e o mundo mudou. Por isso, escreve um livro novo. A ideia de ter uma obra me parece um obst�culo, uma carga. Na hora de voltar a escrever, voc� se libera dessa carga. Quero mudar sempre.
N�o � romance nem poesia. Voc� tamb�m recusa o r�tulo de livro experimental. O que � "M�ltipla Escolha"?
N�o quis classificar o livro porque estaria mentindo. Eu n�o sei o que ele �. Nem me interessa. Classificamos os livros para vend�-los. H� pessoas que precisam saber se est�o lendo um romance ou contos. Eu n�o. Nunca me interessei por g�neros. Para mim, um romance n�o tem mais valor que um ensaio ou um poema.
A solid�o, casais e fam�lias em crise, o Chile da ditadura. S�o esses seus temas prediletos?
N�o gosto de me limitar a temas. Talvez meu �nico tema seja, sempre, pertencer. N�o s� o tema deste livro e dos meus outros livros, mas tamb�m de todos os livros: pertencer. A uma fam�lia, a uma mulher, a um pa�s, a um bairro, a uma torcida de futebol, a uma comunidade religiosa, a um partido pol�tico, ao que for. Querer pertencer, n�o querer pertencer. Querer dizer "eu", querer dizer "n�s".
O sistema de m�ltipla escolha recorda as ditaduras?
N�o. Esses testes existem em todas as partes. Mas havia neles, sim, uma grande sintonia com a ditadura chilena. Para entrar na universidade, ter�amos que saber eliminar as ora��es. Havia censura, e nos aconselhavam a censurar. Minha impress�o geral sobre aquele tempo � que havia um encobrimento dos detalhes, que a informa��o era submetida a redu��es extremas at� chegar a uma redu��o final. Ao sil�ncio.
Como escrever uma reda��o?
Fazer um plano para escrever uma reda��o � a pr�pria nega��o da literatura, do estilo. Para mim, a literatura sempre esteve ligada � desordem. Come�ar pelo final, reabilitar as digress�es, enfrentar o desejo de simultaneidade e multiplicidade.
Como o sistema educacional moldou ou molda o pensamento dos estudantes?
Com a ideia do triunfo, da repeti��o, da imita��o. Com a ideia do �xito, sobretudo. Com a ideia de que s� existe uma resposta correta. Ao responder �s quest�es, procur�vamos entender essa estrutura, adivinhar a "pegadinha". Alguns de n�s nunca dedicamos um minuto a pensar como funciona um romance ou um poema.
E resolveu fazer literatura com aquilo que a negava?
Por isso me interessou trabalhar com essas estruturas de m�ltiplas escolhas. G�neros bastardos, dispositivos que pretendiam normalizar a experi�ncia liter�ria. Se voc� os decifrasse, chegaria � universidade, seu objetivo. Muitos chilenos hoje n�o leem romances ou poesia, mas, ao lerem "M�ltipla Escolha", o entendem como literatura. Est�o perfeitamente treinados para esse tipo de leitura. A dimens�o que sai da literatura � a que mais me interessa.
Voc� foi professor de literatura. Como eram suas aulas?
Agora vivo na Cidade do M�xico e n�o dou mais aulas, mas durante muitos anos da minha vida me dediquei a ser professor. Sinto falta. � um trabalho desafiante, e exigente, e divertido, e crucial. N�o gostava dos solil�quios, me aborrecia falar sozinho A ideia de aprender com os estudantes � um tremendo lugar-comum, mas me parece totalmente correta. Principalmente quando voc� � desafiado.
Onde entra o humor em sua literatura?
Preciso de um m�nimo de humor. Nem que seja quase impercept�vel. Sou bom em rir de mim mesmo, n�o gosto de me levar a s�rio, de ser o protagonista. Mas acho que "M�ltipla Escolha" tem outros aspectos. H� partes trist�ssimas, f�nebres, e outras c�micas. [O poeta chileno] Nicanor Parra diz que "a verdadeira seriedade � c�mica", e eu concordo.
A montagem das quest�es lembra um jogo. Voc� pensou em Julio Cort�zar?
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N�o. Mas talvez tenha pensado, sem perceber. Cort�zar est� em meu DNA. Pensei em alguns autores da poesia chilena, e tamb�m em "O Livro do Travesseiro", de Sei Sh�nagon, que adoro.
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M�LTIPLA ESCOLHA
AUTOR Alejandro Zambra
TRADU��O Miguel Del Castillo
EDITORA Tusquets
QUANTO R$ 31,90 (112 p�gs.)
Livraria da Folha
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