'G�neros liter�rios s�o not�rios pregui�osos', diz Anne Carson
O pequeno volume - s�o apenas 48 p�ginas- chamado "O M�todo Albertine", um lan�amento da tamb�m pequena Edi��es Jabuticaba, preenche uma lacuna gigante: marca a estreia brasileira em livro da escritora canadense Anne Carson, 66 anos.
O fato de n�o dizer respeito � literatura da Gr�cia antiga, especialidade dessa escritora multipremiada e inclassific�vel, mas em vez disso dialogar com o romancista franc�s Marcel Proust, n�o faz do livrinho uma entrada inadequada em sua obra, segundo a autora: "Uma boa porta de entrada nunca � �bvia. A sa�da tamb�m pode ser complicada de encontrar".
Pouco dispon�vel para entrevistas, essa professora de literatura cl�ssica, poeta e ensa�sta conversou com a Folha por e-mail. Como os outros g�neros que pratica, o da entrevista jornal�stica tamb�m � abordado por ela de forma enviesada e lacunar.
Jeff Brown /Divulga��o | ||
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Retrato de Anne Carson |
Apontada como candidata ao Pr�mio Nobel de Literatura, Anne Carson parece estar sempre em fuga, escondendo-se por tr�s de tiradas espirituosas ou virando as perguntas do avesso. Vale observar que sua abordagem da tradi��o liter�ria cont�m irrever�ncia bem semelhante.
Quando se pergunta se seu interesse por Proust -cujo "A Prisioneira", quinto livro de "Em Busca do Tempo Perdido", d� o mote para um ensaio livre e fragment�rio- tem rela��o com o tema da mem�ria, ela rebate: "N�o especialmente. Eu s� queria um livro bem grande para ler em franc�s. Em bom franc�s."
Ser� que a intertextualidade e a mistura de g�neros seriam respostas � fadiga da literatura ap�s milhares de anos? "Eu n�o estou cansada. Talvez os pr�prios g�neros sintam fadiga, mas n�o devemos ter pena deles. S�o notoriamente pregui�osos."
BRA�ADAS
Se f�ssemos sistematizar um "M�todo Carson" (o t�tulo original do livro rec�m-lan�ado � "The Albertine Workout", palavra que se refere a uma rotina de exerc�cios f�sicos), poder�amos incluir instru��es para mesclar cr�tica liter�ria, tradu��o, filosofia da linguagem, fantasia, lirismo, narrativa e humor em configura��es surpreendentes.
Quando se pergunta a Carson o que a defini��o acima deixa de fora, o acr�scimo tamb�m � inesperado e ao mesmo tempo, pertinente. "Nata��o", responde ela, adepta das bra�adas como fonte de inspira��o. "Piscina de 35 metros, 70 voltas."
Nata��o � parte, uma defini��o parecida poderia ser oferecida em tese sobre Jorge Luis Borges, embora a literatura dele n�o se assemelhe � de Carson -que o aprecia.
"Admiro sobretudo sua ideia do mapa que tem exatamente o mesmo tamanho da prov�ncia que mapeia. N�o vamos nos aprofundar nas implica��es metaf�ricas disso para o trabalho de um escritor realista".
Mas talvez a melhor refer�ncia para o tipo de ensa�smo liter�rio praticado pela autora em "O M�todo Albertine", saltando de uma ilumina��o a outra na fronteira da prosa po�tica, seja o Roland Barthes de "Fragmentos de um Discurso Amoroso". N�o por acaso, o semi�logo franc�s � um dos autores que ela joga nesse liquidificador.
O editor Marcelo Lotufo explica assim a escolha de "O M�todo Albertine": "� um livro ao mesmo tempo sofisticado e acess�vel, que funciona como uma boa porta de entrada ao trabalho da Anne Carson. � tamb�m um livro curto, o que se enquadra na proposta de nossa editora."
Lotufo afirma esperar que, aberta a porteira, "outras editoras maiores, com melhor distribui��o e infraestrutura, se interessem pelo trabalho dela, que � interessant�ssimo e bastante vasto".
MESTRE DOS ADJETIVOS
Um pr�ximo passo poderia ser a tradu��o de "Autobiography of Red", livro ainda mais resistente a r�tulos, que reconta um velho mito grego sob a inspira��o de alguns dos poucos fragmentos que nos chegaram do poeta l�rico Estes�coro (c. 650 a.C.).
Carson apresenta Estes�coro como um grande mestre dos adjetivos. Numa ideia presente tamb�m em "O M�todo Albertine", dedica aos adjetivos um elogio rasgado que contraria a sensibilidade moderna e nove em dez instrutores de oficina liter�ria.
"Adjetivos s�o subjetivos", ela explica seu entusiasmo. "Quando voc� escolhe um, trai o �ngulo da sua rela��o com a coisa que descreve, uma esp�cie de parcialidade. Substantivos e verbos s�o mais competentes em se disfar�ar de fatos objetivos."
Fatos objetivos n�o t�m grande interesse para ela. Dizer que "Autobiography of Red" reconta um velho mito -o da morte do gigante vermelho Geri�o, d�cimo trabalho de H�rcules- � pouco.
Ap�s uma introdu��o erudita sobre Estes�coro, seguem-se seus fragmentos em tradu��o livre do grego e a "biografia" em versos do Geri�o contempor�neo, que a autora transfigura num adolescente gay violentado pelo irm�o mais velho e apaixonado por H�rcules.
Publicado em 1998, o livro fez grande sucesso de cr�tica e -de modo surpreendente, pois tem todas as marcas de uma literatura "dif�cil"- tamb�m de p�blico. O cr�tico Harold Bloom escreveu sobre Carson: "Quase nada do que li dela deveria funcionar, mas ela faz tudo funcionar".
A escritora canadense d� sua resposta mais longa e apaixonada ao negar que essa abordagem heterodoxa da cultura cl�ssica seja uma estrat�gia para devolver vida a velhos textos embalsamados pelo academicismo.
"A literatura dos gregos antigos n�o me parece necessitar de revival. N�o est�, de nenhuma forma significativa, morta. Aqueles escritores s�o t�o presentes em minha mente quanto voc�; ningu�m at� hoje chegou ao fundo do seu pensamento ou exauriu suas inven��es; uma �nica palavra em S�focles � um pa�s no qual se pode viajar por momentos, dias ou anos".
Ao leitor que decidir se aventurar pela primeira vez nesses dom�nios, Carson recomenda se despir de pressa e buscar "a li��o de cada frase". "Comece por Homero. A 'Il�ada' � simplesmente a melhor coisa que existe."
O M�TODO ALBERTINE
AUTORA Anne Carson
TRADU��O Vilma Ar�as e Fernando Guimar�es
*QUANTO*R$ 20, mais frete (48 p�gs.; vendas somente no site www.edicoesjabuticaba.com.br)
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