Cr�tica
J. M. Coetzee escreve obra cheia de passagens secretas
AFP | ||
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O escritor sul-africano J. M. Coetzee |
Estamos no s�culo 18. Depois de uma temporada no Brasil, na Bahia, a inglesa Susan Barton � expulsa do navio no qual tentava regressar � sua terra natal. Sozinha, rema at� chegar a uma ilha. L� est�o Cruso, um velho soturno, e seu escravo Sexta-feira.
Passa-se um ano. Os tr�s finalmente s�o resgatados, mas Cruso n�o resiste � travessia. Barton contrata um escritor, Daniel Foe, para relatar e publicar sua experi�ncia.
� �bvia a brincadeira de J.M. Coetzee com o "Robinson Cruso�" de Daniel Defoe. "Foe", por�m, n�o conta uma hist�ria de aventura.
Publicado originalmente em 1986, o livro marca uma das primeiras tentativas do sul-africano de explorar um tema ao qual retornaria, sobretudo em "Elizabeth Costello": o realismo. "Foe" n�o deixa, portanto, de ser mais um romance (dentre tantos) sobre a escrita de romances.
Defoe foi um dos primeiros autores a perceber o valor da mem�ria individual em uma narrativa. A �poca era prop�cia: a sociedade come�ava a valorizar o indiv�duo e a concentrar uma variedade de credos, classes e origens, de modo que um bom relato autobiogr�fico sempre encontraria um leitor interessado.
Ao contr�rio de seus predecessores, Defoe n�o extraiu seus enredos de mitos e lendas ou de figuras e fatos hist�ricos, mas da experi�ncia imediata. O realismo, por�m, tamb�m reside na forma que o autor escolheu para apresent�-lo. Os detalhes fazem toda a diferen�a: deles depende a verossimilhan�a.
A maneira pela qual a linguagem pode representar a realidade � tanto uma quest�o epistemol�gica quanto sem�ntica. Coetzee tem consci�ncia disso, mas aposta em uma dimens�o menos abstrata da comunica��o.
Tudo indica que o escravo Sexta-feira n�o tem l�ngua. A ele � vetada n�o apenas a escrita, mas tamb�m a fala, de onde deriva, afinal, toda a arte de contar hist�rias. Um homem � calado � for�a para que possa ser visto como um instrumento pelos demais. O que o humaniza � sua empatia e sua mem�ria: seu poder de reagir � experi�ncia alheia e de relatar a sua pr�pria.
Foe desaparece por um tempo. Susan continua seu mon�logo, descrevendo os dias na Inglaterra com Sexta-feira. Constantemente, j� que ela agora parece respons�vel pelo relato, Susan se pergunta como se deve narrar. Ao contr�rio do mundo real, o mundo criado por um escritor realista deve fazer sentido.
Foe |
J. M. Coetzee |
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"Foe" vai ficando mais complexo na medida em que a narrativa de Susan avan�a. Estamos diante de um livro obscuro, cheio de passagens secretas, do qual uma mera resenha jamais daria conta. � bem sabido que Coetzee, Nobel de Literatura de 2003, � mestre nesses arranjos.
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