Mulher deve ser maternal e parar de culpar o homem, diz Camille Paglia
Camille Paglia, a mais antifeminista entre as feministas, aposta na revaloriza��o do lado maternal da mulher como chave para um reencontro afetivo entre os sexos.
Para a ensa�sta, enquanto a mulher de qualidade maternal exerce poder sobre os homens ao ter "pena de suas fraquezas", a mulher de perfil profissional exige deles, em casa, a perfei��o do mundo dos escrit�rios.
Em entrevista � Folha, Paglia se declara transexual, critica a produ��o da arte contempor�nea e diz que Madonna deve parar de competir com as mulheres mais jovens.
Leia abaixo a entrevista na �ntegra.
Ilustra��o/Andr� Toma | ||
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A cr�tica e ensa�sta americana Camille Paglia em ilustra��o feita por Andr� Toma |
Folha - Voc� � feminista ou antifeminista?
Camille Paglia - Eu certamente sou uma feminista. 100%. Os motivos pelos quais eu discordo de boa parte das feministas de hoje � que minha milit�ncia come�ou no in�cio dos anos 60, antes da reviravolta que o movimento teve no final daquela d�cada.
Eu dei uma aula na semana passada na qual eu falava sobre o filme "N�pcias de Esc�ndalo", com Katharine Hepburn. A m�e da atriz era uma das l�deres da campanha pelo sufr�gio das mulheres, e a pr�pria atriz, antes da Segunda Guerra Mundial, estava participando das manifesta��es de sufragistas. Eu estava obcecada tamb�m por Amelia Earhart, pioneira da avia��o e uma dessas mulheres emancipadas dos anos 20 e 30.
Eu admiro demais essa gera��o de mulheres. Porque elas n�o atacavam os homens, n�o insultavam os homens e n�o apontavam os homens como fonte de todos os problemas das mulheres. O que elas pediam era igualdade de condi��es no �mbito da carreira e da pol�tica e queriam demonstrar que podiam obter as mesmas conquistas dos homens. Era como dizer: somos como os homens, admiramos os homens, amamos os homens.
Hoje em dia, as feministas culpam os homens por tudo! Elas exigem que os homens mudem, querem que eles pensem e ajam como mulheres, almejam que o protagonismo dos homens seja reduzido. Esse � o terr�vel problema do feminismo contempor�neo, porque, em �ltima inst�ncia, isso est� fazendo as mulheres retrocederem e as est� enfraquecendo.
As mulheres de hoje n�o s�o t�o fortes como as grandes mulheres dos anos 20 e 30. Ent�o as pessoas me chamam de antifeminista. Mas n�o: eu sou contr�ria � ideologia feminista do presente, que � doente, indiscriminada e neur�tica. E, mais do que tudo, n�o permite � mulher ser feliz.
As mulheres precisam se responsabilizar por suas vidas e parar de culpar os homens por seus problemas, que t�m mais a ver com quest�es e estruturas sociais, e n�o s�o fruto de uma conspira��o masculina.
Se os homens se parecessem mais com as mulheres, como voc� diz desejarem as feministas de hoje, o que aconteceria?
As mulheres querem que os homens se comuniquem como elas. Mas, em toda a hist�ria da humanidade, as mulheres viveram entre si e os homens viveram entre si. Eram dois mundos separados. A mulheres cuidavam das crian�as, da casa, da alimenta��o, e os homens ca�avam e faziam o trabalho pesado. Sei disso porque todos os meus quatro av�s eram agricultores italianos, e meus pais nasceram neste ambiente. Sou a primeira gera��o que cresceu fora dessa estrutura.
O problema hoje � que as mulheres, educadas e ambiciosas, querem entrar no novo mundo burgu�s do trabalho em escrit�rios, que s�o parte do legado da Revolu��o Industrial. Ent�o temos um novo mundo em que homens e mulheres trabalham lado a lado nos escrit�rios, em que a divis�o do trabalho entre homens e mulheres n�o existe. Portanto, ambos t�m de mudar suas personalidades para se encaixar nessa realidade porque ambos s�o uma unidade de trabalho, s�o a mesma coisa.
� muito frustrante para os dois porque, neste ambiente neutro, em que as mulheres ganharam muito poder, a sexualidade do homem ficou neutralizada. E essas mulheres querem se casar com um homem com quem seja f�cil se comunicar. E fora do ambiente de trabalho, qualquer homem que se comporte como homem provoca rea��es negativas.
Eu vejo grande infelicidade entre mulheres profissionais porque elas querem que suas vidas amorosas tenham a comunica��o maravilhosa que elas t�m com outras mulheres. A mulher profissional casa com o homem profissional e espera que, ao chegar em casa de noite, ele se comunique com ela como suas amigas ou seus amigos gays. E os homens heterossexuais jamais ser�o capazes na arte da an�lise emocional. N�o d� para cobrar perfei��o dos homens, como se estiv�ssemos no escrit�rio.
Homem e mulher t�m de convergir numa unidade de trabalho. H� uma terr�vel desconex�o para as mulheres entre suas vidas profissionais e amorosas. Para os homens n�o � t�o dif�cil porque eles encontram sexo mais facilmente. Eles n�o precisam casar com uma mulher para fazer sexo com ela. Para mulheres, � um per�odo terr�vel de infelicidade, porque elas t�m muita dificuldade em ajustar a mulher do trabalho, que tem poder e conquistas, com a mulher emocional, uma arena na qual as habilidades exercidas no escrit�rio n�o funcionam.
Para os homens � frustrante porque, se o trabalho que eles fazem pode tamb�m ser feito por uma mulher, no que consiste sua masculinidade, afinal? Se antes o homem tinha o trabalho pesado, bra�al, hoje, eles est�o se perguntando quem s�o.
Como essa crise masculina se manifesta?
Tenho me preocupado muito com a epidemia do jihadismo no mundo, que � um chamado da masculinidade e est� atraindo jovens homens do mundo inteiro. � uma ideia de que ali, finalmente, homens podem ser homens e ter aventuras como homens costumavam ter.
A ideologia do jihad emerge numa era de v�cuo da masculinidade, gra�as ao sucesso do mundo das carreiras. O Estado Isl�mico, por exemplo, usa v�deos para projetar esse romance, esse sonho de que os jovens podem abandonar suas casas, integrar a irmandade e se lan�ar numa aventura masculina por meses, na qual correm risco de morte. Antes, havia muitas oportunidades de aventuras para homens jovens. Hoje, suas vidas s�o como as de prisioneiros: presos nos escrit�rios, sem oportunidade para a��o f�sica e aventura.
O sistema de carreiras ocidental se tornou t�o elaborado e aprisionado, que est� produzindo, como no Imp�rio Romano, bandos de v�ndalos. � dif�cil para a classe m�dia entender o fasc�nio do risco e da morte, de fazer parte de uma irmandade.
Eu estou muito preocupada politicamente com a forma como as elites n�o sabem responder a esse movimento. E parte disso � uma revolta dos homens e uma busca dos homens por sentido para eles enquanto homens. O mundo ocidental se tornou t�o materialista, e todos est�o pensando no pr�ximo apartamento, pr�ximo carro ou pr�ximo emprego, que somos lentos para entender e responder a esse tipo de fen�meno.
Como reverter o desencontro entre homens e mulheres hoje?
O feminismo cometeu um grande erro ao difamar a maternidade. Quando a segunda onda do feminismo come�ou no final dos anos 60 e in�cio dos anos 70 e foi piorada pelas ideias de Gloria Steinem, que pregou a desvaloriza��o da mulher como esposa e m�e, e a valoriza��o da mulher profissional como aquela que � realmente livre e admir�vel.
Betty Friedan (1921-2006), que eu admiro, come�ou a segunda onda do feminismo ao co-fundar a Organiza��o Nacional para as Mulheres, em 1967. Ela era casada e tinha filhos, e queria que o feminismo fosse uma grande tenda que inclu�sse e acolhesse a todos. Mas Gloria Steinem era parte de um grupo que s� se casou no final da vida e n�o teve filhos, e havia um tom de insulto ao tratar da maternidade.
Minha an�lise das rela��es sexuais, no livro "Personas Sexuais", � que a imagem da m�e � extremamente poderosa e que � o motivo pelo qual conex�es entre os sexos � inst�vel. Toda pessoa emerge do corpo feminino, do �tero, e o feminismo cometeu um erro ao tentar apagar a import�ncia disso, tornando o nascimento um processo mec�nico. A imagem mitol�gica da m�e � muito poderosa para os homens no n�vel psicol�gico. Todo menino precisa se livrar da sua m�e. E todo heterossexual que penetra uma mulher retorna ao �tero.
H� uma ansiedade e um perigo no ato sexual entre homem e mulher. O homem se sente em risco ao colocar seu p�nis no que considera uma potencial armadilha. Por isso h� e sempre haver� uma ambival�ncia na rela��o sexual entre homens e mulheres. Ele deseja a mulher, ele quer ser nutrido por ela, e quer se livrar dela ao mesmo tempo porque tem receio de ser preso novamente no �tero.
Muitos dos comportamentos machistas, arrogantes e est�pidos, s�o formas tortas de o homem dizer que n�o est� sob o poder da mulher, que n�o � mais um beb�. S�o parte do medo do poder da mulher, do �tero e da cria��o. Qualquer pessoa que tentar racionalizar isso, n�o ir� pelo caminho certo.
E � isso o que o feminismo est� fazendo, na sua opini�o?
Sim. O feminismo � muito racionalista. Est� tentando consertar a mecanismos sociais, consertar a sociedade, passando leis contra a discrimina��o e a favor de cotas para as mulheres. Eu concordo que precisamos de igualdade de condi��es, mas isso n�o vai resolver os problemas entre os sexos porque o que existe a� � uma consequ�ncia direta da biologia, que n�o tem sido considerada.
H� todas essas pessoas com ideias est�pidas, que derivam de Michel Foucault (1926-1984), negando a exist�ncia dos g�neros. Dizem que o g�nero � algo imposto pela sociedade, que n�o h� base biol�gica para a ideia de g�nero. Essas pessoas est�o malucas? Elas n�o sabem que toda e qualquer pessoa que est� na face da Terra nasceu do corpo feminino?
As mulheres t�m um poder tremendo sobre os homens. Se as feministas n�o querem esse poder, e querem apenas ser iguais aos homens, ok. O que eu vejo como observadora e como professora � que os homens s�o muito fr�geis psicologicamente em rela��o �s mulheres. E quando as mulheres renunciam ao poder da maternidade, como aconteceu na segunda onda do feminismo, elas perderam uma parte enorme de seu poder sobre os homens.
As mulheres que entenderam seu poder sobre os homens s�o mais felizes. As mulheres que pedem que os homens mudem e se aproximem delas s�o mais nervosas, s�o brutais. Elas n�o t�m confian�a no seu poder como mulheres.
As mulheres que t�m sucesso com os homens s�o aquelas que mant�m uma certa qualidade maternal e entendem as fraquezas dos homens. E t�m pena deles por isso. Elas tratam homens com humor e conseguem entender as necessidades dos homens e nutri-los de certa forma.
De que maneira o adiamento da maternidade das �ltimas gera��es de mulheres � produto desse tipo de pensamento da segunda onda do feminismo?
Gloria Steinem � respons�vel por isso. Ela e seus problemas psicol�gicos. Ela teve uma inf�ncia terr�vel. Seu pai era negligente, abandonou a m�e, a m�e teve problemas psiqui�tricos.
Steinem, ent�o, mantinha aquele sorriso como se tivesse a resposta para tudo. E ela dizia: a mulher pode ter tudo. E dizia tamb�m: uma mulher precisa de um homem tanto quando um peixe de uma bicicleta. Mas em todas as festas que ela frequentava em Nova York ela tinha um homem nos bra�os.
Ela pregava que a mulher cuidasse de sua carreira e deixasse a maternidade para mais tarde. S� a completa ignor�ncia da biologia permitiu isso, porque sabemos que a fertilidade feminina � maior quanto mais nova ela �, e que a gravidez � mais segura antes dos 35 anos. E h� gera��es inteiras de mulheres que foram convencidas de mentiras. O que eu digo � que a verdade sobre a biologia precisa ser dita para as meninas cedo.
A mulher tem de escolher entre carreira e maternidade?
Sem d�vida. O mecanismo da educa��o-treinamento ser� sacrificado de alguma maneira para as mulheres que escolherem ter filhos. Elas provavelmente podem alcan�ar sucesso profissional mais tarde, mas tem um grande valor em ter filhos mais cedo.
Por exemplo, eu nasci quando meus pais tinham 21 anos. N�o t�nhamos grana, mas eles tinham muita energia e eram otimistas. Catorze anos depois, minha irm� nasceu, e meus pais estavam com 35 anos, eles tinham uma casa e uma vida est�vel, com emprego e tudo mais. Os pais que eu tive foram completamente diferentes dos pais que minha irm� teve. Ent�o minha irm� � muito diferente de mim. Ela tem modos (risos).
Ent�o, mulheres que acham que v�o ter filhos aos 45 anos ter�o energia para correr atr�s de uma crian�a como os pais de 20 e tantos anos. Educa��o tem que se adaptar a essa realidade da biologia.
As universidades t�m que ser mais flex�veis na oferta de cursos para mulheres e de ber��rios nos campi para que elas deixassem seus filhos por algum tempo. Deveria ser poss�vel para uma mulher jovem decidir ter filhos cedo e continuar a estudar meio per�odo ou fazendo uma disciplina por vez, levando mais tempo para se formar.
As universidades se beneficiariam muito pela presen�a de estudantes casados e com filhos. Muitas das besteiras que s�o ditas sobre g�nero seriam melhor debatidas se houvessem jovens pais nas salas de aula.
Como essa flexibilidade para jovens m�es poderia ser aplicada ao mundo do trabalho?
As empresas n�o existem para serem agentes de mudan�as sociais. Elas existem para obter lucro. Aquelas criadas por investidores progressistas, como muitas firmas na Calif�rnia, disponibilizam ber��rios, mas � tudo muito caro. E mais: certos benef�cios fazem com que funcion�rios que n�o t�m filhos reclamem.
Ent�o, isso precisa ser visto com cuidado porque precisa haver igualdade entre os profissionais. A verdade � que maternidade � uma escolha e voc� precisa aceitar que isso implica numa certa troca.
H� muitas dificuldades na carreira no in�cio, mas n�o depois. Minha gera��o de mulheres, cuja maioria focava na carreira e nos sal�rios, est� quase se aposentando. De repente, a realidade vai bater: no momento em que deixarem seus empregos, elas n�o ter�o nada e ser�o rapidamente esquecidas. Poder�o ter uma aposentadoria financeiramente confort�vel, mas � s�. Enquanto as classes mais populares ter�o as crian�as j� crescidas e os netos e os bisnetos. E isso traz um novo sentido � vida.
Precisamos de um discurso melhor sobre o sentido da vida, que n�o � apenas algo materialista.
Voc� adotou um menino. Como se v� enquanto m�e?
Sempre deixei claro que eu sou sua parente, mas n�o sua m�e. Ele tem uma �nica m�e, que � sua m�e biol�gica, que � minha ex-companheira, que vive aqui perto e n�s temos uma �tima rela��o centrada na cria��o dele. Eu estava l� no consult�rio m�dico quando ele foi concebido, no hospital quando ele nasceu, tenho sido parte da sua vida desde sempre.
Todas as minhas observa��es sobre meninos e homens t�m sido confirmadas na experi�ncia de ter um filho e de ter adentrado o mundo das m�es. E vi com meus pr�prios olhos que as mulheres comandam a vida das crian�as, da casa e do mundo emocional da fam�lia. E o marido, que antes era o n�mero um, passa a ser mais um no sistema da mulher. A mulher cria toda a rotina e o homem executa o que ela diz.
Na contram�o do discurso que nega os g�neros, h� o debate sobre os transg�neros. De que maneira o feminismo pode incluir essas pessoas?
Vou dizer algo controverso, mas real: eu me identifico como transg�nero. Quando era mais nova, esse termo n�o existia. Mas estava muito claro que eu era muito inibida em rela��o ao meu g�nero biol�gico desde sempre. Eu demonstrava isso, ainda crian�a, no Halloween. Eu sempre escolhia um personagem masculino. Fui um soldado romano, fui Napole�o, fui Hamlet... E nenhuma menina se fantasiava assim. Eu me sentia alienada em ser uma menina.
Eu estou muito preocupada com essa tend�ncia cir�rgica para mudan�a do corpo. Isso est� por toda parte nos EUA. Dizem que a crian�a nasceu no corpo errado e j� come�am com horm�nios at� chegar � interven��o cir�rgica. Se essa ideia estivesse no ar quando eu era jovem, eu teria me tornado obcecada com isso. Eu teria sido convencida de que essa seria a resposta para todos os meus problemas com a sociedade contempor�nea e sua rigidez sexual. E eu teria cometido um engano terr�vel.
Por qu�?
Transformar o corpo cirurgicamente � uma ilus�o. H� um n�mero muito pequeno de pessoas realmente intersexuais. � uma anormalidade cong�nita. A maioria dos casos n�o � assim. Intervir no corpo, removendo o p�nis ou os seios, � uma ilus�o porque todas as c�lulas do seu corpo permanecem sendo o que elas sempre foram. Simplesmente n�o � verdade que voc� mudou de g�nero.
Eu acredito que � preciso respeitar o desejo das pessoas de transformar seus corpos, seja por motivos cosm�ticos, m�dicos ou de g�nero. Cada um tem poder sobre o pr�prio corpo e eu sou uma libert�ria neste sentido. Por outro lado, ningu�m vai me convencer de que a Chaz Bono, a filha transg�nero da atriz Cher, � um homem. Ele precisa tomar uma inje��o de horm�nios todos os dias para ser o que �, um transg�nero, nunca um homem. Cada c�lula daquele corpo � uma c�lula feminina.
As pessoas que olham para esse debate e pensam que estamos caminhando para um futuro progressista est�o enganadas. N�s vivemos em um per�odo em que os g�neros s�o fluidos e ningu�m se identifica com os papeis de cada um dos g�neros no passado. Mas a ideia de que isso � um sintoma de sa�de social est� errada. � o caos.
Estamos numa fase tardia da cultura, como ocorreu com outras civiliza��es, em que as defini��es dos sexos come�am a se borrar e a se dissolver e surgem todos os tipos de androginia e de brincadeiras com trocas de pap�is entre feminino e masculino. Eu adoro tudo isso, mas acho que n�o pode ser confundido com um sintoma de sa�de e de progresso. Sinto muito. � um sintoma de decl�nio hist�rico da nossa cultura. E dever�amos nos preocupar porque isso indica ansiedade e algo errado.
Eu n�o noto, a prop�sito, nenhum avan�o no campo das artes. Ningu�m est� em um per�odo especialmente f�rtil. Pelo contr�rio, todos est�o obcecados consigo pr�prios. O ego se tornou um trabalho art�stico. As pessoas t�m dez conceitos diferentes sobre o que elas s�o. Acho que a obsess�o com g�nero e com orienta��o sexual se tornou uma doen�a.
Eu sou ateia, mas acredito no poder da religi�o e de sua vis�o do universo. Vivemos essa transi��o da perspectiva religiosa para essa horr�vel perspectiva centrada no indiv�duo, com o apoio da m�dia. Isso n�o s�o os anos 60, quando se pregou o poder do indiv�duo contra a autoridade, mas a destrui��o dessa ideia c�smica do lugar de cada um no universo. E isso tudo convergiu para a obsess�o por g�nero e orienta��o sexual. Isso virou uma loucura. � o novo narcisismo.
H� formas menos obsessivas de olhar para essas quest�es?
Eu apoio a uni�o civil, mas nunca apoiei o casamento gay, por exemplo. N�o acho que o governo deve se envolver em casamento, um termo circunscrito � Igreja. Perante a lei, deve haver igualdade de g�neros e orienta��es sexuais. Mas deve haver mais respeito por religi�o. Se voc� quer se casar, v� a uma igreja que aceite cas�-lo. Mas a insist�ncia de que o governo deve intervir neste sentido � muito juvenil.
As pessoas t�m de assumir responsabilidade por sua identidade e estar preparadas para desaprova��o e rejei��o. Os liberais ofereceram a arte como substituto para religi�o, mas n�o vejo nenhuma criatividade relevante, mas um mundo de trivialidades. As pessoas hoje est�o neste sonho, alucinando ao pensar que o mundo ocidental � eterno. Todos os grandes imp�rios ca�ram. N�o somos diferentes.
Qual � a consequ�ncia do narcisismo nas artes?
N�o vejo nada t�o profundo sendo produzido hoje se compararmos �quilo produzido em culturas mais repressivas. Tennessee Williams, que eu admiro muito, era um artista gay quando isso n�o era fashion, e produziu trabalhos incr�veis como "Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em Teto de Zinco Quente". Quem � o grande escritor gay neste mundo t�o permissivo? Parece que a repress�o � um est�mulo para a arte (risos).
O que voc� acha dos protestos topless, como a Marcha das Vadias e as a��es do grupo Femen?
Eu adoro qualquer performance de rua, qualquer provoca��o p�blica, sejam manifesta��es ou brincadeiras. Adoro a ideia de pequenos grupos desafiando os poderes constitu�dos. Sempre participei de muitas delas at� que fui disciplinada na universidade porque me colocaram em condicional por um semestre de tanto que eu aprontava.
No entanto, essas meninas s�o totalmente incoerentes ideologicamente. Femen n�o faz o menor sentido, � algo fabricado que n�o tem nenhum sentido pol�tico. Uma mulher bonita, com belos seios e palavras desenhadas pelo corpo deveria estar apoiando a ind�stria do sexo, a prostitui��o e a pornografia, e n�o protestando contra a ind�stria do sexo. � rid�culo e demonstra o n�vel de insanidade do feminismo radical atual.
Como voc� vai expor seu corpo para protestar contra a ind�stria do sexo se o que voc� est� fazendo � gerar excita��o sexual? � maluco. Eu mostrei para meus alunos o v�deo em que uma maluca do Femen agarrou o menino Jesus no pres�pio do Vaticano e a pol�cia a agarrou e ela ficou gritando (risos). Achei tudo muito divertido, mas fiquei com pena dos fi�is que estavam l� porque aquilo � profana��o para eles.
A Marcha das Vadias � outra incoer�ncia das meninas burguesas e universit�rias de hoje. Fui uma das feministas que levantou a bandeira pr�-sexo nos anos 90, mas essas manifesta��es est�o equivocadas. Madonna expunha seu corpo ao mesmo tempo em que assumia a responsabilidade de se defender. Voc� tem o direito de se vestir como Madonna nas ruas �s 3h da manh� e faz parte do comportamento da mulher liberada fazer isso. S� que essa mulher tem que saber se defender.
Se voc� vai provocar e usar roupas para demonstrar que est� dispon�vel sexualmente, porque � isso o que voc� est� fazendo. Est� dizendo: sou uma mulher que gosta de sexo e estou pronta para receber ofertas. Mesmo que as mulheres demandem o controle masculino, sempre vai haver um psic�tico ou um criminoso que ser� imposs�vel controlar. N�o d� pra pedir para a sociedade a proteger o tempo todo. Se voc� � uma mulher livre, voc� tem que aceitar que, toda vez que se vestir de modo convidativo, est� enviando uma mensagem e tem de se defender se for necess�rio.
E � claro que ningu�m tem o direito de fazer nada com voc�, mas s� uma idiota acha que vai para as ruas de vestimentas provocativas sem correr o risco de ser atacada, culpando o Estado por isso.
Uma pesquisa no Brasil apontou que 25% dos brasileiros concordam que uma mulher vestida de forma provocativa merecia ser atacada.
Ningu�m merece ser atacada. Isso est� totalmente errado. Ningu�m tem o direito de colocar as m�os no seu corpo sem permiss�o. O que essas pessoas devem estar dizendo � que a vestimenta comunica uma mensagem e indica um n�vel de disponibilidade sexual.
Eu tamb�m acredito que roupas comunicam algo sobre voc� naquele momento. Roupas s�o uma linguagem. As mulheres n�o entendem como os homens as enxergam com determinadas roupas. Elas acham que est�o se vestindo para elas mesmas, mas precisam saber que h� um perigo em se vestir de certas formas.
Eu adoro exibi��o sexual, mas precisam saber que est�o comunicando para uma certa audi�ncia. E n�o necessariamente se pode culpar os homens por entenderem uma mensagem que, talvez inconscientemente, as mulheres est�o enviando. Por isso chamo o meu feminismo de safo ("street smart").
Por que voc� foi t�o cr�tica ao ensaio fotogr�fico recente em que Madonna aparece com os seios � mostra?
Madonna � uma das figuras mais importantes da cultura pop e da cultura contempor�nea. Ela mudou o mundo com sua atitude. At� hoje seus v�deos antigos s�o grandes obras de arte. Ela tornou poss�vel para as mulheres assumirem o comando de suas sexualidades. Ela nunca foi uma v�tima. Ela sempre controlou a transa��o entre homem e mulher. Ela era extremamente sexy, mas estava no controle da situa��o.
Mas acho que esse ensaio ficou feio, acho que ela est� se repetindo. N�s j� vimos seu corpo no auge da forma e era magn�fico. O que ela est� fazendo agora? Por que expor o corpo na sua idade em fotografias horrorosas? Sinto muito, mas foi uma desgra�a art�stica. Madonna n�o deveria estar competindo com mulheres jovens, cujos corpos s�o belos. Marlene Dietrich, que � um modelo para Madonna, nunca fez isso.
Voc� acha que mulheres mais maduras n�o devem mostrar o corpo?
Se voc� o mostra de um modo belo e sexy, ok. Mas aquelas fotos da Madonna eram revoltantes. Era embara�oso. Hediondo. Ela parecia uma prostituta decadente que n�o sabe que est� na sarjeta.
Madonna � uma estrela global e n�o deveria se expor assim. Se voc� quer seduzir, h� outras formas de transmitir isso. Jeanne Moreau � sexy na idade dela sem mostrar nada, e Catherine Deneuve, apesar de ter ganhado peso, continua sexy. N�o � digno de uma mulher de tantas conquistas se mostrar assim.
As mulheres t�m que superar o envelhecimento. N�o d� para dizer que o corpo de uma mulher de idade � t�o bonito como o de uma jovem mulher. N�o �! Os horm�nios n�o permitem, a pele fica fina, desidratada, etc. Temos de parar de tentar glamurizar a beleza da mulher madura.
O que precisamos � deixar as mulheres jovens dominarem o mundo da beleza e buscar novos pap�is para as mulheres mais velhas. Aquelas que s�o m�es ganham poder � medida que a idade avan�a e encontram novas coloca��es para si. Precisamos aprender a mudar para o pr�ximo est�gio da vida. O que precisamos � criar uma persona para as mulheres na cultura de hoje, e isso tem a ver com desapegar de algo. Sen�o, elas s� t�m a perder. Como n�o h� como congelar o processo de envelhecimento, quanto mais as mulheres lutarem contra ele, mais infelizes ser�o.
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