Exposi��o em cartaz em SP foca ru�na de Welles no Brasil
"Chegou ontem a Fortaleza Orson Welles, o g�nio de Hollywood", saudou o jornal cearense "O Povo" em 9 de mar�o de 1942. O diretor americano estava no Brasil havia um m�s e por onde passou recebeu aclama��o semelhante.
Tinha ent�o s� 26 anos, mas j� era reconhecido internacionalmente como prod�gio do teatro, do r�dio e do cinema.
Como exemplo basta dizer que, um ano antes, lan�ara seu primeiro filme como diretor, "Cidad�o Kane", frequentemente apontado como o maior da hist�ria do cinema.
Nada parecia dar errado na carreira do "boy genial" (como a ele se referiam por aqui), mas bastou pisar em solo brasileiro para tudo desandar.
Quase seis meses depois Welles saiu do Brasil carregando um filme que nunca seria conclu�do ("� Tudo Verdade") e a pecha de artista perdul�rio, irrespons�vel, que por capricho n�o terminava seus projetos. "Foi o desastre chave de minha hist�ria", definiu.
Welles (1915-1985) completaria cem anos no pr�ximo dia 6 de maio. Dois eventos em S�o Paulo lhe prestam homenagem e jogam luz sobre o per�odo que passou no Brasil.
"� Tudo Verdade - Baseado em um Filme Inacabado de Orson Welles", de 1993, ser� exibido no festival de document�rios de mesmo nome. O filme recupera parte das cenas que Welles filmou no Brasil.
J� o Museu Afro Brasil inaugura neste s�bado (11) uma exposi��o com 25 imagens do fot�grafo Chico Albuquerque (1917-2000) sobre os bastidores das filmagens de Welles nas praias de Fortaleza.
BOA VIZINHAN�A
Em fins de 1941, Welles recebeu do Departamento de Estado norte-americano a incumb�ncia de fazer um filme para consolidar os la�os com a Am�rica Latina. Era a �poca pol�tica da boa vizinhan�a, iniciativa de difundir o estilo de vida americano e conquistar o apoio da regi�o na Segunda Guerra. Assim que acabaram as filmagens de "Soberba", seu segundo longa, Welles tomou o avi�o para o Rio.
A ideia original era dividir "� Tudo Verdade" em tr�s partes. A primeira foi filmada no M�xico por Norman Foster. As outras duas ficaram a cargo de Welles. Uma delas seria sobre o Carnaval carioca.
O diretor nada sabia da festa momesca, mas foi bem guiado pelo ator Grande Otelo (1915-1993) e pelo m�sico Herivelto Martins (1912-1992). Esbaldou-se na noite carioca, ficou fascinado pelo samba e at� inventou um drinque, o "samba de Berlim", mistura de Coca-Cola com cacha�a.
O acordo EUA-Brasil esperava uma pe�a de propaganda oficialesca, mas o irrequieto cineasta tomou um caminho oposto. Embrenhou-se na cidade, filmou favelas, a popula��o negra e sua cultura. Deixou os produtores americanos e o governo de Get�lio Vargas de cabelo em p�.
"Hoje Welles s� filmou um monte de negrada pulando para cima e para baixo", queixou-se um gerente da RKO, est�dio que financiava o filme.
As rela��es ficaram ainda mais estremecidas depois que a RKO cortou uns 40 minutos e refilmou cenas de "Soberba" enquanto Welles estava no Rio.
O outro epis�dio de "� Tudo Verdade" dirigido por Welles dramatizou um fato real que alcan�ou bastante repercuss�o na imprensa nacional e estrangeira.
Em 1941, quatro homens navegaram de Fortaleza em em dire��o ao Rio em uma pequena e fr�gil jangada, ao longo de 61 dias, para apresentar reivindica��es da classe ao presidente Vargas.
TRAG�DIA
Welles reuniu os quatro jangadeiros para recontar a hist�ria. Come�ou pelo fim, o desembarque na ent�o capital federal. No dia 19 de maio, ocorreu uma trag�dia durante as filmagens. Uma forte onda derrubou os quatro homens. Manuel Ol�mpio Meira, o Jacar�, l�der dos jangadeiros, sumiu no mar e nunca mais foi encontrado.
Depois de muito impasse, Welles conseguiu autoriza��o do est�dio para filmar em Fortaleza o in�cio do epis�dio, a dura rotina dos jangadeiros, como homenagem a Jacar�.
As filmagens ocorreram principalmente no arraial Mucuripe, hoje um bairro populoso de Fortaleza. Welles usou como atores pessoas da pr�pria comunidade, muitas das quais nunca haviam visto um filme antes.
Quase 50 minutos do epis�dio cearense foram montados d�cadas depois, a partir de indica��es de Welles. S�o as cenas mais impressionantes de "� Tudo Verdade". Com parcos recursos, extraiu grande beleza ao retratar uma comunidade praieira perdida no tempo.
A profundida de campo e a c�mera baixa, duas marcas estil�sticas de Welles, marcam alguns dos melhores momentos do epis�dio, como o enterro de um jangadeiro.
As filmagens fora de est�dio, de baixo or�amento e com atores n�o profissionais anteciparam v�rios movimentos cinematogr�ficos, como o neorrealismo italiano e o cinema novo brasileiro.
"� um bel�ssimo trabalho de composi��o de quadro, de aproveitamento de nossa luz intensa. E sobretudo descreve uma paisagem f�sica e social de valor etnogr�fico", conta Firmino Holanda, professor de cinema da Universidade Federal do Cear� e autor de "Orson Welles no Cear�" (2001).
Durante as filmagens no Cear�, a RKO mudou de donos, e a rela��o azedou de vez. O diretor e sua equipe, no Brasil e nos EUA, foram demitidos. O filme, arquivado.
Os negativos do filme ficaram perdidos perdidos durante 40 anos. Foram enfim localizados num dep�sito do est�dio Paramount no come�o dos anos 1980. Reconstru�do parcialmente por Bill Krohn, Myron Meisel e Richard Wilson (este �ltimo integrou a equipe de Welles no Brasil), "� Tudo Verdade" foi finalmente lan�ado em 1993, oito anos ap�s a morte do diretor.
OBSESS�O
A passagem de Welles pelo Brasil foi uma obsess�o do cineasta brasileiro Rog�rio Sganzerla (1946-2004). Ele dedicou quatro filmes ao assunto: "Nem Tudo � Verdade" (1986), "A Linguagem de Orson Welles" (1990), "Tudo � Brasil" (1997) e O "Signo do Caos" (2005).
Assim como Welles, Sganzerla foi um jovem prod�gio, come�ou sua carreira com uma obra-prima, "O Bandido da Luz Vermelha" (1968), e depois, por uma s�rie de motivos, encontrou uma dificuldade imensa para rodar e lan�ar seus filmes.
Na vis�o de Sganzerla, o infort�nio que se abateu sobre "� Tudo Verdade" e a carreira futura de Welles representa a pr�pria impossibilidade de ser fazer cinema no Brasil, a vit�ria da burocracia e da bo�alidade contra a imagina��o e arte.
"Orson Welles, quando veio ao Brasil, tentou provar que o cinema � uma verdade maior que a vida. Tentou filmar de forma livre a nossa sociedade, com a maior boa vontade para com os homens. Lan�ou as bases do cinema moderno, de cinema novo brasileiro, das vanguardas internacionais", declarou Sganzerla.
Pode-se dizer que "� Tudo Verdade" � o maior filme nunca conclu�do, mas Welles pagou caro por ele. Nunca mais teve os mesmos recursos t�cnicos e financeiros de "Cidad�o Kane".
"Foi uma trag�dia para Welles e para o cinema", diz Catherine L. Benamou, professora da Universidade da Calif�rnia e autora de "It's All True: Orson Welles's Pan-American Odyssey" (2007).
"Por outro lado, ter filmado no Brasil significou um enriquecimento cultural sem paralelo na vida dele. Abriu novas possibilidades estil�sticas que se manifestaram na fase madura do trabalho dele. Aprendeu a filmar nas paisagens sem muitos recursos, trabalhando com luz natural, com c�mera na m�o", completa.
Ela cita como exemplo os cl�ssicos "Grilh�es do Passado" (1955), "A Marca da Maldade" (1958) e "Falstaff" (1965).
Welles atuou em dezenas de filmes e programas de TV de segunda linha para financiar os pr�prios projetos. Alguns n�o chegaram a ser conclu�dos ("The Deep", "Don Quixote").
Pelo menos um poder� ser visto em breve. "The Other Side of the Wind", iniciado em 1970, estreia em 6 de maio nos EUA.
ORSON WELLES ENTRE O POVO BRASILEIRO
QUANDO abertura hoje, �s 13h; de ter. a dom., das 10h �s 17h
ONDE Museu Afro Brasil - av. Pedro �lvares Cabral, s/n; tel. (11) 3320-8900
QUANTO R$ 6 (qui. e s�b. gr�tis)
"� TUDO VERDADE - BASEADO EM UM FILME INACABADO DE ORSON WELLES"
QUANDO neste s�bado (11), �s 15h
ONDE Centro Cultural S�o Paulo - r. Vergueiro, 1.000, tel. (11) 3397-4002
Livraria da Folha
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